Horizontes mais amplos

Paulo Bilyk compara o período de superinflação no Brasil, nos anos 1980 até o início de 1990, a uma situação de guerra. Filho de um polonês, que foi oficial da cavalaria e passou a guerra em uma prisão na Alemanha, Paulo diz que a II Guerra Mundial foi o acontecimento mais importante da sua vida, apesar de ele ter nascido 20 anos após o final do conflito.

Administrador público de formação, com estudos de Diplomacia e Direito Internacional, Paulo é um jovem banqueiro que defende a estabilização macroeconômica como um dos maiores valores nacionais. Além da intensa atividade profissional e atenção à vida pessoal – ele é casado com uma psiquiatra e tem dois filhos -, Paulo está envolvido com atividades sociais, culturais, ambientais e de preservação urbana em Campos do Jordão.
[nggallery id=15138]

Ele recebeu a Brasileiros em São Paulo, na Rio Bravo, instituição financeira da qual é sócio-fundador, para falar de sua visão do País, de investimentos e da vida.

Brasileiros – Qual foi seu caminho até agora?
Paulo Bilyk –
O marco mais importante foi minha formação no Colégio Palmares, nos anos 1980. Isso fez muita diferença para mim e para uma geração, fomos muito influenciados por uma ideia de envolvimento mais amplo. Era gente verdadeiramente idealista e, curiosamente, não todos com a mesma opinião política, todos com uma ideia de contribuir para construir um País. Depois, fui estudar Administração Pública na Fundação Getulio Vargas, sem sentir verdadeira vocação para ser administrador público. Terminei, mas fiquei confuso no fim da vida acadêmica sobre o que fazer da vida. Durante aqueles anos todos, eu viajei muito, eu participava do CISV – sigla de Children’s International Summer Villages – é uma organização internacional que promove educação para a paz, por meio de intercâmbio entre crianças e jovens de várias partes do mundo.

Optei por trabalhar em uma empresa, a Itautec. Eram tempos de economia fechada e a empresa era inovadora. Plantou a semente de uma infraestrutura tecnológica muito relevante, que teve repercussões amplas para muito além dela própria. Mas também não fiquei feliz lá. Nesse momento, começamos (Paulo Bilyk se refere à entrevistadora) a dar aulas de introdução à economia no Colégio Santa Cruz, para alunos do ensino médio, no meio do Plano Collor. Hoje, muita gente não sabe o que era um país de pernas para o ar: no fim do governo militar, depois o caótico governo José Sarney, e às portas da hiperinflação.

Brasileiros – As empresas eram protegidas ainda?
P.B. –
Eram protegidas da competição interna e externa, o BNDES era um grande patrocinador das empresas. Havia pouca preocupação com o consumidor. Não havia incentivo para a tomada de riscos, o incentivo para a evolução profissional, do ponto de vista intelectual era muito limitado. Isso me frustrava muito, e fui estudar fora. Entrei na Fletcher School of Law and Diplomacy, em Boston, naquele ambiente acadêmico sem igual no mundo. Aprendi muito. No final do curso, me encaminhei para a opção de trabalhar com Relações Internacionais. Estagiei dois anos nas Nações Unidas, na cidade do México. Em seguida, prestei os exames para uma posição definitiva na ONU e fui aprovado.

Brasileiros – Começou outra carreira…
P.B. –
Não exatamente essa… Um dia cheguei em casa e tinha um recado na secretária eletrônica. Uma moça com sotaque carioca, falando em nome do presidente do Banco Pactual do Rio de Janeiro, dizia que ele iria para Nova York e queria me entrevistar. Aí, pensei: “Imagina, isso é uma brincadeira de algum amigo do Brasil, porque, primeiro, nunca ouvi falar nesse Banco Pactual”.

Brasileiros – Isso foi em que ano?
P.B. –
1992. Eu estava estudando para uma coisa completamente diferente. Mas liguei e atendeu: Banco Pactual. Disseram que o presidente do Banco gostava de conhecer brasileiros que estudavam nas melhores escolas dos EUA. Isso era tudo tão ao contrário do Brasil que eu conhecia naquela época, que era um País complacente, fechado. Fui, então, encontrar o Luiz Cezar Fernandes, com aquela barba branca e muito informal, já fumando um cachimbo de manhã. Contei o que eu tinha feito e ele me mostrou por que seria interessante ir trabalhar com eles. Ele mostrou uma empresa pequena em número de pessoas e gigante em ambição.

Brasileiros – Foi o seu começo no mercado financeiro?
P.B. –
De fato aconteceu o que Luiz Cezar previu, porque é um trabalho interdisciplinar, um trabalho em que a pressão de tempo é sempre presente, um trabalho com desafios intelectuais contínuos e cada vez mais internacional. Naquele momento, investidores estrangeiros estavam começando a entrar no Brasil. Era o governo brasileiro se reestruturando, porque depois da derrocada do governo Collor, da entrada de Itamar Franco e da implantação do plano de estabilização macroeconômica, sob a coordenação de Fernando Henrique Cardoso, começou toda uma era de virtuosismo macroeconômico, da qual até hoje nós colhemos os frutos.

