Fonte de discussão

Por muito tempo, a expressão “Planeta Água” foi usada como um sinônimo para designar a Terra. Com cerca de 70% de sua superfície coberta por água, essa era uma questão que não chegava a preocupar o mundo Ocidental. A escassez de água era vista como um problema localizado, vivenciado por alguns povos dos desertos asiáticos e africanos ou, no Brasil, por moradores do semiárido nordestino. Hoje, porém, a água está no centro das preocupações com o futuro. “A relação entre disponibilidade hídrica e demanda crescente está no foco dos debates sobre sustentabilidade”, afirma o engenheiro José Almir Cirilo, secretário executivo de Recursos Hídricos do Estado de Pernambuco e um dos organizadores do XV Congresso Mundial da Água, que será realizado em Pernambuco, em setembro.

“Precisamos cada vez mais de água para as diferentes atividades, com destaque para a produção de alimentos, que absorve cerca de 70% da água doce disponível no planeta”, diz o engenheiro. Ele lembra que a quantidade de água que existe na natureza é constante, ou seja, não aumenta nem diminui – a água que cai sob forma de chuva abastece lençóis freáticos, rios e lagos ou é absorvida por plantas e liberada depois, por evaporação, retornando à atmosfera. No entanto, a água disponível para o consumo tende a diminuir em qualidade e quantidade, seja por seu desperdício seja pela poluição. As alterações climáticas provocadas pelo aquecimento do planeta devem agravar os problemas surgidos pela má disponibilidade: as áreas secas podem se tornar ainda mais secas, e as que sofrem pelo excesso de chuvas, provavelmente, serão atingidas por precipitações maiores, mais frequentes e concentradas.

Apesar dessas considerações, Cirilo alerta que não se deve atribuir toda enxurrada às mudanças climáticas: a natureza tem a sua sazonalidade. Ao longo do Rio São Francisco, por exemplo, há épocas em que chove menos e outras nas quais as chuvas são mais generosas. Além disso, há problemas localizados, como em São Paulo e outras grandes áreas urbanas, onde a concentração de concreto e o asfalto retêm o calor, provocando um aquecimento localizado: as chamadas ilhas de calor.

De qualquer forma, a disponibilidade de água já é uma questão que tem provocado tensões e até conflitos – como as disputas pelos rios das bacias hidrográficas que formam as nascentes do Nilo; no lago Vitória, em Uganda, envolvendo outros vizinhos, como Tanzânia, Ruanda, Quênia, Congo, Burundi, Sudão, Etiópia e Egito; ou os históricos enfretamentos entre Estados Unidos e México pelos rios de suas fronteiras; e ainda entre Portugal e Espanha, que mantêm uma discussão acirrada sobre o uso das águas do Rio Tejo, que atravessa os dois países. No Brasil, assistimos à polêmica sobre a transposição do Rio São Francisco, com o levantamento de questões que, em menor escala, repetem-se pelo País afora, sempre que a disputa pelas águas dos rios estiver em questão.

Desafios
Nosso País enfrenta gargalos sérios para garantir água à sua população, e um dos mais importantes é a falta de infraestrutura, tanto para a produção de água quanto para sua distribuição, ou seja, a água que está na natureza precisa ser captada, armazenada e transportada até as pessoas. É preciso investir na construção de barragens, açudes e sistemas de captação em rios e também nas redes para canalizar a água até as residências, em redes modernas, que suportem a demanda e não resultem em desperdício. Em praticamente todo o País, as águas que cortam as cidades já não servem para consumo, pois estão poluídas, e trabalhamos para buscar água de mananciais cada vez mais distantes, a um custo maior.

O saneamento básico, com o tratamento dos esgotos para que não poluam os rios, também é indispensável. Na última década, especificamente no segundo governo Lula, cresceram os recursos para investimento em saneamento e aumentou a pressão da sociedade para o enfrentamento desse problema – antes disso, nem a sociedade cobrava, nem os governos tomavam para si a tarefa de enfrentar a questão. Hoje, isso vem mudando. Em todas as metrópoles há iniciativas para tratar os cursos d’água. As empresas de saneamento melhoraram a oferta, e a fiscalização das agências ambientais e da opinião pública é bem mais intensa – esse é um dos temas recorrentes nos noticiários.

Além do saneamento básico, Cirilo aponta para a importância de políticas específicas para conservar os cursos d’água, com o reflorestamento de suas margens, controle do lixo, um dos grandes vilões do assoreamento dos rios, além do planejamento urbano e políticas de habitação popular. As populações mais pobres acabam se instalando em regiões menos assistidas, transformando pequenos córregos em esgoto a céu aberto e lixões, vivendo em alagados, como em Recife e outras regiões com péssimas condições de habitação.

Cirilo também indica um dos atuais gargalos do País, presente na questão água: “Precisamos formar pessoas para planejar e construir esses sistemas. Hoje, no Brasil, faltam engenheiros, projetistas, mestres de obras e operários qualificados. Como professor de Engenharia Civil da Universidade Federal de Pernambuco, vi jovens se formando sem encontrar emprego durante anos. Hoje, eles são disputados ainda na faculdade”.

Por fim, Cirilo enfatiza a questão da educação ambiental para o exercício pleno da cidadania. “As pessoas precisam ter muito presente em seu dia a dia, tanto a premência de evitar o desperdiço de água quanto às práticas conservacionistas, e a mais elementar é não jogar lixo na rua e dar uma destinação correta aos resíduos e sucatas. Recentemente, foram gastos 18 milhões de reais para recuperar o estuário do Rio Beberibe, um dos maiores rios de Pernambuco, que cruza a região metropolitana desaguando no mar entre Olinda e Recife. Tiramos montanhas de lixo: garrafas, sacos plásticos, sofás, cadeiras e móveis que, jogados nas ruas, foram parar no rio.”

XIV CONGRESSO MUNDIAL DA ÁGUA

O Brasil será a sede do XIV Congresso Mundial da Água, promovido pelo International Water Resources Association,
em Porto de Galinhas, Pernambuco, de 25 a 29 de setembro. Reunindo especialistas em recursos hídricos, pesquisadores e gestores da área vindos do mundo inteiro, o congresso terá como tema o gerenciamento adaptativo da água e os recursos hídricos e as mudanças globais, além das questões de governança, como sistemas de gestão e legislação. Paralelamente, também será realizado o X Simpósio de Hidráulica e Recursos Hídricos dos Países de Língua Portuguesa.
Mais informações e inscrições:

worldwatercongress.com

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