Ideias vasconcelianas

Naná Vasconcelos não para, não nana, nada disso. Qualquer tentativa de retrato dele vai sair borrada, pois ele está sempre em movimento. Recém-chegado da Europa onde realizou shows especialíssimos, o percussionista achou um tempinho para falar à Brasileiros sobre o novo disco, Sinfonia e Batuques, dizendo-se ansioso com sua participação nos shows de lançamento da Caixa Preta, de Itamar Assumpção, realizados no final de outubro, com músicas de Vasconcelos e Assumpção, Isso Vai Dar Repercussão, CD de ambos.

Aos 66 anos, o pernambucano Juvenal de Holanda Vasconcelos é uma lenda muito viva. Você pode dizer qualquer nome de artista e não dá outra, Naná já tocou com a figura. Para que se tenha uma ideia de quem ele é, basta dizer que até Naná aparecer, a música mineira de Milton Nascimento não tinha encontrado um ritmo adequado. Quando o disco Milagre dos Peixes teve todas as suas letras proibidas ou mutiladas pela censura, foi Naná quem salvou a pátria, criando uma percussão vocalizada – presente em seu trabalho até hoje. “Sequestrado” no Rio de Janeiro pelo argentino Gato Barbieri, às vésperas de ser descoberto por Hollywood, Naná tornou-se o embaixador de nossa música em todo o mundo (*).
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Como no caso do disco censurado de Milton, Naná é o cara a ser chamado quando um trabalho necessita de um plus, um algo mais. O homem das ideias. Nada mais natural que alguém assim crie suas próprias ideiazinhas em algum reservatório particular. Sinfonia e Batuques é mais ou menos isso. Ideias de Naná devidamente desenvolvidas, tratadas em estúdio. O título, que também é o nome de uma das faixas, dá a pista. A junção entre os instrumentos utilizados na música erudita e os de percussão é uma constante no trabalho de Naná, merecedor de frequente aprimoramento. A ideia de Naná foi o encontro imaginário entre um grupo de batuqueiros de maracatu e músicos de uma orquestra sinfônica. Estes ensaiavam em um parque, para um concerto ao ar livre, quando o grupo folclórico surge em plena função. E a ideia passa integral, robusta, multicolorida e magnificamente musicada, da cabeça do percussionista para nossos ouvidos. Porque Naná vê coisas. Vê, sente, ouve. E reproduz.

Lamentos, outra faixa do CD, traz os sons que os negros capturados na África ouviam nos porões dos navios. Uma ideia semelhante à que Jimi Hendrix teve ao sonorizar o Hino Nacional americano com a Guerra do Vietnã, os bombardeios, os… lamentos – não é à toa que Naná aponta o guitarrista como um de seus músicos favoritos. A música tem como célula rítmica o som da água batendo no casco do navio negreiro. A célula é outra ideia de Naná, que surgiu na piscina de sua casa em Recife. Valendo-se de sons criados com as mãos e objetos na água da piscina, devidamente gravados, tratados no estúdio e loopados – ou seja, repetidos em sequência, em looping -, o percussionista criou tantos efeitos sonoros, como os utilizados em Lamentos, quanto padrões, que deram origem à Suíte das Águas, uma das composições mais marcantes do CD.

Suíte é formada por dois temas diferentes. Batuque das Águas, desenvolvida recentemente, e Aquela do Milton, em homenagem a Milton Nascimento. Porque as ideias de Naná não são apenas rítmicas ou melódicas, envolvem sentimentos.

Ele convidou sua filha, Luz Morena, para participar do disco. A pianista de 11 anos venceu o mais recente concurso Magda Tagliaferro e divide com o pai três vinhetas: Mistérios, Pedalando e Canção para Nanile. No total, são 12 faixas, durante as quais Naná passeia com seu talento. Desde uma
homenagem à Mãe Menininha do Gantois – a canção Menininha Mãe -, com um coro de crianças, a um samba partido-alto com direito a violão de sete cordas, Requebra. A única composição que não assina é Recife Nagô, de autoria de J. Michiles, pai de César, o flautista que “assola” o CD Sinfonias e Batuques.

Depois de participar na Escócia de um concerto com crianças cantando em gaélico, Naná tocou em Oslo, na Noruega, diante da família real. A convite do cineasta Walter Salles e da World Cinema Foundation, de Martin Scorcese, o percussionista tocou, ao lado dos brasileiros Rodolfo Stroeter e Marlui Miranda, a nova trilha sonora composta pelo norueguês Bugge Wesseltoft para o filme Limite, obra única e cult dirigida, em 1931, por Mário Peixoto. Não foram poucos os protestos contra a adulteração da trilha original escolhida por Peixoto entre obras de autores como Eric Satie.

Mas é inútil impor limites a quem não os tem. Caso de Naná Vasconcelos.

A caixa de Pandora


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