O escritor franco-argelino Albert Camus (1913-1960), vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 1957, afirmou certa vez que as pessoas tendem a procurar de modo incessante o sentido da existência numa vida que carece de sentido e na qual só é possível ganhar a liberdade e a felicidade com a prática da rebelião. No caso, rebelar-se contra si mesmo, em oposição ao estado que cada um adotou no correr do tempo por convenções diversas que o meio social impõe. De certo modo, essa observação sintetizou o seu olhar sobre o movimento literário conhecido como existencialismo – surgido no século XIX, como corrente filosófica, que foi logo incorporada pela literatura – que, juntamente com Jean-Paul Sartre (1905-1980), foi um dos principais representantes dessa tendência na França. Um tema marcante em sua ficção e nos ensaios que escreveu: “O Mito de Sísifo” (1942), “O Estrangeiro” (1942), “A Peste” (1947), “O Estado de Sítio” (1948), “Os Justos” (1949) e “A Queda” (1956), entre outros.
Poucos escritores marcaram tanto sua época quanto Camus. E também depois, já que sua obra ainda ecoa no século XXI. Não apenas na literatura e no cinema como em outras mídias, como o cinema. Em seu país, por exemplo, influenciou diretores como Henri-Georges Clouzot (“As Diabólicas”) e André Cayatte, com seu monumental “Somos Todos Assassinos”. Mais que seus livros, todos queriam ler ou ouvir o que ele tinha a dizer. Se vivo, o escritor faria exatamente hoje 100 anos de idade. Foi no dia 7 de novembro de 1913 que Camus nasceu, na cidade de Mondovi, Argélia, então colônia francesa na África. Viver nunca foi fácil para ele desde os primeiros anos de vida. Se não bastasse a extrema pobreza da família, ele perdeu o pai, com um ano de idade, morto em 1914, durante a Batalha do Marne, na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Muitos fatos se seguiram e que poderiam ter tirado sua vida e evitado que a França e o mundo ganhasse um dos autores mais importantes do século XX, conhecido como escritor, romancista, ensaísta, dramaturgo e filósofo.
Guerras, fome, miséria e calor incessante da África o acompanharam o tempo todo e desses elementos ele tirou a matéria-prima para seu pensamento e para a literatura que estabeleceu. Depois do desaparecimento de seu pai, sua mãe se viu obrigada a partir com os dois filhos – Albert era o caçula – para a casa de sua mãe, que vivia com um irmão surdo, no bairro operário de Belcourt, em Argel. Ali, durante a guerra de descolonização da Argélia, aconteceu o massacre de árabes, que ele testemunhou. A mãe era espanhola de nascimento, falava francês, mas não sabia ler nem escrever. Quem mandava na casa era a avó, uma mulher sofrida e batalhadora que se relacionava com todos de modo austero, em meio a uma condição que permitia suprir apenas as necessidades essenciais de sobrevivência. Graças à ajuda de um professor, que viu nele alguém com futuro brilhante, formou-se em Licenciatura em Filosofia. Logo depois, porém, quando ia começar a docência contraiu tuberculose, quando a doença não dava chance de cura e o acompanharia pelo resto de sua existência. A proximidade da morte, sem dúvida, marcou de maneira significativa sua visão de mundo e na literatura.
A mudança para a Paris trouxe emoções fortes e muitos riscos. Ao chegar, passou a fazer parte da resistência contra os nazistas. Na ocasião, fundou com companheiros o jornal clandestino “Le Combate”, porta-voz de combate aos invasores alemães. No auge do conflito, publicou sem primeiro romance, que se tornaria seu mais importante livro, “O Estrangeiro”. Em artigo sobre a obra, o crítico Antonio Campos observou que ele construiu uma história tensa, dura, intensa. “Como era próprio no autor, é marcante o sentimento existencialista do personagem principal, sua solidão, dúvidas e o quase surrealismo de seus conflitos”. Para ele, ainda que o livro seja uma obra de ficção, o personagem é inerente ao escritor, com a clara proximidade entre seus pensamentos e valores em relação à sociedade em que vive. Cinco anos depois, Camus lançou outra obra consagrada, “A Peste” – cuja mais famosa tradução no Brasil foi feita por Carlos Drummond de Andrade –, recebida como uma alegoria da guerra e da ocupação nazista na França e, dentro da tendência literária que ele adotou, da condição humana, por meio da descrição de uma cidade ameaçada por uma epidemia cuja origem era desconhecida e se tornou descontrolada. Em “O Homem Revoltado”, ele faz uma reflexão existencialista em que defende que só se revoltando pode o homem dar sentido a um mundo dominado pela “completa ausência de sentido”.
Camus morreu no dia 4 de janeiro de 1960, vítima de um acidente de automóvel, quando o veículo em que viajava se espatifou numa árvore. Todos os quatro ocupantes pereceram na tragédia. Em sua maleta, a polícia encontrou o manuscrito de “O Primeiro Homem”, um romance autobiográfico. Por ironia do destino, nas notas ao texto ele escreveu que aquele romance deveria chegar à última página inacabado, sem ter um desfecho. Depois se descobriu que Camus não deveria ter feito a viagem para Paris de carro junto com os Gallimard (Michel, Janine e a filha deles Anne). Ele havia programado seguir com o poeta René Char, de trem. Por insistência de Michel, ele decidiu acompanhar a família no veículo. Char também foi convidado, mas achou que sua presença deixaria o veículo lotado. Agradeceu e explicou que já havia comprado sua passagem. O relógio do painel do carro parou no instante exato do acidente: 13 horas e 55 minutos.
Pouca gente sabe, mas Camus esteve no Brasil, no ano de 1949, quando já era um escritor conhecido em seu país. Claudia Amigo Pino, professora de literatura francesa da USP e coordenadora de um curso ministrado recentemente sobre o escritor, explicou em entrevista à “Folha de S. Paulo” que uma questão diplomática trouxe o escritor ao país: um programa do governo para estreitar as relações culturais entre a França e os países da América do Sul. Como conseqüência, nasceu a novela “A Pedra que Cresce”, em que o personagem principal é um francês de visita ao Brasil que vive uma solidão existencial – como Meursault, do livro “O Estrangeiro”. No final do relato, explica Cláudia, o protagonista encontra uma espécie de amor e sai da sua solidão, antecipando o último romance do escritor, “O Primeiro Homem”.
Leia a resenha sobre o livro “A Queda”, de Camus, que entra hoje no blog Livros Mal-Ditos, neste link.
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