FOZ DO IGUAÇU (PR) – Final de tarde de quinta-feira. Cheguei agora ao hotel, depois de passar o dia todo viajando pelo lado brasileiro da Tríplice Fronteira com Argentina e Paraguai, às margens do marzão de Itaipu. No rádio do carro, o locutor da Rádio Mundial, que transmite em portunhol e mistura música sertaneja, com guarânias e vanerões, informa que os termometros marcam 39 graus.
Parece muito mais. Há tempos não sentia tanto calor em nenhum lugar do Brasil. Apesar de cercado de água e matas por todos os lados, com as Cataratas do Iguaçu no meio, não bate uma brisa, as árvores parecem estátuas. Por uma dessas ironias do destino, vim parar aqui exatamente para acompanhar o 6º Encontro Cultivando Água Boa, uma pajelança que reúne 4.300 participantes em torno das discussões sobre as práticas ambientais que podem impedir o tal aquecimento do planeta.
Vocês podem imaginar o que é esta multidão reunida no auditório fechado de um hotel na entrada da cidade, com faixas e bandeiras, dançando e cantando na festa de abertura do evento promovido pela Itaipu Binacional e por outras 30 empresas e instituições. Veio gente de todo canto, em sua maioria agricultores, pescadores e índios dos 29 municípios da região beneficiados pelo Programa Cultivando Água Boa, mas também especialistas e pesquisadores de outras partes do país e do exterior.
Logo cedo saí a campo para fazer uma reportagem para a revista Brasileiros de dezembro sobre como anda a vida das pessoas que vivem às margens do marzão represado do rio Paraná, e ver o que mudou com a criação de 70 microbacias e o reflorestamento das nascentes dos rios e das sangas, como por aqui chamam os corregos, que desaguam no reservatório.
Tive a sorte de ser acompanhado por um guia que conhece a história toda desde o começo da obra. O técnico gaúcho Romualdo Barth, 54 anos, começou em Itaipu como segurança e passou pelas mais diferentes funções até se tornar um dos nove gestores de microbacias do Programa Cultivando Água Boa, criado em 2003.
Barth conhece a vida de cada um dos 508 proprietários da área de Itaipulândia, um bem cuidado, calmo e limpo município de oito mil habitantes, que não existia quando a hidrelétrica começou a ser construída. Levou-me à casa de dois deles, o Arruda e o Silvestre, dois personagens fantásticos que deixam qualquer um feliz ao ouvir as suas histórias.
São pessoas que passaram por muitas dificuldades na vida, mas aproveitaram a oportunidade que apareceu quando começaram a receber assistência técnica para implantar a agricultura orgânica, caso de Arruda, ou de se tornar pioneiros na criação da microbacia da sanga do Buriti, como aconteceu com Silvestre, que cedeu parte da sua terra para a criação de uma mata ciliar e da abertura de uma estrada para evitar a erosão, antiga praga por estas bandas que até recentemente ameaçava assorear o reservatório.
“Eu perdi uma parte da propriedade, ou melhor, ganhei, porque amanhã, de repente, tem alguém que vai me agradecer. Nunca vou morrer de fome e agora vivo melhor. Até os passarinhos e os peixes voltaram”, contou-me Wilson Francisco Silvestre, 54 anos, três filhos e dois netos, que ainda mora numa daquelas antigas casas de madeira do interior paraneanse, mas tem dois aviários com mais de 30 mil frangos, plantações de fumo, soja e milho, um carro e uma moto na garagem, e vê os netos quase todo dia pela webcam da internet.
Os sinos da catedral anunciam que é a hora da Ave Maria e me lembram que daqui a pouco vai sair o passeio de catamarã no grande lago de Itaipu, que eu vi ser formado em apenas duas semanas de 1982, quando vim fazer uma reportagem para o Estadão. Nada melhor para encarar a noite também quente nestes fundões do oeste brasileiro.
Stress? Mau humor? Desânimo? Recomendo aos leitores dar uma chegada por aqui qualquer dia desses para conhecer outras paisagens e brasileiros do tipo de Arruda e Silvestre, e descobrir como a gente perde tempo com tanta bobagem, sem desconfiar que outra vida é possível.
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