Ele tá hospedado no Caesar Business, Avenida Paulista. Hotel de bacana. E por que não? Sua roupa também é bacana, como deveria ser com todo mundo.

Enquanto passeia na calçada, próximo à Rua Augusta, é saudado de dentro de um carro. “Ô, MV Bill!” Ele sorri de volta. Logo depois, uma transeunte para, estende o celular a Karina, o braço direito de Bill. Quer tirar uma foto ao lado do ídolo.
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MV Bill explodiu no Brasil quando seu documentário-verdade, Falcão – Meninos do Tráfico passou no Fantástico, da Rede Globo, o maior ibope nacional. Tem nas costas dois best-sellers – Cabeça de Porco e Falcão – e mais de 65 músicas registradas e gravadas desde 1999.

Seu nome, Alex Pereira Barbosa, virou MV Bill (Mensageiro da Verdade), ficou forte como uma marca e agora roda o mundo. Congressos, conferências, debates sobre minorias e explorados em geral, ele é convidado indispensável.

Único artista brasileiro com duas facetas bem-definidas. O artista de estúdio, de palco, de TV, e o militante social full-time. Falam do trabalho de Madonna. O de MV Bill é mais ou menos por aí ou mais. A Cufa – Central Única das Favelas – que o diga.

Explico que sou russo. Ele pede que eu diga alguma palavra no meu idioma. Não me lembro de muita coisa. Ia lubliú tibia. Eu te amo.

Ele tenta repetir: “Ia lubliú tibia…”

Brasileiros – Nove anos de estrada. Você ganhou muita grana, teus livros já venderam muito?
MV Bill –
Rico eu não fiquei. Não tô rico ainda, mas pretendo ficar. Quero muito ficar. Se eu conseguir chegar a um terço do que tem o Eike Batista… Mas já tenho uma grana bacana, pra não passar mais vontade como passei na maior parte da minha vida, pra deixar meus sobrinhos estudando em colégio particular, uma coisa que eu não tive, mas gostaria de ter tido, minha mãe hoje tem uma casa legal também, na Cidade de Deus, mas uma casa própria, dela, são assim as coisas que eu conquistei, que eu nem diria que são sonhos inalcançáveis.

Brasileiros – A tua mãe te chama como?
MV Bill –
Acho que ela aprendeu a falar meu nome… Na verdade, meu pai é que me chamava errado, me chamava Alec. Ele mesmo colocou o nome e ele mesmo não conseguia falar. Agora, ele me chama de Bill. Então, simplificou. Minha mãe me chama de Alex. Alex. Com bastante “x” no final.

Brasileiros – Que é a letra da sorte do Eike Batista. Todas as empresas dele terminam em “x” .
MV Bill –
Se eu conseguir chegar…

Brasileiros – Qual é a tua meta?
MV Bill –
Se eu conseguir chegar a um terço da fortuna do Eike, já dá pra mudar muita coisa.

Brasileiros – Ele tem uns 30 bi… tua meta, então, é 10 bilhões.
MV Bill –
Já mudaria… Eu conseguiria mudar a realidade da cidade inteira com 10 bilhões.

Brasileiros – É… o maior artista do Brasil.
MV Bill –
Pela altura?

Brasileiros – Não, o maior, se faturasse 10 bi.
MV Bill –
Se for na altura, não tem ninguém maior do que eu, só o Falcão do brega me bate, ele tem 1 e 98.

Brasileiros – O Falcão, aquele que namorou a Deborah Secco?
MV Bill –
O Falcão do brega, do brega!

Brasileiros – Ah, tá. O Falcão dos cornos.
MV Bill –
Ainda mais com aquelas indumentárias dele pô, deixam ele maior ainda. Ele é gigante, cara. É o maior artista brasileiro.

Brasileiros – Que carro você tem?
MV Bill –
Carro popular. As pessoas que me veem dentro do carro ficam assustadas: como é que cabe aí dentro?

Brasileiros – Você tem quanto de altura? Chega a dois metros?
MV Bill –
Um, nove, cinco.

Brasileiros – Você poderia ter sido jogador de basquete.
MV Bill –
Tentei. Não rolou. Adoro basquete, sou fomentador do basquete de rua, tenho cara de jogador, chego na quadra, tem gente até que corre, sou o primeiro a ser escolhido, e eu penso: tu não sabe o que tá fazendo. Tentei futebol também, mas pessoal com canela do tamanho da minha não joga bem.

Brasileiros – Agora, vem cá. Você critica o negro que namora com loira? Pelé namora com loira e tal… esses papos…
MV Bill –
Por que criticaria?

