Todo líder precisa de apoio dos amigos e proteção contra mau-olhado. A presidente Dilma Rousseff, nesse sentido, está bem protegida. Um talismã feito na Bahia pelo designer de joias Carlos Rodeiro a acompanha desde a posse no mais alto cargo da República Federativa do Brasil. Instalada no braço esquerdo da presidente, a delicada pulseira de ouro amarelo traz o símbolo do Nazar Boncuk. É o olho turco, também chamado de olho grego, que afasta a inveja e a negatividade. Já era popular, mas, por causa de Dilma, tende a se tornar mania nacional.
A versão de Rodeiro custa R$ 1.380 e foi dada à presidente por uma admiradora e amiga, Maria de Fátima Carneiro Mendonça, 52 anos, esposa do governador reeleito da Bahia, Jaques Wagner (PT). “Minha relação com ela é de duas pessoas que se admiram, de muito carinho, e eu acredito muito na força dessa Mulher”, diz a primeira-dama baiana, sobre a amizade com a presidente.
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Mulher. Na entrevista por e-mail para a Brasileiros, Fátima sempre designa o gênero feminino com letra maiúscula. Nesse Brasil feito cada vez mais de mulheres fortes, ousadas e competentes – ou, como diria o compositor pernambucano Fred 04: “Mulheres com dábliu maiúsculo” -, a esposa do governador da Bahia também tem sua parcela de colaboração.
É uma primeira-dama muito linda, carisma indiscutível e roupas elegantes, sim, mas isso não quer dizer que se limite a aparecer sorridente em eventos ao lado do marido, nem a dar presentes bacanas para os poderosos. Ao contrário, tem feito um trabalho pesado ao rés do chão.
Formada em enfermagem, em 1982, pela Universidade Católica do Salvador (UCSal), Fátima conhece os problemas de uma sociedade com desestruturação familiar e drogas na adolescência. Atuou em planejamento familiar e atendimento a servidores públicos. Fez especialização em atenção especial à criança e ao adolescente e outra em prevenção e tratamento da Aids.
A presidente Dilma gosta de chamar Fátima de Evita, em analogia à trajetória de Eva Perón (1919-1952), a mais amada primeira-dama da Argentina. Evita ficou conhecida pelo trabalho com os mais pobres, que a idolatravam quase como uma santa ou pop star.
Os paralelos se fecham. Fátima é querida pelo povo: faz parte da maior torcida de futebol do Estado, do time do Bahia, e vez ou outra vai assistir a um jogo no estádio. Mais que isso, há anos faz um trabalho direto de assistência social e promoção da cidadania.
A partir de 2007, com o primeiro mandato de Wagner, ela automaticamente assumiu o cargo de presidente das Voluntárias Sociais da Bahia (VSBA), uma associação ligada ao do Estado. A entidade distribui sopa para desnutridos, atende a gestantes, proporciona formação pelos programas Jovem Aprendiz e Mais Futuro, forma público e músicos para cameratas e orquestras, entre outras ações.
No ano passado, por exemplo, promoveu uma feira de arte que resultou na arrecadação de 3.800 kg de alimentos para pessoas carentes, distribuiu 15 milhões de pratos de sopa, entregou enxovais completos para mil gestantes e atendeu a 400 jovens aprendizes.
Fátima também mudou a sede da entidade para um prédio mais próximo da Estação da Lapa, um dos principais terminais urbanos de Salvador. A população mais carente tem maior facilidade de acesso ao Palácio das Rosas, no Campo Grande, região central, do que à antiga sede, que ficava no Centro Administrativo da Bahia (CAB), na Avenida Paralela, a meio caminho para o Litoral Norte.
Ela já adianta que para 2011 não haverá grandes novidades nesse trabalho. “Minhas metas à frente das VSBA são as mesmas da primeira gestão. Isso significa que continuaremos tocando os projetos sociais relevantes que assistem aos mais necessitados. Nossa principal conquista foi levar à população carente a assistência social que elas tanto precisam”, diz a Evita baiana.
A influência da primeira-dama baiana no design presidencial não começou com Dilma. Em 1997, ela deu de presente a Lula uma camisa feita em Salvador pela empresa fundada por Ernesto di Tomaso, propriedade de Maria Silva Santos.