Brasileiros – Conte um pouco o que faziam os bancos de investimento naquela época.
P.B. –
A gente fez privatização de bancos, participamos da operação do Credireal, fomos compradores, passando por operações de fusões entre empresas brasileiras e estruturação de empresas privadas. Abrimos o capital de empresas brasileiras. Havia uma intenção de acreditar que o Brasil poderia ser um País internacionalizado, ajudar as empresas brasileiras a se internacionalizarem, acreditar que o Brasil poderia ter um mercado de capitais pujante e trazer dinheiro para esse mercado.

Fiquei no Banco Pactual até, praticamente, o ano 2000, quando saí e comecei aqui a Rio Bravo Investimentos, em sociedade com Luís Cláudio Garcia de Souza, que também saiu do Pactual, e o ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco.

O sistema de previdência complementar brasileira, fora da previdência oficial (o INSS), a Previ, Petros e os sistemas de previdência complementar das empresas privadas cresciam. E o ambiente se transformava. Era um ambiente de alta volatilidade, porque, apesar de novo e da estabilidade ter sido conquistada, não foi uma conquista imediata. O Brasil era um adolescente altamente problemático, ele não se transformou em bom aluno na faculdade aos 24 anos de um ano para o outro. Aos poucos, os investidores foram ousando confiar mais nesse produto Brasil. Talvez até hoje ninguém ouse 100%, mas as pessoas passaram a ousar 10%, depois 15%, depois 20%, 25%.

Brasileiros – Como está essa percepção hoje na sua opinião?
P.B. –
Depende do setor, alguns são mais ousados, mas tem muito caminho ainda a ser feito, especialmente no que se refere à alocação de recursos para infraestrutura, que é em prazo mais longo. Enfim, a boa notícia é que você vê quanto mais dá para fazer, contanto que as leis estejam no lugar, que a economia esteja bem administrada, que os sistemas político e jurídico sejam críveis também. Para que a gente passe dos 60% para 80% de alocação de capital de longo prazo, é importante, por exemplo, as leis eleitorais serem respeitadas.

Brasileiros – A instabilidade institucional é peça-chave para o investimento?
P.B. –
Sim. Parece curioso, mas uma lei eleitoral tem tudo a ver com a alocação de capital. Porque a credibilidade das leis depende da credibilidade do sistema de outorga de poder, e esse sistema depende do sistema eleitoral. Quanto mais limpo, transparente e justo for um processo eleitoral, maior credibilidade tem um país. O mesmo vale para o sistema judicial. O investidor financeiro vive alheio a essas situações, e até fecha os olhos para elas, em curto prazo. Em longo prazo, não é verdade. Apostamos sempre que a estabilidade veio para ficar e que qualquer candidato que fosse eleito em 2002 continuaria o compromisso. A estabilidade passou a ser um caminho do País e não de um ou outro grupo político.

Brasileiros – E, com isso, vocês tiveram resultados muito favoráveis?
P.B. –
É, fomos crescendo com uma velocidade relevante. Estávamos preparados para oferecer os produtos de alocação em longo prazo, que de fato ganharam espaço na carteira desses investidores, por exemplo, investimentos em ações. Aliás, a melhor coisa que poderia acontecer era eleger um presidente de esquerda, ou um presidente com rótulo de esquerda, e ele manter os contratos. Isso deu ao Brasil a estabilidade que um país europeu tinha, os EUA têm, que é a ideia de que alternância de poder não significa alterações radicais no rumo da economia.

Brasileiros – A consolidação da democracia tem um valor enorme.
P.B. –
Vejo nisso a grande contribuição do governo Lula, a de ter honrado esse papel histórico de fazer um governo com preocupações sociais no centro das suas proposições, porém, com respeito às conquistas macroeconômicas, que inclusive vieram de propostas políticas distintas das que ele tinha e às quais ele se opôs durante muito tempo.

Brasileiros – As conquistas na economia foram cruciais para o sucesso político do governo?
P.B. –
Sim, nós acreditávamos nisso aqui na Rio Bravo. Criamos produtos, por exemplo, de estruturação de crédito imobiliário, para as carteiras dos clientes, que só foram possíveis porque os clientes estavam dispostos a alocar dinheiro mais em longo prazo, e você vê hoje o que é o ambiente imobiliário no Brasil. Quem investiria em uma empresa que tinha quatro, cinco anos de vida? Um risco muito grande. Mas em uma economia com juros decrescentes, estável, você tem de correr esse tipo de risco, se não, você não remunera o seu capital, você não paga as suas pensões daqui a 15, 20, 30 anos.

Hoje, temos uma empresa de administração de recursos, que tem um total perto de 4 bilhões de reais de recursos sob gestão, é uma empresa movida a capital intelectual, movida a processos formais de análise, estudo, debate e decisão de alocação de capital.