Brasileiros – Bem, algumas pessoas dizem aquele negro só namora com loira, ele mesmo tem preconceito. Já teve namorada loira?
MV Bill –
Já tive de todas as cores que você possa imaginar. Hoje, sou casado com uma menina que é descendente indígena, misturada com português, tem negão na família dela também, pessoas que vêm de Belém, cabelo bem preto, bem escorrido.

Brasileiros – No YouTube tem um vídeo teu que é assim. Você está no Faustão, cantando, aí, de repente, você canta “só tem branco aqui, não tem apresentadora negra na Globo, só tem a Xuxa e etc.” e o Faustão fala junto com você: “Que talento, muito obrigado MV Bill”, dando a entender que era pra você parar e você não parou.
MV Bill –
Ele dá um grito dizendo que era improviso e na verdade aquilo é parte da letra.

Brasileiros – “Talento! Gênio!” Ele tentou te cortar e você nem se tocou. Cantou mais meia hora! Foi de propósito?
MV Bill –
Eu nem percebi, cara! Só depois, quando eu cheguei em casa. Essa é uma das músicas que tem um dos conteúdos mais fortes… Ela me deixa em transe… por causa da emoção da galera, coisas que a letra fala também, aí nem me liguei no que ele falou, só depois eu fui ver, na gravação, que tinha tido essa interferência… que não interferiu.

Brasileiros – Se bem que, se levarmos ao pé da letra, a Globo tem a Glória Maria…
MV Bill –
Acho que, de certa forma, a gente tem alguns ícones já da raça negra, que conseguiram destaque, mas os espaços ainda são escassos, pejorativos, secundários…

Brasileiros – Mas você vê, o Caetano Veloso já lançou você até a presidente, não foi?
MV Bill –
Não.

Brasileiros – Sim. Ele já disse isso. Numa entrevista a Zuenir Ventura no livro O que fizemos de 1968?, algo assim.
MV Bill –
(Rindo) Caetano é maluco, rapaz! Ele quer arrumar problema com os outros!

Brasileiros – Você conhece a Cidade de Deus aqui de São Paulo?
MV Bill –
Só de placa.

Brasileiros – A Cidade de Deus de São Paulo é a cidade dos milhões. A do Rio é do quê? Quando você nasceu, como é que era a Cidade de Deus?
MV Bill –
Quando eu nasci tinha crime também, tinha morte…

Brasileiros – Você teve propostas pra entrar no tráfico, como é que acontece isso, como se entra?
MV Bill –
Eu tive uma estrutura familiar até os 16 anos, quando meus pais se separaram. Eu poderia considerar que era uma estrutura boa, só que eu era uma exceção, eu era um dos poucos garotos que tinha mãe e pai morando juntos. Eu tinha um privilégio que a maioria dos meus amigos não tinha. Depois que meus pais se separaram, eu me vi na mesma situação dos meus amigos.

Brasileiros – Os caras do tráfico chegaram em você?
MV Bill –
Não existe esse negócio de chegar…

Brasileiros – Eu me lembro, no Rio, anos 70. Eu andando numa rua de Ipanema, chega um moleque do meu lado, me aborda: se o senhor quiser neve tem uma boa lá no morro… Oferecendo cocaína nas ruas. Era assim. É mais ou menos a época em que você nasceu. Eram os falcões daquele tempo.
MV Bill –
Não existe esse convite: “Ah, venha trabalhar na boca de fumo…”. Não existe um aliciamento. O estado de miserabilidade em algumas favelas é tão grande que existe uma fila de jovens pedindo pelo amor de Deus “arruma uma vaga pra mim, deixa eu trabalhar”. É o inverso. Não há convites, há pedidos para entrar. Em muitas favelas onde o ócio impera, onde não tem a pressão do poder público, a esperança de ser alguém ainda é através do crime.

Brasileiros – Escuta, na Cidade de Deus continua se vendendo maconha, cocaína, etc., claro. O que você acha dessa nova proposta, não adianta proibir, reprimir, vamos liberar, como pensa o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso? O que aconteceria se fosse legalizado?
MV Bill –
De que drogas você está falando? Todas?

Brasileiros – O Fernando Henrique defende liberar todas.
MV Bill –
(MV Bill ri.)

