Forma e conteúdo

Roberto Quartin e Tom Jobim. Foto: Reprodução / Instituto Antonio Carlos Jobim

O que álbuns históricos como Coisas, do maestro pernambucano Moacir Santos, Inútil Paisagem, estreia fonográfica do prodígio Eumir Deodato; Os Afro-Sambas, de Baden Powell e Vinícius de Moraes, e Muita Zorra!, joia inaugural do Trio Mocotó, têm em comum? Todos eles foram lançados com o primor estético e o requinte técnico que tornaram mítico o pequeno selo Forma.

Em 2013, a gravadora criada pelo jovem produtor carioca Roberto Quartin completa 50 anos de fundação. Extinta, em meados dos anos 1970 (os direitos sobre as obras foram vendidos à Polygram e, hoje, estão em poder da Universal Music), a Forma foi fundada por Quartin quando ele tinha apenas 20 anos. Em 13 de agosto, o produtor completaria 70 anos. Brasileiros registra aqui sua homenagem a esse grande inovador de nossa música popular.

As bossas do Quartin
Com a explosão da bossa-nova, a consolidação de novos compositores, intérpretes e o surgimento de uma vigorosa cena de trios e quartetos de samba-jazz no eixo Rio/São Paulo, a música brasileira estava em plena ebulição durante a transição dos anos 1950 para os 60. O ambiente era altamente propício para o surgimento de pequenas gravadoras com propostas modernizantes, como a paulistana Farroupilha, que lançou o Jongo Trio, grupo de apoio nos primeiros dias da cantora Elis Regina em São Paulo, e as cariocas Forma e Elenco, criada por Aloysio de Oliveira – um visionário, como Quartin, responsável pelo lançamento de grandes títulos de Tom Jobim, Roberto Menescal, Nara Leão, Baden Powell, entre outros.

Apaixonado por música desde a infância, Quartin estudou com os maestros Moacir Santos e César Guerra-Peixe, mas decidiu fazer seu nome nos bastidores da indústria fonográfica. Convidou o amigo Wadi Gebara, que se tornaria diretor artístico, para lançar a Forma no final de 1963.

Já no primeiro ano de mercado, cinco títulos diziam, a plenos pulmões, a que veio o pequeno selo: Inútil Paisagem, do pianista e arranjador Eumir Deodato; Novas Estruturas, o primeiro álbum solo do pianista e líder do Bossa Três, Luis Carlos Vinhas; Deus e o Diabo na Terra do Sol, trilha sonora original do filme de Glauber Rocha, assinada por Sérgio Ricardo; o álbum de estréia do grupo vocal baiano Quarteto em Cy; e Esse Mundo É Meu, trilha do longa dirigido pelo compositor Sérgio Ricardo, assinada por ele e arranjada pelo maestro Lindolfo Gaya. Estabelecendo um primor estético presente em todos os títulos, além das experimentações sonoras, os álbuns traziam capas duplas, pinturas e ilustrações de forte acento modernista.

Em fevereiro de 1965, o jornal Folha de S. Paulo mensurou a importância da novidade: “Uma nova gravadora surgiu no Brasil, com o objetivo de acelerar o avanço técnico que a música brasileira vem registrando nos últimos tempos. Seu nome é Forma, sua sede é o Rio de Janeiro e seu proprietário, Roberto Quartin. Para atuar dentro do programa mencionado, a etiqueta procurou constituir um elenco de ases, tanto assim que adotou o slogan: ‘Os expoentes da música brasileira estão em Forma!’. Assim, os primeiros lançamentos da Forma são discos que salientam os já bem conhecidos Eumir Deodato e Luis Carlos Vinhas, mas focalizam também uma excelente novidade: o Quarteto em Cy.”

Até 1969, quando Quartin vendeu os direitos de suas obras à Polygram, a Forma lançou mais de 20 álbuns. Na sequência, o produtor lançou novo selo, com seu sobrenome, Quartin, no qual foram lançados também importantes títulos, como Victor Assis Brasil Toca Antonio Carlos Jobim (1970), o cultuado Obnoxious, de José Mauro e Ana Maria Bahiana (1970), e Vocês Querem Mate? (1970), do compositor Piri Reis.

Na virada dos anos 1960 para os 70, Quartin tornou-se grande amigo de Frank Sinatra. Pesquisador incansável da obra do “Ol’ Blue Eyes”, o brasileiro assinou a produção de discos lançados pela Warner no Brasil, como Sinatra & Friends.

Quartin participou também das gravações do antológico álbum que reúne Sinatra e Tom Jobim, Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim. Tempos depois o amigo Frank daria carta branca para Quartin esmiuçar os arquivos da Capitol e da Reprise, duas das gravadoras que representaram o crooner americano, em busca de registros inéditos. Em 1980, reunida na caixa Lonely at The Top, uma seleção de preciosidades encontradas por Quartin, autorizada por Sinatra, foi lançada no Brasil durante a passagem do ídolo para um show histórico no Maracanã.