Brasileiros – De forma geral, como você vê o Brasil e as oportunidades de investimentos, por exemplo, para as pessoas físicas?
P.B. –
A entrada no ambiente de estabilidade e, vamos lembrar aqui, que essa questão de macroeconomia, estabilidade, hiperinflação para nós é exatamente como foi a guerra na cabeça dos europeus. Eu não tenho dúvida de que no período de hiperinflação e de desordem econômica, que começou em 1978, 1979 com mais força, as sementes foram plantadas antes e chegaram espatifando até 1993, 1994. É uma cicatriz permanente para nós brasileiros. Teve gente que perdeu a vida por causa disso, se você pensar quem estava em idade produtiva, quem estava começando, com 20, 30 anos no início desse processo, passou a vida em branco, são pessoas que viveram em frustração, que não puderam realizar seus talentos, não puderam acumular capital, não puderam comprar casas, não puderam educar seus filhos. Viram cortado algo precioso, que é o direito de sonhar. Agora, o que isso tem a ver com poupança? Temos hábitos arraigados desta guerra, que precisam mudar, se a gente acredita que a guerra não voltará, podemos pensar e viver diferente.

Hoje, você pode e deve formar alguma poupança, por menor que ela seja, qualquer que seja a sua renda, como ela hoje é mais previsível, aloque algum pedaço dela para o futuro. Então, se é importante montar uma poupança de qualquer natureza, outra coisa importante é entender que o Brasil tem oportunidades. E nós somos uma sociedade pouco afeita a riscos. Então, para a pessoa física, o exercício é sair dessa mentalidade de caderneta de poupança, que é esse risco zero, ou pelo menos você está achando que o risco é só do governo, mas a rentabilidade da caderneta de poupança tem de empalidecer perante outras rentabilidades. Por exemplo, qualquer pessoa deveria pensar em ter alguma alocação em longo prazo em ações. Existem veículos para se comprar o índice da Bolsa, que são bem mais simples e fáceis, você pode ficar com uma pequena parcela da sua carteira alocada nisso, digamos 25%, 30% do que você tem. Se você for um pouco mais jovem, talvez você pudesse até colocar mais, por exemplo, 50% da sua carteira nesse tipo de papel. Além disso, imóveis são um investimento interessante, com as cidades mais pujantes a renda do imóvel pode ser também mais atrativa. Antes, era muito complicado comprar para pequenos investidores. Hoje, existem fundos imobiliários, com cotas que se pode comprar pelo banco, custa pouco, está acessível para qualquer investidor individual e é uma forma de carregar poupança imobiliária, mas com liquidez também.

Depois, finalmente, também tem fundos de créditos privados, que antes não faziam parte das opções de poupança das pessoas. Esses fundos, bem administrados, vão gerar rentabilidade um pouco acima da de um fundo com títulos do governo, podem ser uma fonte de estabilidade para sua poupança, além de dar a satisfação de você ir acumulando capital gradualmente e, junto com as suas ações, junto com o crescimento do Brasil.

Brasileiros – E nada do que era antes, a proteção contra a guerra, que era a inflação, moeda estrangeira, esse tipo de coisa?
P.B. –
Hoje não faz sentido comprar moeda estrangeira. Acho que especular em moedas é assunto para gente muito grande, muito sofisticada e que, inclusive, quebra a cara muitas vezes fazendo isso.

Brasileiros – Ainda pensando no futuro do País, você pode contar de sua atividade em Campos do Jordão?
P.B. –
Sou presidente da AME Campos, que é a Associação dos Moradores e Amantes de Campos do Jordão. É uma organização que se preocupa com a melhoria da qualidade de vida na região. Essa região é um tesouro ambiental cultural e estético. Assim como o Brasil sofreu nos anos 1980 com essa questão de desordem macroeconômica, essa região sofreu com desordem urbana e má gestão pública. O sistema de educação pública está em situação bastante precária. Há problemas de saneamento muito graves, problemas crescentes de violência, consumo de drogas e degradação urbana e arquitetônica. Enfatizamos muito o assunto de música em Campos do Jordão, especialmente na música erudita, porque é um instrumento de educação e de exercício analítico, intelectual, que depois reverbera no resto da vida das pessoas também. Atuamos também na área de meio ambiente e de esportes. Uma grande vitória nossa é a lei cidade limpa. E depois precisa ter uma recuperação arquitetônica da cidade. Com isso, tentamos ajudar o jordanense a recobrar sua autoestima, tentar instituir um sistema de educação pública de excelência, para que seja alguém preparado, por exemplo, para trabalhar nos melhores hotéis, nos melhores restaurantes, na indústria movida a marketing, como é, por exemplo, a indústria de alimentos de qualidade.

Bela mulher, bela empresa

MAIS ESPECIAL HOMEM:
Pai, avô, craque, cidadão
O rei do costume
Instantâneos
O homem, esse deslocado
Perto do coração selvagem
Easy Rider: os herdeiros sem causa
“Ele”


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.