Brasileiros – É a posição dele e de muita gente, como o ex-presidente Cesar Gaviria, da Colômbia.
MV Bill –
Eu penso um pouco diferente. Eu acho que as drogas são sempre motivo de discussão. Nunca é demais discutir sobre drogas. A maconha, em especial, acho que ela merece discussão, um pouco mais de esclarecimento porque é uma droga utilizada de forma social no Brasil, tem comprovadamente jornalistas, policiais, juízes, advogados, médicos, músicos que não são marginais à lei, trabalham e pagam seus impostos que consomem. Daí a descriminalizar a maconha com o diagnóstico de que isso vai diminuir a violência é uma grande balela. Porque o que mais faz com que o crime seja violento é a cocaína e o crack, que é o que leva dinheiro pra boca de fumo. A maconha é o que menos rende dinheiro, é o que mais dá apreensão, é volumosa pra guardar e pela pesquisa que eu fiz durante as gravações pro documentário os caras nem esquentam traficar a maconha. Então, seria teoricamente o que menos dá problema. Dificilmente você vê uma pessoa doidona de maconha sair pra roubar. De tão lesada que vai ficar, vai querer ficar quieta. Já diferente das reações causadas pelas drogas que são derivadas da pasta-base da coca, que é a própria cocaína ou crack. E liberar todas as drogas, inclusive a cocaína, o crack e a merla, que é uma outra droga do Centro e Norte do Brasil acho que poderia ser uma irresponsabilidade muito grande. O crack, por exemplo, transforma meninas em prostitutas, transforma meninas em latrocidas, que assalta, depois mata e a merla tem efeito de suicídio. Quando ele entra em abstinência, ele se mata de tanta dor que está sentindo.

Brasileiros – Você acha que esses bandidos que hoje comercializam o pó venderiam legalmente ou iriam pra outro ramo?
MV Bill –
Acho que isso aí levanta duas questões. Se legalizar, o que seria criado? A Drogabras? Maconhabras? Cocainabras? Uma empresa estatal pra gerir isso? Pela minha experiência, eu percebo que quem entra para o crime, entra em busca de dinheiro, uma busca pela sobrevivência. É diferente de jovens de alta classe média que entram para a criminalidade para sustentar o vício. Se as drogas fossem legalizadas, o crime migraria. Eles partiriam para uma outra coisa, a busca pela sobrevivência iria continuar. Em algumas comunidades do Rio onde não se é mais possível ter o tráfico de drogas, o crime migrou. No entorno passou a ter mais sequestro, assalto seguido de morte, passou a ter furto.

Brasileiros – Você acha que ainda é forte o preconceito contra o negro? Eu acho que não. Tem duas coisas hoje. Quem é o melhor jogador de golfe do mundo? É um negro. Quem é o presidente do maior país do mundo? É um negro? Quem é o maior piloto de Fórmula 1? É um negro. Eu acho que está mais normal hoje. Aliás, tanto os negros quanto os homossexuais estão em alta hoje, tem empresas oferecendo privilégios a clientes gay, por exemplo, entre outras coisas. Hoje, é bom ser gay. Se bem que não seja exatamente bom ou ruim. O sujeito é ou não é. O cara é judeu ou não. Gay ou não. Não é uma escolha. Bom ou mau, eu vou ser judeu até o fim.
MV Bill –
A homossexualidade até tem uma chance de mudança.

Brasileiros – Não sei…
MV Bill –
Eu já vi. Não tô falando que eu sou a favor da mudança, mas eu já vi mudar. Lá na Cidade de Deus. Dois gays.

Brasileiros – O gay virou hétero de novo? Seria a primeira vez no mundo que eu saiba.
MV Bill –
Evangélicos. Superaram graças à doutrina. Eu vi a mudança. Não sei se só a igreja tem o poder de mudar. Mas eu já vi. Então, há oportunidade de reverter o quadro.

Brasileiros – São negros?
MV Bill –
Um de cada. Independente de qualquer coisa eu vejo essas mudanças acontecendo, ainda considero poucas, acho que ainda pode democratizar mais, nos dois sentidos, tanto para negros como para homossexuais. No caso dos homossexuais, muitos deles passaram a ser donos de empresa. É difícil ver um homossexual duro, burro. A maioria dos homossexuais são inteligentes, sabem conversar, são empreendedores, eles começaram a se transformar em donos de coisas e empresas e, como donos, eles podem ditar as regras. Eu tô ajudando agora na formação do primeiro grupo de rap gay do Brasil. Chama-se Gangsta G. É um grupo formado por três jovens homossexuais, uma menina que é lésbica. E as letras vão girar em torno do preconceito contra a homossexualidade, contra a homofobia e eu acho que vai trazer uma contribuição fodida, acho que vai ser do caralho, acho que vai ser muito maneiro esse grupo aí.


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