METALINGUAGEM – O cineasta Jean-Luc Godard durante conferência no Instituto Federal de Tecnologia da Suíça (ETH), em Zurique (2002). No Festival de Cannes de 1985, o diretor “rege” a projeção de seu filme Detéctive.
Principal artífice da Nouvelle Vague, movimento francês que influenciou sucessivas gerações de cineastas, o diretor franco-suíço Jean-Luc Godard continua sendo figura luminar para as vanguardas estéticas da produção cinematográfica. Mais de cinco décadas após colocar de pernas para o ar o mundo do cinema, com a despojada trama de Acossado (A Bout de Souffle, 1959), ele ainda divide opiniões. Sua mais recente criação, Film Socialism (2010), deixou atônitos fãs de primeira hora e parte da imprensa. De um lado, um coro de descontentes insistiu em classificar o filme de hermético e enfadonho. Na contramão dessa análise reducionista, decanos da crítica cinematográfica defenderam que as fragmentadas experimentações de narrativa, áudio e edição do octogenário cineasta (hoje com 82 anos) constituíam uma espécie de manifesto de resistência do cinema autoral, de forte crítica sócio-política.
Muito além de ser um desses diretores que restringem seu papel à condução dos atores e à coreografia das câmeras, Godard sempre foi um investigador dos rumos e das possibilidades narrativas que a Sétima Arte possibilita, visto que se trata de expressão artística das mais jovens – se comparada à literatura, ao teatro e as artes visuais – e ainda é território fértil para a livre experimentação. Não por acaso, seu próximo filme Adieu au Langage (Adeus à Linguagem, em tradução livre) está sendo produzido com a promessa de ser inteiramente rodado em 3D. Mas não se engane o leitor que associa o recurso às superproduções hollywoodianas. A plataforma de captação de imagem do cineasta é uma filmadora criada por ele a partir de dois celulares que dispõem de câmeras 3D de última geração.
E é esse lado experimental e questionador de Jean-Luc Godard que poderá ser intimamente conhecido na mostra EXPO®GODARD – Viagens em Utopia, que será aberta em 7 de maio e permanecerá até 30 de junho, no Oi Futuro Ipanema, no Rio de Janeiro. Partindo de mostra semelhante realizada no Centre George Pompidou, em Paris, a retrospectiva carioca terá curadoria de dois colaboradores do complexo cultural francês, Dominique Païni e Anne Marquez. Païni idealizava realizar um curso com o cineasta no Collège de France, também em Paris, mas a aproximação com Godard acabou resultando na mostra do Pompidou, com o apoio do próprio cineasta para a concepção da retrospectiva. A versão brasileira da exposição ocupará os três andares da sede do Oi Futuro Ipanema, com projeções, totens eletrônicos com conteúdo multimídia, exibição de documentos e objetos pessoais – como um raro exemplar da revista Cahiers du Cinema, onde o diretor começou a carreira de crítico de cinema, em 1952.
Organizada a partir de temas centrais na obra do cineasta – o olhar autoral, a pirataria de imagens e a apropriação de diversos suportes narrativos –, a mostra pretende ser a mais relevante retrospectiva do diretor a ser apresentada no País, visto que as retrospectivas anteriores se limitaram a apresentar clássicos da cinematografia de Godard, mas jamais propuseram uma imersão em seu universo particular. “Godard é uma referência, um dos mais inquietos criadores contemporâneos. Com esse projeto, buscamos mostrar a complexidade de sua obra de forma nunca exibida na América Latina”, afirma Roberto Guimarães, diretor de Cultura do Oi Futuro. A mostra ainda jogará luz sobre um período pouco conhecido do público brasileiro, mais afeito a clássicos da Nouvelle Vague, como Uma Mulher é Uma Mulher, Alphaville, Viver a Vida e A Chinesa. Os filmes que serão projetados em EXPOR®GODARD compõem um recorte das últimas três décadas de produção do cineasta. Entre os títulos que serão exibidos (confira a programação completa no final de abril, em oifuturo.org.br/agenda/), Je Vous Salue Marie mobilizou a opinião pública brasileira, em 1986, durante a gestão do ex-presidente José Sarney. Na contramão da reabertura democrática, o filme foi alvo de censura, imposta a Sarney pela igreja católica, que considerou a película herética ao reconstituir a vida de Maria, mãe de Jesus – caracterizada na fita como uma estudante, namorada de um humilde taxista, em uma França contemporânea.
Além de um ciclo de palestras conduzidas por estudiosos da obra do cineasta, como o teórico Ismail Xavier e o professor do curso de cinema da Universidade Federal Fluminense – UFF, José Carlos Monteiro, a retrospectiva também exibirá a série que o diretor produziu, entre 1988 e 1998, para a TV francesa, intitulada História(s) do Cinema, composta de oito episódios. Para a curadora Anne Marquez, os documentários evidenciam elementos perceptíveis em grande parte da produção do cineasta. “Uma imagem, um som, uma palavra, uma unidade de linguagem: são coisas que, para Godard, jamais existirão isoladamente. É o encontro delas que produzirá o pensamento do artista.”
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