Quando se trata de desatinos e insanidades, uma das autoras mais citadas é Barbara Tuchman. Nascida em Nova York, ela escreveu A Marcha da Insensatez, obra-prima que aborda grandes imbecilidades praticadas por governantes ao longo da História. Seu livro começa com os dirigentes de Tróia recolhendo, satisfeitos, para dentro de suas muralhas, um grande e lindo cavalo de madeira recheado de soldados gregos, seus inimigos, armados até os dentes. Se Barbara não tivesse morrido em 1989, com certeza já teria lançado uma segunda edição, revista e fartamente ampliada. Matéria-prima não falta. A derrocada insana dos Estados Unidos no Vietnã – que encerra o livro – nem ensinamentos deixou. É só olhar hoje para o Iraque e ver que ele mereceria um alentado capítulo numa nova versão do livro, com George W. Bush como personagem principal.
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O mesmo W. Bush seria também o personagem central de outro capítulo obrigatório, esse bastante atual, que abordaria a crise que derrete mercados mundo afora, como um tsunami detectado, anunciado, mas solenemente ignorado. Pura insensatez em marcha que teria, por exemplo, a história da seguradora AIG (American International Group Inc.), que gastou US$ 440 mil para que um punhado de seus executivos se reunissem num resort na costa do Pacífico. Isso no meio do furacão, depois de o governo ter injetado US$ 85 bilhões na companhia quebrada para tentar salvá-la. Os advogados que conferiram as notas do St.Regis Resort, encontraram quase US$ 24 mil só de gastos no spa. Haja insensatez!
Sabe-se hoje que o derretimento do mercado aconteceu, principalmente, por excesso de alavancagem das instituições financeiras e ausência de controle das autoridades. Um artigo do The New York Times publicado em 3 de outubro mostra que um dos bombeiros da crise, Paulson, o secretário do Tesouro americano, fez parte, na verdade, do grupo que botou fogo no circo. O jornal conta como a SEC (Securities and Exchange Commission – a CVM de lá) foi convencida a afrouxar antigas regras que colocavam limites para os débitos das instituições financeiras para que elas pudessem investir em ações lastreadas em hipotecas. Isso aconteceu num encontro, em abril de 2004, a pedido dos grandes bancos de investimento. Entre eles estava o Banco Goldman Sachs e seu presidente, Henry Paulson Jr.
Franklin Delano Roosevelt – este sim um verdadeiro bombeiro, porque foi presidente americano pós-crise de 29 – disse em 1936, num discurso* transmitido pelo rádio:
“… tão logo seus lucros voltem e os valores de suas ações e de seus investimentos se refaçam, não esqueçam as lições do passado. Nós temos de manter a promessa feita de nunca mais nos submetermos à filosofia reinante nos tempos de crescimento desordenado. Temos de manter a promessa de nunca mais nos submetermos ao individualismo selvagem; às falsas afirmações de que os negócios na América são grandiosos porque concentraram o controle financeiro, da produção e distribuição nas mãos de poucos indivíduos e corporações por meio do uso do dinheiro do resto da população; que o governo tem de estar sempre pronto a se esfregar e ronronar nas pernas das altas finanças; que os benefícios do sistema de livre competição possam vir de cima para baixo apenas com a força da gravidade; e acima de tudo que o governo não tem o direito de agir contra aqueles que estão lesando o resto dos cidadãos americanos em prol de seus lucros privados.”
Ignorar a História, não aprender com ela, é pura insensatez.
* Discurso do presidente Franklin Delano Roosevelt transmitido pelo rádio para homens de negócios nos Estados Unidos, em 23 de outubro de 1936.
Leia outros trechos, abaixo:
“Quando esses jantares de homens de negócios que se realizam no país todo começaram a ser organizados, eu fui convidado a falar especialmente para vocês. Mas eu disse que era impossível fazer um discurso para homens de negócios como membros de uma ocupação distinta e separada do resto das pessoas da América. Não pode haver um tipo de discurso para homens de negócios e outro para os operários da indústria ou para os trabalhadores do campo.
Não temos interesses separados. Não há nada a ser falado para um grupo que não tenha de ser dito para todos os grupos. O que é bom para um tem de ser bom para todos. Nossos mecanismos de empreendimentos privados podem e devem funcionar na medida em que eles não beneficiem um grupo à custa de outro.
Ninguém nos Estados Unidos acredita mais firmemente do que eu no sistema da iniciativa privada, da propriedade privada e dos lucros privados. Nenhuma Administração na história de nosso país fez mais a favor disso. Foi essa Administração que os arrastou para fora da armadilha onde caiu em 1933.
Se essa Administração tivesse a mais tênue inclinação para mudar esse sistema, tudo o que teria de fazer era cruzar os braços e esperar – deixar que o próprio sistema continuasse a afundar.
Ao invés disso, nós fizemos o que a Administração anterior se recusou a fazer em todos os anos da depressão – nós agimos rápida e drasticamente para salvar o sistema. E foi graças às nossas crenças na iniciativa privada que nós agimos, graças à nossa fé nas virtudes essenciais e fundamentais da democracia e à convicção de que ela é mais bem servida pelas iniciativas individuais e pelos lucros privados.
Vocês que lêem as seções de negócios dos jornais, os relatórios financeiros e comerciais sabem o que nós fizemos e quais foram os resultados.
Mas tão logo seus lucros voltem e os valores de suas ações e de seus investimentos se refaçam, não esqueçam as lições do passado. Nós temos de manter a promessa feita de nunca mais nos submetermos à filosofia reinante nos tempos de crescimento desordenado. Temos de manter a promessa de nunca mais nos submetermos ao individualismo selvagem; às falsas afirmações de que os negócios na América são grandiosos porque concentraram o controle financeiro, da produção e distribuição nas mãos de poucos indivíduos e corporações por meio do uso do dinheiro do resto da população; que o governo tem de estar sempre pronto a se esfregar e ronronar nas pernas das altas finanças; que os benefícios do sistema de livre competição possam vir de cima para baixo apenas com a força da gravidade; e acima de tudo que o governo não tem o direito de agir contra aqueles que estão lesando o resto dos cidadãos americanos em prol de seus lucros privados.
O colapso dos negócios foi o preço que pagamos por não encarar de maneira inteligente os problemas da iniciativa privada em um mundo moderno.
Nos dias da crise de 1933 houve quem recomendasse a tomada de decisões radicais. Muitos defenderam que a deflação deveria seguir seu curso, levando a maioria à bancarrota com a exceção de um punhado dos mais fortes.
Outros – até mesmo alguns homens de negócio – clamaram que a única solução seria o governo encampar tudo e tocar as coisas ele próprio.
Nós escolhemos o caminho do meio. Usamos os recursos e facilidades à disposição somente do governo, para permitir que a iniciativa privada retomasse suas funções normais em uma ordem competitiva mais saudável. Disponibilizamos, por um lado, crédito ao sistema produtivo e, por outro, poder de compra ao mercado.
A maioria dos homens de negócios independentes aprovou em seus corações o que nós fizemos pelos negócios da América. E tenho certeza que um punhado de monopolistas detestou o que fizemos.”
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