Guisado à brasileira

Guizado, quarteto liderado pelo trompetista Guilherme Mendonça, paulistano de 35 anos, chama atenção por fugir da linha conjuntinho de jazz em cima do muro, com os músicos indecisos entre a música digerível e a auto-indulgência dos virtuosos. A formação mais ou menos clássica de Rian Batista (baixo), Régis Damasceno (guitarra) e Curumin (bateria) é quebrada pelo fato de o trompetista se apresentar cercado por uma parafernália eletrônica, laptop, sintetizadores vintage (antigos ou reproduções) e até um Game Boy – video-game portátil. O disco de estréia, Punx, com 11 faixas, lançado no formato SMD – o CD semimetálico patenteado por Ralf, da dupla Christian e Ralf, e vendido obrigatoriamente a R$ 5 -, é uma grata surpresa. “Vermelho”, a primeira faixa, já deixa o ouvinte desconcertado, uma vez que o trompete demora a entrar e não existe tema proposto no sentido tradicional, mas melodias sugeridas em meio a um ritmo pesado ponteado por ruídos. A história de Guilherme explica um pouco isso.

Depois dos Beatles, o rito de passagem dos jovens passou a incluir a escolha do instrumento musical e Gui optou pela bateria, o que nos anos 1980, em pleno pós-punk, significava caos e fúria. Cheio das reclamações dos vizinhos, passou para o violão/guitarra antes de ter em mãos um trompete. Aliás, um cornet, que é um trompete de sons mais graves e de execução relativamente mais fácil. Tinha 16 anos, curtia Depeche Mode, Jimi Hendrix, por influência do pai, e hip hop, por causa do irmão mais novo. A formação em jazz foi obtida por meio da audição, do empréstimo e da gravação de discos de lojas como a extinta Sebo de Elite, que, na avaliação de Gui, antecipou a prática de procurar/ouvir/baixar tão comum nos dias de hoje para os filhos da internet. Um longo período na exigente escola de música Groove cimentou a decisão de tornar-se músico.
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Guilherme entrou na escola de música da Faculdade Santa Marcelina, onde se formou enquanto tocava em barzinhos, dava aulas e gravava – participa, por exemplo, de Vivo Feliz, de Elza Soares. Entre os grupos com quem tocou, Donazica foi decisivo. Em meio à ebulição proporcionada por intérpretes-compositoras férteis como Anelis Assumpção, Andréia Dias e Iara Rennó, à frente do grupo, Gui percebeu que a saída era a criação. O conceito básico do Guizado vem daí. Na verdade, o instrumento passou a ser o estúdio. Foi essa a concepção que embalou grupos como o Pink Floyd, cujos primeiros discos servem como referência para Guilherme. Aos companheiros de grupo ele chega com idéias esboçadas em gravações caseiras. Prato cheio para Curumin, que tem carreira própria e toca com Guilherme há mais de uma década, assim como para Régis e Rian, que integram o grupo Cidadão Instigado, do guitarrista Fernando Catatau, mestre em aliar brega e vanguarda.

Valendo-se do conceito punk faça você mesmo, levaram dois anos para chegar a Punx. Avesso a sons digitais, plug-ins (pré-programações), Guilherme vai montando suas músicas na raça. Entrega para o grupo peças com começo, meio e fim, ritmos low-fi extraídos do Game Boy, melodias criadas em sintetizadores, timbres diferenciados e sobrepostos que compõem uma espécie de parede sonora. Os sons são parcialmente recriados pelos membros do grupo que, por sua vez, se encarregam de acréscimos que às vezes chegam a alterar a direção original, o que torna as apresentações ao vivo ainda mais estimulantes. Lançado em meados de junho no Studio SP, Guizado percorre o Brasil com Punx e deve se apresentar em setembro no Festival Coquetel Molotov.


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