Gastronomia e boas histórias

De uma família de origem portuguesa, em que as virtudes gastronômicas valiam mais do que qualquer outra qualidade pessoal, Laura Góes sempre levou a sério o ato de cozinhar. Primeiramente para os seis filhos, para quem preparava pessoalmente a alimentação, na época em que moravam em Petrópolis, na tradicional casa da família Góes, construída em 1914. Depois, com os filhos já crescidos, cozinhava por puro prazer aos finais de semana. Mas foi em 1990, depois de mais de 40 anos dedicados à sua outra paixão, a educação – Laura foi uma das fundadoras do tradicional Colégio Palmares e proprietária do Colégio Gávea, ambos em São Paulo -, que pôde retornar às panelas, temperos e ingredientes em tempo integral. Ela e o marido, Mário, compraram a parte dos outros herdeiros na casa de Petrópolis e montaram a Pousada Alcobaça, onde ela pilota com maestria o restaurante. Sorte dos hóspedes, que podem deliciar-se com receitas integradas à história da família, como o queijadão e o biscoito de chocolate, quitutes que fizeram parte da infância de seus filhos. “Ela aperfeiçoou o repertório de referências familiares. No início até ficávamos com ciúmes dos hóspedes, mas conseguimos superar”, brinca a jornalista Marta Góes, a primogênita de Laura.

Essa volta ao passado, mais os pedidos dos filhos, amigos e clientes, foi o pontapé inicial para que Laura passasse para o papel suas receitas e, com elas, histórias curiosas sobre sua família e sobre Petrópolis, além de particularidades de seus fiéis fornecedores de feijão, queijos, leite, verduras e legumes.

“Ela sempre cozinhou e de tanto que pedíamos as receitas, já havia feito um caderninho bem artesanal para cada um dos filhos”, diz Marta. Após cinco anos de preparo minucioso, nos quais passou cultivando e anotando histórias de pessoas que a influenciaram na cozinha, e da evolução dos costumes e dos equipamentos culinários, Laura lança o livro A Cozinha de Alcobaça – Receitas e Histórias, pela editora Terceiro Nome. “Ela ensinou tanta gente que agora chegou a vez de escrever sua própria história”, diz Marta, coordenadora editorial do livro. As sugestões profissionais da filha jornalista só vieram quando o livro já estava 80% pronto. “Sugeri alguns ajustes, como um equilíbrio entre as receitas, e ela afinou o livro”, diz Marta.

Em mais de 170 páginas, o leitor pode se deliciar com um texto leve e divertido, conhecer as famosas receitas de Laura, todas com dicas e orientações precisas – e preciosas – de preparo. Um charme adicional do livro são as ilustrações de Jorge Videira, que remetem aos antigos livros de receitas, nada parecido com o que existe no mercado atual.

Entre as manias de Laura herdadas de sua família e descritas no livro está sua irritação com pessoas que vão ao seu restaurante de dieta. E sua relação com o leite e o cafezinho. Pérolas de quem ainda acredita que pessoas que economizam na manteiga são mesquinhas e que classifica como metida aquela que pica mamão com banana e diz que fez uma salada de fruta. “Minha mãe ainda conserva muito essa tradição familiar, onde tudo tem relação direta com a comida. Por isso, até hoje, quando ela vem a minha casa, corro antes ao supermercado, para que não falte nada. Assim evito queimar minha reputação. Mas não adianta, vez ou outra escuto algo como: ‘Ah, você não tem uma frigideira de ferro na sua cozinha?’”, diverte-se Marta.


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