Guardiões da arte

Entre as exigências impostas pela ONU para o empréstimo dos painéis Guerra e Paz, a premissa de devolvê-los restaurados poderia sugerir o auxílio de profissionais internacionais, dada a magnitude da obra, mas, para orgulho do Projeto Portinari, o restauro ocorreu no país de origem do pintor, em ateliê aberto que recebeu mais de 6 mil visitantes. A tarefa revela a excelência de grandes profissionais em atividade no Brasil. Se a quantidade deles não é capaz de suprir a necessidade de atuação qualificada em instituições públicas, colecionadores e marchands não têm do que se queixar. Coordenadores do restauro de Guerra e Paz, liderando uma equipe de 14 pessoas, Edson Motta Jr. e Cláudio Valério Teixeira são prova inconteste dessa verdade. Amigos há mais de três décadas, e parceiros em importantes trabalhos, eles trilharam caminhos diversos, mas construíram duas consagradas carreiras na arte do restauro e ambos detêm título de doutor. Edson ao se tornar PhD em restauro de pinturas pela Universidade de Valência, na Espanha, e Cláudio intitulado Doutor Honório Saber, pela UFRJ. Cláudio, que também é secretário de Cultura de Niteroí, restaurou os monumentais Batalha do Avaí, de Pedro Américo, e Batalha dos Guararapes, de Victor Meirelles, e sintetiza o trabalho com o amigo: “Somos duas cabeças com formação um pouco distintas, então é muito bom que elas se juntem para fazer um trabalho”.

Amante da arte produzida no século XIX, como Cláudio , Edson relativiza quando questionado sobre o desafio de lidar com obras contemporâneas ou algo que não o agrade. Sucinto, recorre a uma de suas primeiras lições: “Quando tenho um trabalho desses, não interessa minha opinião. Faço como ensinava meu pai: ‘A todo momento que você estiver diante da tela, visualize um generoso cheque de um cliente satisfeito’”. Edson carrega nas veias a tradição do pai, Edson Motta, pioneiro do restauro no Brasil, que, em 1945, estudou no Fogg Museum da Universidade de Harvard, em Los Angeles, e formou dezenas de profissionais brasileiros, inclusive o filho. Cláudio repete evidências genéticas e, como o pai Oswaldo Teixeira, criador do Museu de Belas Artes do Rio, também é pintor. Ambos acabam de viver o grande momento da carreira de restaurador. No caso de Cláudio, o trabalho teve um sabor especial: “Já restaurei centenas de Portinaris, mas tenho uma relação emocional com Guerra e Paz. Eu morava ao lado do ateliê montado na Tupi para ele fazer os painéis. Tinha 10 anos, quando o vi pintar os painéis. Várias vezes entrei no ateliê e moí pigmento, misturado com óleo e branco titânio, rodava aquilo em uma batedeira manual de bolo. Lembro de como ele se vestia, o carro que ele tinha, aquilo marca uma criança. Para mim, foi uma emoção enorme voltar a ver os painéis e poder ficar tão íntimo deles novamente”.
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