Filosofia da vida, segundo Quintana

A popularidade de Mario Quintana (1906-1994) é um caso atípico nas letras brasileiras. Ao lado de Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira e do português Fernando Pessoa, ele é dos mais lidos e citados poetas da língua portuguesa. Seus aforismos meio que fizeram dele quase um filósofo dos sentimentos e das emoções. Deixou frases memoráveis que fazem refletir: “A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer”, “Autodidata: ignorante por conta própria”, “As únicas coisas eternas são as nuvens”, entre outras. Na poesia, era um mestre em relevar a beleza das palavras, a partir de suas peculiares combinações. Graças à capacidade de ir além da rima, via a vida com sentidos de um felino: pelas nuances, tragédias e alegrias, claro. Sua respeitável obra mostra isso e muito mais. Versátil, ele adorava, por exemplo, escrever a respeito do sobrenatural.

Quintana não precisou de mais de um livro e chamar para atenção. Caso raro num País em que chegar ao topo com poesia não é fácil. Tinha 34 anos quando lançou a compilação de sonetos modernistas, que chamou de A Rua dos Cata-ventos. Seis anos depois, publicou Canções (1946), que lhe trouxe a consagração. A obra foi recebida, segundo o crítico Ítalo Moriconi, como representante de um lirismo singelo, intuitivo, tingido de suave tom elegíaco e banhado de sabor local – a rua, o arrabalde, a cidade de Porto Alegre. O terceiro livro, o pequeno Sapato Florido, de 1948, foi uma surpresa, não pela qualidade, mas por trocar a poesia pelos aforismos, pequenas prosas, crônicas e minicontos.

Agora, esses três volumes voltam em um livro só, intitulado Canções, para marcar a reedição da obra do poeta pela Alfaguara. Apesar do ótimo tratamento editorial que recebeu da Editora Globo na década passada, Quintana retorna completíssimo. Serão lançados sete títulos até o final deste ano, do total de 17 volumes programados até 2014. A coleção traz duas antologias inéditas: Quintana Essencial, organizada por Ítalo Moriconi, e Poemas Para Ler na Escola, coordenada por Regina Zilberman. Os demais serão lançados individualmente, com exceção de sua produção inicial, dos anos 1940, que forma Canções, e 1950, reunida em O Aprendiz de Feiticeiro, com os poemas de sua segunda fase. Cada volume traz biografia, lista de obras do autor e prefácios com o propósito de mostrar ao leitor um pouco mais da vida do poeta, além de destacar sua obra e formas de composição, como explica Moriconi.

A designer Mariana Newlands recorreu aos manuscritos de Quintana, do acervo do Instituto Moreira Salles, mesclados a fotos, ilustrações e papéis avulsos, para compor o projeto gráfico da coleção, sem fugir ao padrão consagrado do selo Alfaguara. Juntos com Canções saem agora dois clássicos: Apontamentos de História Sobrenatural, considerado marco em sua poesia, em que ele flertava com o gótico, e as crônicas de A Vaca e o Hipogrifo. “A poesia de Quintana desempenha um papel eminentemente formativo no cânone literário brasileiro moderno”, diz Moriconi. E acrescenta que autores como ele “são os poetas por quem primeiro nos apaixonamos, quando começamos a nos tornar membros da tribo dos leitores aficionados de poesia literária”. Uma iniciativa assim pode ser um estímulo para descobrir Quintana e até para aprender a gostar de poesia. De primeira linha.


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