Shows diários, produtores enlouquecidos, festivais que se prolongam por dias, sempre com casa lotada e bandas com a agenda cheia. Num primeiro momento pode parecer a cena cultural de uma grande metrópole, como São Paulo, mas não é. Estamos falando de cidades como Uberlândia (MG), Goiânia (GO), Rio Branco (AC), e uma série de outras regiões brasileiras que, articuladas por meio do ambiente colaborativo da internet e da atuação de grupos coletivos, estão produzindo um circuito cultural tão efervescente como o das “cidades grandes”.

Um dos grandes articuladores desse movimento é o Circuito Fora do Eixo, uma rede que reúne 37 grupos de produtores culturais de todo o País, e que nasceu com o objetivo de estimular a circulação de bandas, o intercâmbio de tecnologia de produção e o escoamento de produtos além do eixo Rio-São Paulo. Criado oficialmente em 2007, o Fora do Eixo cresceu rapidamente, agregou novos grupos coletivos e encontrou um terreno fértil dentro de um novo cenário da indústria fonográfica que, em virtude da facilidade de acesso, acabou abrindo espaço para pequenos projetos.
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Somente a Monstro Discos, grupo com sede em Goiânia (GO), lançou nada menos que 120 álbuns de artistas independentes que começaram suas carreiras longe dos grandes centros. “O que o Fora do Eixo fez foi sistematizar uma produção de bandas, festivais e iniciativas em uma nova área geográfica. Hoje temos um portal (www.foradoeixo.org.br) com blogs, notícias e transmissão por rádio. Utilizamos a tecnologia a nosso favor e nos comunicamos todos os dias”, conta o baixista da banda Macaco Bong, de Cuiabá (MT), Ney Hugo, e um dos integrantes do coletivo Espaço Cubo.

Um dos exemplos dessa articulação foi o próprio local onde Ney deu a entrevista: a sede da Monstro Discos, em Goiânia. Ney estava na cidade para acompanhar o Festival Bananada que, no final de maio, reuniu 42 bandas e cerca de cinco mil pessoas em três dias de evento. Já os outros dois integrantes da banda, Bruno Kayapy (guitarra) e Ynaiã Benthroldo (bateria), estavam em Uberlândia acompanhando outro festival, o Goma.

A capital de Goiás abriga ainda o Goiânia Noise, que é realizado no segundo semestre do ano, ambos organizados pela Monstro Discos. “O Bananada é mais voltado para a produção cultural de Goiás. Queremos abrir espaço para bandas desconhecidas. Já o Goiânia Noise destaca a música independente feita em todo o Brasil e já recebeu em seus palcos bandas hoje estruturadas como o próprio Macaco Bong, a Pata de Elefante (Porto Alegre/RS) e Móveis Coloniais de Acajú (Brasília/DF)”, diz Fabrício Nobre, um dos sócios da Monstro Discos, integrante da banda MQN e presidente da Associação Brasileira dos Festivais Independentes (Abrafin).

Os números do Fora do Eixo impressionam: são 32 festivais por ano, que atingem um público de 300 mil pessoas e fazem circular mais de 600 bandas das mais diversas vertentes do rock. Além dos três festivais citados, outros destaques são o Calango (Cuiabá/MT), o Macondo Circus (Santa Maria/RS) e o PNW (Palmas/TO).

Mas não é porque nasceram e foram valorizadas fora de São Paulo, por exemplo, que as bandas não reconhecem a importância do maior centro cultural do País. Pelo contrário. A Pata de Elefante, trio de rock instrumental de Porto Alegre, saiu de “casa” pela primeira vez para tocar nos festivais de Goiânia e hoje, com dois discos lançados e um novo já gravado, tem uma carreira sólida no Rio Grande do Sul e ainda tem presença garantida na agenda paulistana. “São Paulo é o centro cultural e econômico, mas nossa carreira tornou-se sólida aqui no Sul e o rock é uma grande expressão da cultura gaúcha. Podemos até ir embora de Porto Alegre um dia, mas a relação com a nossa cidade sempre será intensa”, afirma o músico Gustavo Telles.

Já a Macaco Bong, também muito requisitado em São Paulo, foi uma das atrações da Virada Cultural, está presente no circuito do Sesc SP, mas não faz planos de deixar Cuiabá. A banda teve o disco de estreia Artista Igual Pedreiro aclamado pela crítica – foi eleito um dos 25 melhores discos de 2008 pela revista Rolling Stone. Apesar disso, os projetos do trio vão além. “A banda é uma das nossas frentes. Nós três fazemos parte do coletivo Espaço Cubo, que é um projeto de fomentação cultural muito maior. E acho que justamente por estarmos em Cuiabá, trabalhando em rede, é que conseguimos influenciar a cena cultural”, completa Ney.

Fabrício Nobre segue o mesmo raciocínio. Já recebeu convites para ficar em São Paulo, mas não pensa em arredar o pé de Goiânia. Contenta-se com as inúmeras viagens que faz pelo País. “Encontrei dentro dessa rede uma oportunidade e não vejo a menor necessidade de me mudar daqui para realizar o trabalho que gosto e acredito. Acho que tenho um compromisso maior com a minha cidade”, conclui. Ele contraria a ideia de que para correr atrás de um sonho é preciso abrir mão de tudo e de todos, e partir em uma jornada solitária. Talvez nesse novo mundo o desafio seja enxergar a beleza e o valor dos que estão ao nosso lado, no lugar onde sempre estivemos.

MOEDA PRÓPRIA

O espírito de integração e experimentação dos grupos coletivos integrantes do Circuito Fora do Eixo é tão intenso que eles criaram um sistema de remuneração pautado pelo estímulo e pela economia solidária. Nos eventos como o Espaço Cubo e, mais recentemente, no Goma já é possível ver moedas diferentes circulando: o Cubo Card e o Goma Card. Em formato de notas impressas, o dinheiro pode ser adquirido e trocado dentro de atividades realizadas e apoiadas por parceiros dos coletivos. “Existe uma tabela. Quem escreve um texto para o coletivo, por exemplo, ganha uma quantidade de cards e depois pode usar dentro dos festivais, em estúdios parceiros, lojas de tatuagem”, explica Ney Hugo. Já os patrocinadores apóiam as atividades aceitando quantias pré-estipuladas de cards em troca dos seus serviços.


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