Ilha da fantasia

Vista das piscinas Social, Infantil, semi-olímpica e olímpica

No quadrilátero composto pelas ruas Honduras, Colômbia, Estados Unidos e Argentina, coração do Jardim América e um dos metros quadrados mais nobres de São Paulo, como uma ilha avistada no final da Rua Augusta, um centenário morador resiste ao processo de verticalização que, há décadas, tomou conta do bairro da Zona Oeste. Foi nesse quarteirão que, em 1917, o Club Athletico Paulistano (fundado em 1900, no centro da cidade) encontrou sua sede definitiva e fez história. Em depoimentos de antigos funcionários e do corpo diretivo do clube, composto por sócios que cresceram entre as piscinas e quadras poliesportivas (e também em um relato pessoal do jornalista Tão Gomes Pinto), nossa reportagem revela momentos e personagens que marcaram a história do Paulistano.

Os reis do futebol

Inaugurado em 30 de novembro de 1900 no extinto Velódromo Municipal (demolido 15 anos depois, para a criação da rua Nestor Pestana), o Paulistano surgiu com a proposta de oferecer um espaço com opções de lazer e a prática de esportes, como o futebol, que ganhava cada vez mais popularidade no Brasil. Os poucos clubes sociais que já existiam em São Paulo eram exclusividade de imigrantes (como o Esperia, fundado, meses antes, por italianos). O Paulistano chegou para quebrar essa regra, acolher famílias tradicionais e impor a força de seu escrete futebolístico. Resiliente, mesmo sem sede, após a demolição do velódromo, o time emplacou um (até hoje) inédito tetracampeonato estadual (entre os anos de 1916 e 1919 quando o esporte ainda não havia sido profissionalizado por aqui, fato que só ocorreria em 1933). Construída entre os anos de 1915 e 1917, a nova sede do Jardim América foi aposta de um reduzido grupo. Cerca de 30 sócios, ignorando evidências de que o lugar era praticamente um pântano, transferiram o clube para o quarteirão que sucede a rua Augusta em direção ao rio Pinheiros. Fizeram ali também o primeiro campo profissional de futebol do Paulistano, batizado de Estádio Jardim América, e o tempo mostraria que o diminuto grupo não estava enganado. O “pântano” tornou-se exponencialmente habitável e uma nobre extensão de terra.

Em 1925, um feito histórico. Então presidente do clube, o engenheiro Antônio Prado Junior (futuro prefeito do Rio de Janeiro e filho do conselheiro Antônio Prado, ex-prefeito de São Paulo durante os anos de 1899 e 1912) levou a equipe de futebol para uma série de dez partidas contra seleções formadas por clubes europeus da França, Suíça e Portugal. Voltaram da excursão com uma derrota, nove vitórias e o título de “Reis do Futebol”, cunhado pela imprensa europeia antes mesmo de o Brasil gozar a fama de País do Futebol. Na sala do Centro Pró-Memória, que mantém a história do clube, entre milhares de troféus, bolas de couro utilizadas nas partidas repousam em uma prateleira e exibem gravados os resultados dos jogos. Uma delas eterniza o 7 a 2 em que o Paulistano, liderado por Arthur “El Tigre” Friedenreich, considerado o primeiro craque brasileiro, goleou a equipe francesa. Quatro anos mais tarde, divergindo dos rumos profissionais que o esporte tomou, a vitoriosa equipe encerrou as atividades. O Estádio Jardim América deu lugar a oito quadras poliesportivas. Em 1930, parte dos dissidentes fundou o São Paulo Futebol Clube. O Paulistano oferece hoje a prática amadora de cerca de 20 modalidades e mantém a tradição de ser berço de talentos, como o iatista Bruno Prada (parceiro de Robert Scheidt, com quem conquistou a medalha de bronze, na categoria Star, nos Jogos Olímpicos de Londres de 2012), o esgrimista Renzo Agresta e o armador da Seleção Brasileira de Basquete, Marcelinho Huertas (que também foram a Londres sem repetir o sucesso de Prada e Scheidt).

Uma vida no Paulistano

“Lidei com centenas de crianças de 5 anos que hoje estão com mais de 50. Fico emocionada ao vê-los como senhores e senhoras e ainda recebo atenção e carinho.” As palavras surgem tímidas da voz miúda de Mathilde Mizael. Aos 85 anos, 56 deles no Paulistano, ela deve abandonar, no final de 2012, a grade semanal de trabalho. Dona Mathilde mora vizinha ao clube com a irmã mais nova, Jô. Com a propriedade de quem viu parte da história ali catalogada se desenrolar no dia a dia, ela é assistente do Centro Pró-Memória.

Enquanto exibe as bolas de couro marrom que comprovam os êxitos da excursão europeia dos “Reis do Futebol”, ela revela que não se casou e não teve filhos, pois vem de uma família árabe que proibia o casamento com quem não tivesse a mesma origem. Nascida no interior do Estado, em Novo Horizonte, veio a São Paulo aos 29 anos, à procura de trabalho. Contratada no dia seguinte, foi coordenar o acesso às piscinas. Fez de tudo nesse 56 anos, comandou equipes com 50 funcionários, dirigiu vestiários e organizou bailes de debutantes e de carnaval. “Lembro de um baile de carnaval em que quatro mil pessoas lotaram o ginásio. Por falta de espaço, o pessoal começou a dançar em cima das mesas!”

