No beco escuro ele prepara o braço. A agulha pica a pele e pega a veia. O cogumelo vermelho entra na seringa, tingindo aos poucos a solução de cocaína e água de poça. Injeta devagar. Bem devagar. Ajeita-se no chão de terra batida e curte a plenitude de quinze minutos. Sem grana pra repetir a dose ele se arrasta bicudo pelas ruas da Vila Madalena. Pensa nas botas bem lustradas do delegado do Distrito. Onde se compra a melhor farinha da cidade.

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Pernas cruzadas em cima da mesa, palito no canto da boca, se excita: quanto vale todo esse ouro em forma de colar. Exagerou na feijoada e na pimenta. A maldita dor de estômago mais cedo ou mais tarde lhe chegará. O mau humor só não é maior por causa do cliente filhinho-de-papai, franzino como o palito de dentes que rola na boca carnuda. Já fazia um mês que o maluco não vinha. Pagou os cinco papéis de farinha batizada com o colar de ouro de sua mãe. A profissão de Delegado de Polícia não é brincadeira. Muito stress e pouca grana. Tem que tirar um por fora. Vender pó pros malucos dos Jardins é negócio bom e seguro. Ajeita-se liberando a nádega esquerda, peida e pensa, sem esconder inveja ou temor, no poder que tem o patrão do esquema.

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O cara anda de motorista e Mercedes blindada. Vira e mexe sai na coluna social. Matéria paga. Tem amigos na grande imprensa. Ele mora num duplex no Jardim Europa e não admite que seus funcionários falhem. Depois dos dólares nos paraísos fiscais, aquilo que lhe dá mais prazer é torturar os traidores. Gosta de encostar sua orelha na boca do sujeito a agonizar. Nada se compara à emoção de ouvir o derradeiro suspiro. Melhor que orgasmo. Tem amigos em Brasília.

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O ministro enxuga o nariz, que há três décadas escorre às quartas-feiras, quando veste o figurino emplumado que a liturgia do cargo exige. Faltam dois meses para a aposentadoria compulsória, tão esperada. Ele está cansado dessa rinite crônica alérgica e de outros lucrativos negócios e conexões. Já fez um bom pé-de-meia. Tem apenas quatro dias para definir o seu voto na pendenga: a Secretaria Nacional Antidrogas continua atrelada ao Gabinete de Segurança Institucional ou volta a fazer parte do Ministério da Justiça.

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Todo final de tarde ele se arrasta à reunião dos Narcóticos Anônimos. Vêm-lhe o cogumelo vermelho e a vontade louca de se matar.


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