“Formar leitor, só no livro de papel”

A 21ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que acontece até dia 22 na cidade, realizou, antes da abertura do evento, no dia 12, um ciclo de palestras para discutir o livro digital e seu impacto no mercado editorial. A Câmara Brasileira do Livro (CBL) organizou o debate, por meio de sua presidente, Rosely Boschini. Em seu segundo mandado como presidente da CBL, Rosely, que foi primeira mulher a assumir o posto, vem acompanhado de perto a discussão, por saber que é de suma importância para todos os envolvidos com o mercado do livro. Toda a cadeia de produção passará por mudanças drásticas com o advento do livro digital. Rosely já intuiu a tendência desde que organizou o 1º Congresso Internacional do Livro, em março de 2009. [nggallery id=14208] MAIS ESPECIAL LIVRO:
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Livro, um produto diverso“Na Europa e nos Estados Unidos, a transição (do livro de papel para o livro digital) está em uma etapa bastante avançada. Nos EUA, no próximo ano, os lançamentos de livros eletrônicos devem superar os lançamentos de livros em papel, o chamado livro físico. Os livreiros (brasileiros) ficaram assustadíssimos com esse cenário. Eles acreditam que a coisa apenas estava começando”, analisou Rosely, em entrevista exclusiva para o site da Brasileiros, no estande da CBL dentro da Bienal. Apesar de acreditar que o livro digital será muito importante para continuidade dos negócios no mercado editorial, ela ainda acredita que o livro de papel não deixará de ser lido e produzido no futuro. E vai mais além, ao afirmar que só o livro de papel é capaz de formar novos leitores. “Por acreditar nisso, ainda insisto no livro de papel”. Mas não deixa de ser pragmática ao completar o pensamento: “Mas sem abrir mão do livro digital”.Leia abaixo os principais trechos da entrevista de Rosely Boschini.Brasileiros – Como a Câmara Brasileira do Livro (CBL) vem acompanhando a entrada e o crescimento do livro eletrônico no mercado editorial brasileiro?Rosely Boschini – Em março do ano passado, a gente (CBL) fez uma parceria com a Feira de Frankfurt (considerada a maior feira de livros do mundo, realizada anualmente na cidade alemã) e a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo para a realização do 1º Congresso Internacional do Livro. Vieram vários especialistas do livro digital, tanto dos Estados Unidos quanto da Europa, e também do Brasil. Nós fizemos esse evento sem muita expectativa de público. Mas tivemos uma adesão maravilhosa. Agora, dentro da Bienal Internacional do Livro de São Paulo, realizamos o Fórum Internacional do Livro e trouxemos três especialistas do livro digital, que foram Mike Shatzkin, Jean Paulo Jacob e John Thompson (os temas debatidos pelos palestrantes foram O Futuro do Livro Impresso num mundo digital; Os livros na era digital e O Futuro já não é mais o que era). O que aconteceu durante esse evento? Estimamos um público baixo e vieram em torno de 500 pessoas. Percebemos que os livreiros participantes das palestras ficaram assustados com o cenário descrito pelos palestrantes. Eles pensavam que a presença do livro digital no mercado editorial no mundo ainda era pouco significativa.Brasileiros – Qual foi o cenário apresentado pelos três palestrantes?R.B. – Na Europa e nos Estados Unidos, a transição está em uma etapa bastante avançada. Nos EUA, no próximo ano, os lançamentos de livros eletrônicos devem superar os lançamentos de livros em papel, o chamado livro físico. Os livreiros (brasileiros) ficaram assustadíssimos com esse cenário. Eles acreditam que a coisa estava apenas começando.Brasileiros – A Câmara Brasileira do Livro, quando realizou o 1º Congresso Internacional do Livro, já estava atenta a essas mudanças no mercado editorial de fora?R.B. – Nesse congresso, estávamos buscando conhecer e entender todas as mudanças que estavam acontecendo lá fora. Queríamos, com isso, o máximo de informações para passar aos profissionais que trabalham com o mercado do livro no Brasil. Com base nessas informações, os editores, por exemplo, tiveram um norte para se adaptarem à nova realidade, que vem chegando a galope. Quando a gente fala de acesso ao livro, o livro digital é mais uma possibilidade desse