Futebol é com os romenos

Harry, o zelador do prédio onde moro, parece que é pago para assistir futebol. Se o elevador quebra, a neve forma icebergs na porta da garagem ou dá a louca no aquecimento central, os moradores têm de esperar o apito final de algum juiz. Não importa que a partida do momento seja um amistoso entre dois times do Timor Leste. O homem faz acompanhamento ludopédico sistemático e globalizado.

Perguntem-lhe sobre um zagueiro do Azerbaijão e o torcedor onipresente saberá que o sujeito está com um problema sério na panturrilha. Que diabos! O cara conhece boleiros do Brasil de quem eu nunca ouvi falar. Por isso, seu mocó – um estúdio no térreo, que virou oficina – é o teatro perfeito para se assistir uma Copa do Mundo.

A organização é impecável. Vários televisores – todos de alta definição e com telões do tamanho de uma vitrine de shopping – estão espalhados pelo recinto. São aparelhos herdados de moradores que jogaram no lixo itens em perfeito estado, na corrida para fazer upgrade dos modelos durante a época de crédito fácil. Tem-se também sofás confortáveis como os de casa de mãe. Uma escrava baixinha e gorda, cujo título oficial é o de “esposa do Harry”, traz no intervalo acepipes e refrescos. Durante o jogo, nada de comida: só cervejas geladinhas acomodadas em refrigeradores de segunda mão, mas turbinados para gelar até o rabo do capeta.

Ala reunidos estão os suspeitos de sempre: a tribo de ciganos romenos liderados por Harry, o poderoso chefão de Bucareste. Dois peruanos e um equatoriano que cuidam do lixo no prédio vizinho. Seis mexicanos responsáveis pela jardinagem de toda a rua. Uns 10 paquistaneses que fazem reparos na parte estrutural do edifício (e digo “uns 10”, porque acho que um deles é, na verdade, de Bangladesh). Completando a galera tem um italiano, um argentino e eu.

Esta confraria internacional – que espelha a babel de Times Square – vem se reunindo diariamente, no Bronx, durante às manhãs e inícios de tardes para assistir a Copa da África. Todos se julgam PhDs em futebol. Mas nem sempre concordam entre si. Por exemplo: o italiano e o argentino secam o Brasil. Às vezes são reforçados por dois mexicanos, que agora – depois da derrota de seu país para o time de Maradona – viraram a casaca e estão com os Canarinhos. Metade dos paquistaneses torcia para a Inglaterra, até a eliminação desta seleção. Agora dizem que são holandeses desde criancinhas. O resto do grupo segue o poderoso padrino Harry, que é apaixonado pelo Brasil. Seu fanatismo vai a tal paroxismo, que durante a Copa de 2002 ele estava de férias em Bucareste e assombrou seus patrícios ao envergar um boné amarelo da CBF, gritando a todo pulmão incentivos àqueles que chegaram ao pentacampeonato.

Depois do jogo Brasil 3 X 0 Chile, a comemoração foi tal, que por pouco não tiraram do baú os violinos, sanfonas e pandeiros para uma legítima festança cigana. De minha parte, agarrei o pandeiro e cantei um samba. Até o argentino fez coro no estribilho de Barracão de Zinco. O italiano alertou que a Holanda seria osso duro de doer. Ninguém lhe deu ouvidos no meio da fuzarca. Afinal, todos sabemos que, em futebol, o que vale é o resultado mais recente.


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