Genet, 40 anos atrás

Genet, ainda jovem
Genet, ainda jovem

Caros, voltamos 40 anos atrás, ao Palácio dos Campos Elíseos, então sede do governo paulista, para onde rumaram Ruth Escobar e Jean Genet, com a arriscada missão de tentar localizar e liberar os filhos desaparecidos de Nilda Maria, atriz de O Balcão presa dias antes. O combinado entre os dois aventureiros era deixar Ruth Escobar falar, em bom e claro português, com o risco de ser ela mesma, personagem bastante exposta do teatro brasileiro, presa em seguida. Genet deveria falar o mínimo possível, se não ficar calado, coisa quase impossível para alguém como ele.

É oportuno dizer que o autor francês era pessoa praticamente blindada, protegido por sua estreita amizade com a alta intelectualidade francesa, gente como Jean Paul Sartre e Michel Foucault. Não poderia ser preso pelos perigosos agentes da ditadura brasileira sem que isso surtisse imediato e bombástico efeito perante a imprensa mundial, com terríveis efeitos para a imagem brasileira no exterior. Ele sabia disso, os  “subversivos” brasileiros sabiam disso, todos no teatro brasileiro sabiam disso, a primeira-dama e o governador ainda não sabiam. Genet era simpatizante de diversas causas politicamente corretas, como os direitos dos imigrantes ilegais na França, os palestinos no Oriente Médio, os Panteras Negras nos Estados Unidos, mas tinha seu primeiro contato com a ditadura brasileira naquele momento. Aqueles que combatiam o regime militar brasileiro nutriam grande expectativa de que ele abraçasse a causa, e atacasse os militares com manifestações públicas contundentes. Não era essa exatamente sua intenção.

Jean Genet e Foucault, em manifestação pública na França
Jean Genet e Foucault, em manifestação pública na França

Diante da primeira-dama, Genet não se conteve por mais de 10 minutos. Subitamente levantou-se, e a altos brados disse tudo o que pensava sobre a ditadura brasileira, exigiu imediatas providências para a localização e liberação das crianças, se não da própria mãe. Assustada, dona Maria do Carmo Sodré, talvez só naquele momento percebendo o que se passava, imediatamente telefonou para as autoridades com quem tinha contato, e iniciou a busca pelas crianças desaparecidas, conseguindo localizá-las pouco depois. Em alguns dias, as mesmas foram liberadas e entregues a avó, saindo do Brasil em seguida. Genet chegou a visitar a atriz, presa do presídio Tiradentes, com a justificativa de que seria um parente estrangeiro, mas deixou o Brasil poucos dias depois. Muito embora tivesse seu histórico de lutas em favor de outras causas políticas no exterior, Genet pouco conhecia sobre o Brasil, ele não enxergava a América Latina, nosso mundo lhe era estranho, pouco conhecido. Para cá ele nunca mais voltaria, e encerrou-se assim o capítulo da vinda ao Brasil de um dos maiores autores homossexuais de todo o século XX. Foi uma vinda para nós inesquecível, é narrada por quem o conheceu com admiração, risadas, e gratidão pelo que fez. Aconteceu há 40 anos. Merece, e talvez tenha, maior cobertura de nossa imprensa, mas  nesse blog encerra-se por aqui. Ele merecia. Nós, homossexuais brasileiros, merecíamos lembrar. Abraços do Cavalcanti.

(Fontes: Ruth Escobar, em Prefácio ao livro Diário de Um Ladrão , Editora Nova fronteira, Genet: uma Biografia, de Edmund White, Editora Record; My Lives  – an Autobiography, de Edmund  White, editora Harper Collins;  entrevistados diversos)


Comentários

Uma resposta para “Genet, 40 anos atrás”

  1. Avatar de Dorita Grinsburg
    Dorita Grinsburg

    A ele não tenho muito ânimo para assistir, mas ler a tí é sempre um previlègio.
    Abraços da eterna fã.
    Dorita

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