Futebol, ópera e um cartão clonado

Tony Wheeler é O cara. Com O maiúsculo mesmo. Por quê? Simplesmente porque ele trabalha com o que gosta. E do que ele gosta, pode-se dizer, a grande maioria da população terráquea também gosta: viajar. Tony é uma das metades criadoras dos guias Lonely Planet, considerados os melhores companheiros de viagem do mundo por conta das informações precisas, mapas e dicas que soam como se tivessem sido fornecidas por alguém local. São genuínos sistemas de posicionamento global (GPSs), que orientam até o mais desnorteado viajante.

Não à toa, Tony é tido como o guru dos mochileiros. Mas é preciso dar o devido crédito ao outro hemisfério do Lonely Planet: Maureen Wheeler, sua esposa e companheira de viagens há 35 anos. A idéia de produzir essas “bíblias” capazes de guiar qualquer fariseu no deserto surgiu depois de uma viagem feita pelo casal em 1972. Os dois partiram de carro da Inglaterra (ele é inglês e ela, da Irlanda do Norte), atravessaram a Ásia e chegaram à Austrália, onde viajaram um pouco mais. Isso tudo em um ano e com 400 libras no bolso (o equivalente hoje a R$ 1.600).
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Depois da empreitada, o “vírus” causador da irremediável vontade de viajar nunca mais saiu de seus corpos. Um ano de viagem “ao redor do mundo” virou três anos de viagem “ao redor do mundo” e o restante… Bem, o restante virou história, e os “livrinhos” com as palavras “Lonely Planet” estampadas na capa se converteram na maior editora independente de guias de viagem do globo. Hoje, eles somam mais de 600 títulos, que cobrem desde destinos básicos, como Europa e Estados Unidos, até lugares menos comuns, como Mongólia, Bangladesh e Eritréia. E deixaram de servir exclusivamente aos mochileiros durangos. A empresa se diversificou e passou a produzir títulos como “Mergulhando nas Maldivas”, “A comida francesa” e “Safáris fotográficos na África”. Até a influente e conservadora The Economist compra e publica as fotos produzidas pelos profissionais da Lonely Planet.

O primeiro guia – “Across Asia on the Cheap”, feito artesanalmente e lançado em 1973 – vendeu 8.500 cópias. Desde então, cerca de 80 milhões de exemplares (somando todos os títulos) já fizeram parte da bagagem de viajantes de todos os cantos do planeta. Mais: são produzidos em sete idiomas (inglês, francês, italiano, espanhol, chinês, coreano e japonês) e comercializados em 118 países por um preço médio de US$ 20 (cerca de R$ 40).

Tony, que tem passaportes britânico e australiano – ele e Maureen moram em Melbourne -, já ticou mais de 130 países em seu mapa particular e, aos 59 anos, continua viajando ao menos seis meses por ano. No Brasil, ele esteve uma vez – há uma década. Visitou apenas o Rio de Janeiro, por cinco dias, e fez o roteiro “tradicional”: Ipanema, Corcovado e Pão de Açúcar. Não foi assaltado, mas…

Um bando de entusiasmados
Descubra como foi a estada do casal globetrotter pelas plagas cariocas (e as impressões sobre nosso povo) neste texto que mister Wheeler e senhora escreveram com exclusividade para esta edição de Brasileiros:

“O nosso guia Brasil está na sexta edição e é um dos mais populares da América Latina. Portanto, é embaraçoso dizer que eu e Maureen tenhamos passado tão pouco tempo por aí, mas há muitos outros lugares no mundo dos quais podemos dizer o mesmo. Apesar de nós dois já termos estado em mais de cem países e de esta lista não parar de crescer – só este ano foram três na África Ocidental: Mauritânia, Senegal e Gâmbia -, sempre nos parece muito maior o número de países que ainda não visitamos. Ou mesmo de lugares como o Brasil, onde já estivemos, mas que precisamos visitar de novo e com mais tempo, para conhecê-los melhor.

Nossa primeira viagem ao Brasil foi há uns dez anos e nós só estivemos no Rio de Janeiro. Pode-se dizer que isso é um ótimo começo, mas não o suficiente para afirmar que se conhece o país. É claro que cumprimos a rotina turística usual – as praias de Copacabana, Ipanema e Leblon, o Jardim Botânico, o bondinho do Pão de Açúcar e o trem do Cristo Redentor. Infelizmente, também experimentamos um aspecto menos desejável do turismo no Rio. Não, não fomos assaltados, nem nos bateram a carteira, mas nosso cartão de crédito foi clonado e, mesmo depois de irmos embora, ele continuou sua viagem pelo Brasil por conta própria. E podemos dizer que se a nós nos falta muito para conhecer o Brasil, o mesmo, com certeza, não aconteceu com nosso cartão de crédito.

Maureen: Eu voltei ao Brasil uns dois anos atrás para ir ao Festival de Ópera de Manaus. Sou uma dessas fanáticas por ópera que adoram ir às performances do Anel dos Nibelungos, de Wagner, pelo mundo afora. Já havia assistido em Nova York, Copenhague e Beijing e, quando soube da apresentação em Manaus, não pude deixar de ir. Eu amei o Teatro Amazonas e especialmente a rua em frente, com seu pavimento de borracha. Fiquei encantada com o Mercado Municipal Adolfo Lisboa, uma cópia do Les Halles, em Paris, perto de onde eu, Tony e as crianças morávamos nos anos 1990. Também tive a oportunidade, junto com outros fãs de ópera, de sobrevoar a selva em volta de Manaus e ver que, apesar de tudo, ainda existe bastante verde. Mas, em Manaus, o importante naquele momento era a ópera e eu amei a maneira como os brasileiros a encaravam. Ou seja, com o mesmo entusiasmo que dedicam a tudo o mais na vida.

Tony: Entusiasmo é a palavra que mais associamos ao Brasil. Apesar de ter passado só muito rapidamente por São Paulo, quando estava a caminho do Sul, onde fui pegar um navio para a Antártida, isso não quer dizer que não encontremos brasileiros pelo mundo. Todos sabemos que em qualquer grande evento esportivo, em qualquer lugar do mundo, é imensa a probabilidade de encontrar um bando de entusiasmados brasileiros. Eles se materializam como sapos depois da chuva no deserto australiano. É claro que isso acontece muito em jogos de futebol (uma vez eu estava assistindo a um jogo num telão nas ruas de Kowloon, em Hong Kong, durante a Copa do Mundo de 2002, e, de repente, me vi cercado por brasileiros agitando bandeiras), mas futebol é apenas uma das provas que, em se tratando de viagens e esportes, os brasileiros são os campeões do mundo.”


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