Frei Betto lança novo livro, o 55º

Corre a lenda nos corredores do Convento dos Dominicanos, no bairro das Perdizes, de que um dos seus frades é tão exigente em termos de literatura que, quando quer ler livro bom, escreve logo mais um.

Foi o que fez novamente Frei Betto. Na semana passada, ele lançou durante o Fórum Social Mundial, em Belém, o livro “O amor fecundo e o Universo – Ecologia e espiritualidade” (Agir), escrito em parceria com o teólogo Marcelo Barros.

É seu 55º livro, em 64 anos de vida – o que dá mais de um por ano de vida adulta. O monge beneditino Marcelo Barros, assessor da Pastoral da Terra da CNBB, não fica muito atrás: este é seu 33º livro. Quer dizer, os dois já escreveram um total de 88 livros, acho que mais do que eu já consegui ler na vida

Como se vê, este pessoal da Igreja gosta de escrever – e tem tempo para isso. Sorte nossa porque “O amor fecunda o Universo” trata de um assunto que interessa e preocupa a todos: a relação do ser humano com a natureza.

Eles sustentam que a espiritualidade é importante motor de transformação para a defesa do planeta, com o diálogo entre os povos, religiões e culturas.

O livro é dividido em três blocos. No primeiro, o frade e o monge mostram a tragédia ecológica, os problemas que afligem hoje o meio ambiente. Em seguida, analisam a relação do ser humano com a nagtureza a partir de textos sagrados. Na parte final, propõem uma nova ecologia como meio de salvar a humanidade e o planeta da destruição ambiental.

Como não tenho tempo para ler todos os livros de amigos para fazer uma boa resenha, pedi ao próprio Frei Betto que me indicasse o principal trecho desta nova obra e ele foi direto na página 193.

Na abertura do capítulo 7, “Novos paradigmas – ciência e espiritualidade”, lê-se:

Pobre Newton! Deitou-se sob a macieira e acreditou que a maçã que lhe caiu na moleira era a mesma que, saboreada indevidamente por Adão e Eva, abriu-lhe os olhos. Ao ser despertado de sua sesta, Sir Isaac viu o Universo pela ótica objetiva do jardineiro que não percebe ser, ele também, natureza. O Universo newtoniano tinha a precisão de um relógio, regido pelo rigor geométrico da lei da gravidade. Newton não teve olhos para apreciar a estética da Criação: a curvatura do espaço. Ou, como dizem os anjos, o escorregador de Deus.

A ciência é o reino da Incerteza comandado pela rainha Dúvida, mas no qual a princesa Razão julga-se mais poderosa que a princesa Inteligência. Ocorre que esta é capaz de duvidar das mais solenes assertivas daquela. Por isso, fez a física trocar o balé clássico pela escola de samba ritmada por uma envolvente batucada quântica. Foi então que o jardineiro, ao mirar seus pés entre as flores do jardim, enxergou não as suas botas, e sim raízes entranhadas na terra. Seus olhos dilataram-se e sua mente compreendeu que o nosso corpo e o nosso cérebro se compõem das mesmas partículas que tecem o brilho das galáxias que ardem majestosas nas profundezas siderais.

Agora sabemos que tudo é Um. Tudo que existe preexiste, subsiste, coexiste. Além do Muro de Berlim, desabaram também as barreiras entre os seres humanos e o Universo. Pena que nossos olhos ainda não estão curados da miopia cartesiana. Vemos cada pétala, e não a roseira; identificamos as árvores, não a floresta.

A fé e a poesia extrapolam os conceitos. Não há equação integral capaz de obrigar Deus a sujeitar-se à nossa lógica analítica. Libertos do mecanismo e do determinismo, agora podemos contemplar a natureza com um pouco mais de sabedoria. E, ao fazê-lo, nos reconhecemos como quem se olha no espelho. Somos a natureza dotada de consciência aberta à transcendência. Como afirma o apóstolo Paulo, “nele vivemos, nos movemos e existimos” (Atos, 17,28).

Não concerne à ciência pedir a Deus documentos de identidade. Deus nem atestado de batismo possui, pois não tem religião. Os tais “princípios matemáticos da filosofia natural” de Newton identificaram apenas uma caricatura divina: o deus-tapa-buracos. Ora, Deus tem mais o que fazer do que suprir as carências de nossa razão. Cuide a própria ciência de tapar os buracos da estrada em que trafega. São ídolos de pés de barro os deuses das convicções científicas. E suspeita é a fé que busca apoiar-se em dados da ciência.


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