A camisaria já era famosa localmente por vestir o mais conhecido político baiano, Antonio Carlos Magalhães, e o empresário Norberto Odebrecht, dono da Construtora Odebrecht. Mas, por causa do gesto carinhoso de Fatinha, se tornou sucesso nacional. Lula gostou tanto do corte do colarinho, que indicou o ateliê para colegas e até para Hugo Chávez, presidente da Venezuela. Depois do sucesso da camisa para Lula, certamente Fatinha, como ela é conhecida na Bahia, tinha de escolher um bom presente para a primeira mulher a vestir a faixa presidencial brasileira.
Não à toa, escolheu o olho grego: é uma pessoa mística. Veste-se de branco às sextas-feiras, acende velas de sete dias todas as segundas e não deixa de levar flores para Iemanjá todo dia dois de fevereiro, na festa anual no Rio Vermelho. E usa o próprio olho grego, em forma de colar.
É cristã, batizada. Wagner, que é judeu, levou-a três vezes a Jerusalém. Em casa, tem imagens de Santa Bárbara, São Jorge, Cristo na cruz. Em terreiros de candomblé, pelas mãos de Mãe Cleuza, Augusto César e Mãe Stella de Oxóssi, descobriu nos búzios que é de Iansã, orixá capaz de provocar tempestades, se quiser.
Talvez isso explique os redemoinhos que já causou, com declarações que pediram mais agilidade do governo do próprio marido. Em 2007, por exemplo, ela declarou à revista Metrópole, que circula na capital baiana: “Eu digo a Jaques que não pode ficar igual ao presidente, demorando a fazer as mudanças necessárias”. Em 2009, pediu melhoras na TV pública do Estado. Também criticou a falta de oposição na política baiana, abismada em ver antigos aliados de Antonio Carlos Magalhães buscando o apoio da base de Wagner, instantes depois do enterro do senador. “É uma revoada, todo mundo querendo vir para o lado de cá. É uma falta de vergonha danada”, disse.
Aqui e ali, ainda no começo do governo do marido, em que pela primeira vez o PT rompeu o “carlismo” na Bahia, volta e meia Fatinha dava sua opinião sem grandes rodeios. Para ela, afinal, o segredo da vida é mais ou menos esse: não esperar a tempestade passar, mas dançar na chuva.
Wagner, contudo, pediu mais comedimento, e ela se aquietou. Pero no mucho. Seguiu marcando um lugar bem definido de pessoa que defende o direito à própria opinião. “Eu acho que todo mundo ficou surpreso, porque nunca uma mulher de governador se expressou”, disse ela sobre o caso, no ano passado.
Com a reeleição de Wagner, Fatinha tem sido mais do que nunca procurada pela imprensa. Mesmo em recesso do trabalho na VSBA, depois de passar o Natal e o Réveillon em casa e comemorar aniversário, em 13 de janeiro, com uma festa íntima, ela diz que está sem tempo para receber jornalistas e pede para que as perguntas sejam enviadas por e-mail. Questionada se é ouvida pelo governador nas definições do executivo, ela responde: “O que nós conversamos é sobre nossos projetos pessoais, as ações conjuntas entre voluntariado e governo do Estado, sempre visando levar a quem precisa nossa assistência social. Mas quando ele pede minha opinião, sempre digo o que penso”.
A primeira-dama, em geral, tem apoiado as decisões do marido, mesmo quando a opinião do casal pode ser alvo de pesadas críticas. Defende, por exemplo, o polêmico projeto de construção da ponte entre Salvador e a Ilha de Itaparica, terra natal e xodó de João Ubaldo Ribeiro.
O escritor antevê uma destruição da tranquilidade e dos costumes tradicionais do povo simples de Itaparica. No ano passado, divulgou um manifesto sobre o tema e recebeu apoio de intelectuais. Para citar alguns: Chico Buarque, Luis Fernando Verissimo, Cacá Diegues, Milton Hatoum, Ricardo Cravo Albin, Emanoel Araújo, Ruy Espinheira Filho, Sonia Coutinho, Jomard Muniz de Britto, Hélio Pólvora, Edson Nery da Fonseca, Sebastião Nery e Hélio Contreiras.