Em 1996, uma compilação, com três CDs de gravações históricas da Forma, foi lançada com o nome Forma – A Grande Música Brasileira. Oito anos mais tarde, vitimado por uma parada cardíaca fulminante, Roberto Quartin saiu de cena deixando um enorme legado para nossa música, mas sem ter a felicidade de ver realizado um antigo desejo seu: o relançamento de todos os títulos da Forma, para torná-los acessíveis a ouvintes das novas gerações. Como prova de sua generosidade, todo o material inédito que Quartin possuía de Frank Sinatra foi doado aos herdeiros do cantor para ser entregue ao acervo do Museu Sinatra, nos Estados Unidos.

DISCOGRAFIA DA FORMA

Inútil Paisagem – Eumir Deodato (1964) 
Novas Estruturas – Luis Carlos Vinhas (1964) 
Deus e o Diabo na Terra do Sol – Sérgio Ricardo (1964) 
Quarteto em Cy – Quarteto em Cy (1964)
Esse Mundo É Meu – Sérgio Ricardo e Lindolfo Gaya (1964)
Bossa Três em Forma! – Bossa Três (1965)
Chico Fim-de-Noite Apresenta Chico Feitosa – Chico Feitosa (1965)
Coisas – Moacir Santos (1965)
Ana Margarida – Ana Margarida (1965)
Som Definitivo – Quarteto em Cy e Tamba Trio (1966)
Forma ’65 – Diversos (1966)
Liberdade Liberdade, de Flávio Rangel e Millôr Fernandes – Nara Leão (1966)
Dulce – Dulce Nunes (1966)
Os Afro-Sambas de Baden e Vinicius – Baden Powell e Quarteto em Cy (1966)
Desenhos – Victor Assis Brasil (1966)
Tempo Feliz – Baden Powell e Maurício Einhorn (1966)
Quinteto Villa-Lobos – Quinteto Villa-Lobos (1966)
A Viagem – Mitchell e Ruff (1966)
Rosinha de Valença Ao Vivo – Rosinha de Valença (1966)
Forma 66 – Diversos (1966)
Vinicius: Poesia e Canção Vol. I – Vinicius de Moraes (1966)
Vinicius: Poesia e Canção Vol. II – Vinicius de Moraes (1966)
O Violão É… Tapajós – Sebastião Tapajós (1968)
Musicanossa – Diversos (1968)
O Conjunto de Roberto Menescal – Roberto Menescal (1968)
Samba do Escritor – Dulce Nunes (1968)
Brasil Ano 2000 – Trilha Sonora do Filme, Rogério Duprat (1968) 
O Avarento, de Molière – Procópio Ferreira (1969)
Sebastião Tapajós e Sua Guitarra Cósmica – Sebastião Tapajós (1969)
Big Parada – Orquestra Tropical (1969)
Terço – O Terço (1970)
Agora – Ivan Lins (1970)
Som Livre Exportação – Diversos (1970)
Deixa o Trem Seguir – Ivan Lins (1971)
Som Livre Exportação Nº 2 – Diversos (1971)
Muita Zorra! …São Coisas que Glorificam a Sensibilidade Atual – Trio Mocotó (1971)


OUÇA MÚSICAS LANÇADAS PELO SELO FORMA

Quarteto em Cy e Tamba Trio – Zambi (Som Definitivo – Quarteto em Cy e Tamba Trio, 1966)

Bossa Três – Imprevisto (Bossa Três em Forma, 1965) 


 

Vinicius de Moraes e Baden Powell -Tempo de Amor (Os Afro-Sambas de Baden e Vinicius, 1963)   


 

Baden Powell e Maurício Einhorn – Consolação (Tempo Feliz, 1966)

 

Mitchell & Ruff – Tanto Canto (A Viagem, 1966) 


 

Trio Mocotó – Xamego de Iná (Muita Zorra! …São Coisas que Glorificam a Sensibilidade Atual, 1971) 


 

Eumir Deodato – Só Tinha de Ser com Você (Inútil Paisagem, as maiores composições de Antônio Carlos Jobim, 1964) 


 

Luiz Carlos Vinhas – Batucada Surgiu (Novas Estruturas, 1964) 


 

Rosinha de Valença – Água de Beber (Rosinha de Valença Ao Vivo, 1966) 


 

Vitor Assis Brasil – Minha Saudade (Desenhos, 1966) 


 


Comentários

Uma resposta para “Forma e conteúdo”

  1. Avatar de Arnaldo Santiago
    Arnaldo Santiago

    Excelente lembrança, é muito importante que existam pessoas preocupadas em resgatar ou registrar para as novas gerações histórias de um passado glorioso já esquecido. Parabéns a Marcelo Pinheiro.

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