acesso.Brasileiros – Muitos defensores do livro digital dizem que a geração atual já nasceu conectada à internet. Basta ver o apego que esses jovens têm com as redes sociais; como Orkut, Twitter, Facebook. Essa geração vai migrar facilmente para o livro digital?R.B. – Concorda comigo, que essa geração está com hard diferente do nosso? O apego pelo papel é muito menor que a geração passada. Essa geração está conectada de forma diferente. Eles têm valores diferentes do nosso. Temos de aceitar isso.Brasileiros – Um elemento que ainda não está bem equacionado em relação ao mundo do livro digital é a questão do armazenamento desses livros e do acesso a eles…R.B. – Tem também o seguinte: o livro digital não é barato ainda. Tem a questão da tecnologia. Depois, tem de ter a plataforma. A plataforma garantiria segurança do arquivo? No primeiro momento, essa tecnologia não barateia o acesso ao livro. Há ainda muitos investimentos a serem realizados. Existem dois tipos de livro digital: o PDF, que é fotografia, e acabou. E tem o verdadeiro livro digital, que usa todos os recursos possíveis.Brasileiros – Você acredita que o livro em papel vai acabar de ser produzido no futuro?R.B. – O livro em papel nunca vai acabar. Vai conviver muito tempo com o livro digital. Eu não gosto de ler um texto longo em uma tela de computador. Não consigo ler textos longos em uma máquina eletrônica. No congresso, de que falei anteriormente, nós fizemos uma pesquisa do perfil de comportamento do leitor digital. As pessoas responderam que nunca iriam usar um aparelho eletrônico pare ler um livro. Mas essas mesmas pessoas, ao ter contato com um aparelho de leitura de livro, ficaram encantadas. Falaram: “Isso aqui é bárbaro. Tem muitas vantagens”. Elas passaram a achar que valeria a pena ter acesso a essa tecnologia, portanto, a esses tipos de aparelhos.Brasileiros – Toda tecnologia nova, que traz mudanças na maneira como consumimos um produto, gera muito medo e repulsa no primeiro momento. Mas depois nos acostumamos com essa nova maneira de lidar com o produto. Podemos citar o MP3, que demorou um tempo para ser aceito como uma nova maneira de consumirmos música. Hoje, a maioria consome música pelos iPod’s…R.B. – O foco principal é o seguinte: tem de conhecer. Você não pode combater nada se você não conhece. Então, tem de conhecer, aceitar ou não aceitar. A segunda questão é a seguinte: essa nova tecnologia é uma oportunidade de consumir o produto de forma diferente. Livro de papel a gente sabe fazer muito bem. O Brasil é exemplar na produção de livros em papel. Na última pesquisa que encomendamos à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), da USP, nós saímos de uma produção de novos títulos, de 19 mil em 2008 para 22 mil no ano passado. Conclusão: teremos de aprender a fazer livros eletrônicos de forma também eficiente.Brasileiros – Aproveitando que você falou a respeito dessa pesquisa da FIPE, encomenda pela CBL, saiu o índice de livro lido por habitante/ano, que foi de 4,7, de livros por cada um de nós, brasileiros. Como esse índice pulou de 1,7 para 4,7 nos últimos anos? Nosso índice sempre foi um dos piores no mundo.R.B. – Essa pesquisa, chamada Retratos da Leitura, nós vamos refazer agora, depois da Bienal. Mas, voltando a sua dúvida, por que aumentou… A gente tinha de seguir o padrão internacional, que contempla a criança. Por contemplar as crianças, entrou o livro didático.Brasileiros – Recentemente, você disse em uma entrevista que nós somos alfabetizados no livro de papel. Por isso, acredita que ainda é a melhor maneira de formar novos leitores?R.B. – Eu, por acreditar nisso, ainda insisto no livro de papel. Mas, sem abrir mão do livro digital. Para citar um exemplo do bom uso do livro digital: será que essas engenhocas não vão ajudar os estudantes de Direito a carregar seus livros? Claro que sim! É um absurdo a quantidade de livros que um estudante de Direito tem de ficar carregando, sem falar no peso dos livros. Os livros digitais vão facilitar enormemente o manuseio dos livros de referências, como os livros de direito e os dicionários. Os dicionários passaram a ser mais lidos, pela facilidade do acesso a eles. Agora, formar novos leitores, só no papel.


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