O Brasil começa (ou termina, para quem assim preferir) nos manguezais que bordejam a costa do Amapá na desembocadura do rio Oiapoque – o limite norte de nosso país. A partir daí, esse ecossistema de frágil equilíbrio surge em extensas faixas pelas costas norte e nordeste e depois vai aparecendo pontualmente pelos estados do Sudeste, até que o clima frio barre seu desenvolvimento mais ao sul, a partir de Laguna, em Santa Catarina.
Segundo a pesquisadora Yara Schaeffer Novelli, do Laboratório de Bioecologia de Manguezais (Bioma) do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, “é difícil quantificar a real extensão dos manguezais do País, devido às reentrâncias e recortes do litoral, mas estima-se que ocupem algo entre 10 mil e 25 mil quilômetros quadrados”.
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Zonas críticas de transição entre os ambientes terrestre e marinho, os manguezais são muito mais que simples mangues – as árvores características que assomam na paisagem, com suas raízes aéreas, adaptadas às amplas marés, à água salobra e ao solo lodoso. No meio típico de baías e estuários – onde os rios deságuam no mar, mesclando água doce e salgada -, eles representam um dos ambientes mais produtivos e férteis do mundo.
Vitais para o suporte da vida marinha, constituem-se em verdadeiros berçários de inúmeras espécies de peixes (linguado, tainha, robalo), crustáceos (camarão, caranguejo), moluscos (sururu, marisco, ostra), aves nativas (guará, garça, martim-pescador) e até mamíferos (como o peixe-boi marinho). Além disso, são pontos de parada e comedouro de dezenas de espécies de aves migratórias, especialmente os maçaricos, que fogem do inverno do Canadá e Estados Unidos e buscam o calor do verão no sul do planeta. Agressões a esse ecossistema têm como resultado a redução do número de aves retornando ao hemisfério Norte – uma realidade que vem sendo comprovada por pesquisadores e observadores de aves.
Riqueza natural em risco
A importância dos manguezais não se limita à sustentação da vida animal. Dentre outras funções, eles atuam como filtro biológico, retendo partículas e impurezas em suspensão na água. Agem ainda como protetores da linha costeira, evitando erosão e assoreamento (acúmulo de sedimentos) no fundo dos rios próximos à costa, e como área de abrigo e alimentação para a fauna. Atualmente, diversas leis ambientais, tanto federais como estaduais, visam proteger esse ecossistema.
No entanto, a localização privilegiada dos manguezais na linha costeira é também uma das preferidas para o estabelecimento de populações humanas. Tradicionalmente, essas áreas foram ocupadas por povoações ribeirinhas e caiçaras, que sempre mantiveram uma vinculação equilibrada com o manguezal – para pesca, coleta de caranguejos e cultivo de ostras.
Até os anos 1970, era comum associar os manguezais a pobreza, doença, mau cheiro, insetos. Assim, ao longo do tempo, extensos manguezais foram devastados e soterrados com lixões ou com cortes e aterros para a abertura de estradas ao longo da orla, para a instalação de marinas e para a construção de hotéis, condomínios e conjuntos habitacionais.
Triste exemplo é a Baía de Guanabara, antigamente protegida por manguezais em grande parte da orla. Mas quase todas as áreas de mangue foram sendo aterradas e saneadas para a construção de casas e estradas, como a Avenida Brasil e a Rodovia Niterói-Manilha. Hoje, o pouco que resta é alvo de cuidados da Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapimirim, e as áreas degradadas são objeto de reflorestamento. Ainda assim, os manguezais remanescentes sofrem com as atividades portuárias, com a poluição urbana e com os resíduos industriais gerados pela Refinaria Duque de Caxias – o pior acidente aconteceu em janeiro de 2000: o rompimento de um oleoduto derramou cerca de 1 milhão de litros de óleo na baía.
Camarão, um perigo
Segundo Yara Novelli, muitos manguezais encontram-se quase completamente comprometidos – pela poluição e esgotos urbanos, pela poluição industrial e pelos pólos petroquímicos e cloroquímicos em suas proximidades -, mas existem outros que ainda podem ser recuperados, felizmente com extensas áreas em bom estado de conservação (confira no mapa ao lado alguns exemplos).
“Atualmente, a maior ameaça aos manguezais em bom estado é a carcinicultura – a criação de camarões, uma atividade econômica realizada por grandes empresários e multinacionais”, adverte a pesquisadora. Yara Novelli explica que, além de comprometer o ecossistema com poluição química causada pelo metabissulfito usado para a conservação de camarões despescados, a atividade altera o sistema de vida local, com cercas eletrificadas em torno dos empreendimentos, impedindo o acesso da população caiçara a áreas tradicionais de pesca.
(*) colaborou Paula Alcântara
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