Ainda em fase de estudos e licitação, a obra bilionária poderá ser executada por um consórcio formado pelas construtoras Odebrecht, OAS e Camargo Corrêa. Como que por ironia do destino, um dos diretores executivos da OAS, responsável pela proposta da empresa para o projeto, é irmão do romancista baiano.
Jaques Wagner classificou como “besteirol” os argumentos de Ubaldo, e Fatinha também segue defendendo a ponte, cujo objetivo principal seria facilitar o deslocamento entre as regiões do maior Estado do Nordeste, ao conectar as rodovias federais BR 101, 116 e 242 ao porto de Salvador.
“É mais vetor de crescimento para o Estado”, explica ela. “Respeito a opinião de João Ubaldo que como todo cidadão tem o direito de opinar. Mas continuo achando que a ponte resgatará muita coisa boa perdida. É só fazer tudo com responsabilidade e isso Jaques sabe fazer.”
Apesar de já ter causado redemoinhos e princípios de tempestade, a segunda esposa de Jaques Wagner (a primeira foi Beth, com quem ele tem três filhos) apoia o marido dessa mesma forma sempre que questionada sobre os propósitos ou despropósitos de ações do governo dele. Demonstra manter, assim, a paixão dos tempos de namoro, quando ele era candidato a deputado federal, no início dos anos 1990.
Na verdade, Fatinha se apaixonou primeiro pela foto de Wagner em um panfleto da campanha. Depois é que o conheceu, em um jantar. Até parece com o destino de Evita, que, quando adolescente, dizia: “Só me casarei com um príncipe ou um presidente”.
Com o marido ocupando o cargo mais alto do poder baiano, Fatinha teve de aprender a conviver com admiradores de todos os tipos, que não deixam de expressar certa tietagem por ele. Mas atualmente ela convive com esse assédio numa boa, e até se diverte com isso. Afinal, também é alvo de tietagem, inclusive entre o público GLS. Desde 2007, anualmente ela comparece à Parada Gay de Salvador, e em 2010 foi elevada à categoria de diva-madrinha pelos organizadores devido a esse apoio. O objetivo maior é mostrar que “toda forma de amor vale a pena”. É tudo o que ela diz, sem mais discussão, sem rodeios, como boa filha de Iansã.
Se Evita era bonita e despertava a imaginação dos homens do povo, Fatinha não deixa por menos. Tem voz grave, sempre bem colocada, cabelos castanhos soltos e selvagens e um corpo enxuto, de dar inveja a senhoras mais jovens. Mãe de Eduardo, 22 anos, ela não esconde que gosta de usar bons cremes e frequentar salões de beleza da high society. Montou uma pequena academia no palácio do governador, com direito a bicicleta dentro da piscina. Certa vez, juntou tantos pontos por comprar em uma rede de delicatessen soteropolitana que podia trocá-los por cinco dias em um spa na praia de Busca Vida, no litoral norte de Salvador. Trocou os pontos e, munida de óculos escuros e chapéu, aproveitou o prêmio para cuidar de si.
Durante o recesso de um mês no trabalho da VSBA, que termina em primeiro de fevereiro, Fátima diz que está aproveitando, entre os demais compromissos oficiais, como visitas, entrevistas e viagens, para tomar banho de mar e colocar a leitura em dia, com 1822, de Laurentino Gomes. É uma primeira-dama que lê. Apaixonou-se por Amor nos Tempos do Cólera, de Gabriel García Márquez, e também pela biografia de Frida Kahlo. Elogia em Frida a paixão pelo marido e a capacidade de dar o troco na mesma moeda, em caso de traição. É de Iansã, mesmo, a mística Fatinha.
Janeiro foi tempo de comemorar a vitória de Dilma, de Jaques Wagner, completar 52 anos e se preparar para mais quatro de vida pública. A partir desse segundo round como primeira-dama, terá de manter a consistência da atuação, livre de mau-olhado. E mais: lidar com os rumores de que será candidata à prefeitura de Salvador em 2012. “São os amigos que estão falando e repercutindo por acharem que uma mulher prefeita seria muito bom. Graças a Deus sou muito querida, muita gente gosta de mim e gostaria que eu fosse candidata. Mas não tem fundamento, pois ainda é muito cedo e eu não quero, pelo menos hoje”, responde. Desafios não faltarão. Dizem que um talismã dado protege tanto o presenteado quanto aquele que presenteia. É esperar para ver.
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