Dona Mathilde se aposentou em 1986, mas continuou a dedicar seus dias ao Paulistano. Em 2006, completou 50 anos no clube e escreveu um poema: “Dentre as flores e os jardins/Tantos sorrisos encontrei/Que a todos quero agradecer”. Gratidão tamanha, que ela encerra a entrevista dizendo que gostaria de ter 30 anos a menos para continuar se dedicando ao trabalho. Mas a merecida aposentadoria definitiva a levará de volta a Novo Horizonte, onde retomará o convívio com os irmãos Lídia, Catarina, Fausto e Fuad.

 

Do manguezal à presidência do Paulistano

Inaugurado em 1957, o edifício onde fica a presidência do clube foi projetado pelo ucraniano Gregori Warchavchik. Naturalizado brasileiro em 1927, ele foi um dos pioneiros da arquitetura moderna no Brasil. Entre pilotis que invadem a sala envidraçada, é possível avistar também o ginásio Antônio Prado Junior. Criado por Paulo Mendes da Rocha e João Eduardo de Gennaro, foi inaugurado em 1961. Diante dessa vista parcial da “Ilha da Fantasia”, como alguns se referem ao clube, o empresário e atual presidente, Antônio Carlos Vasconcellos Salem reconstitui sua trajetória de sócio a líder do clube. Com a voz embargada ao lembrar-se de seus pais, ele pede ao irmão, o jornalista Armando Salem, para prosseguir. Armando sugere que seu depoimento talvez não seja importante, mas o relato merece registro. Ao emendar a fala do irmão, ele relembra das manhãs em que os dois, cúmplices, desciam a rua Augusta de bondinho e enfrentavam o “manguezal” do entorno do Paulistano, no começo da década de 1950, para jogar futebol, voleibol e nadar.

“Assumi a presidência com 13 milhões em caixa e vou devolvê-la, em março de 2013, com 25. Desde o começo de 2012 não vendemos mais títulos. Quem quiser entrar, tem de comprar de quem queira sair. A taxa de transferência está fixada em R$ 360 mil reais. Mas tem quem pague. O clube virou objeto de desejo, pela segurança que existe aqui”, defende Salem. Diretor de Bares e Restaurantes, Antônio De Franco Netto, o Didi, reitera o argumento do presidente. Experiente advogado criminalista (e solteirão convicto), Didi enfatiza que a recente onda de assaltos a restaurantes paulistanos fez com que a área que ele coordena experimentasse um crescimento de 35% no movimento. Somente nos finais de semana, o clube recebe cerca de dez mil visitantes.

Apesar dos números positivos, Salem vem lidando com um imbróglio judicial, decorrente do estatuto do clube, que prevê a venda de títulos para solteiros e casais, formados por homem e mulher, com união estável comprovada. Um dos sócios, o médico Ricardo Tapajós, tenta desde 2009 incluir o parceiro como dependente. Submetido à votação de um conselho composto por 220 sócios, o pedido foi indeferido e o Paulistano chegou a ser acusado de praticar homofobia. Em fevereiro de 2012, a Justiça determinou que o clube acatasse o pedido do médico, mas um recurso adiou a decisão e a questão ainda tramita. Para o presidente, a acusação de homofobia é injusta, uma vez que sócios e visitantes jamais foram submetidos a critérios de orientação sexual.

Polêmicas à parte, a excelência dos serviços foi constatada em recente pesquisa encomendada ao Ibope. “Oitenta e cinco por cento dos sócios revelaram satisfação total!”, celebra Paschoalino Pierri, associado do Paulistano desde 1964 que, aos 83 anos, exerce o cargo de diretor social. Economista, Pierri foi executivo de empresas como a Metal Leve e o jornal Gazeta Mercantil. Hoje, considera sagrado o direito de se divertir. “Trabalhei por décadas, até que um dia resolvi desenvolver meu lado fútil. Era um homem de números e virei um homem de festas. Agora, cuido dos meus creminhos e ando 6 km por dia.” Mantendo uma tradição iniciada com o célebre show de Ray Charles, em 1963, Pierri levou ao clube outras estrelas internacionais, como Natalie Cole, Dione Warwick e John Pizzarelli. Os brasileiros Rita Lee, Lulu Santos, Zeca Pagodinho, Frejat e Paralamas do Sucesso também foram contratados recentemente. O clube ainda oferece dezenas de atrações culturais do núcleo dirigido por Eduardo Telles, como a primeira Virada Paulistano, realizada em outubro que, inspirada na Virada Cultural, também ofereceu aos sócios 24 horas ininterruptas de atividades culturais.

A conversa prossegue com Didi. Ele fala sobre sua rotina, que tem início na cozinha, às 6 horas, quando orienta sua equipe para as contingências do dia. Sócio do Paulistano desde 1961, ele considera os frequentadores e os funcionários sua segunda família: “De cada dez que encontro nos corredores, converso com oito”. Armando, que julgou supérfluo depor, dá um belo veredito sobre a tese defendida por Didi: “Euclides, Jorge, Pacheco, Antônio… Posso fazer uma lista sem fim de funcionários que se foram, mas ‘continuam’ aqui. O Paulistano é feito dessas figuras inesquecíveis. Nossos pais, nós e nossos filhos crescemos com o carinho e generosidade dessas pessoas. Uma relação que, sem ela, o Paulistano jamais existiria”.

O PAULISTANO

por Tão Gomes

Recostado em uma confortável chaise longue, próximo à piscina, mas protegido por um gradil e uma umbrella branca, mergulho não nas águas que ainda devem estar frias nesta primavera, mas nas minhas recordações. E vou fundo nelas. Desço até o ano de 1955, eu chegando do Rio, onde passaria o Natal na casa de tia Sylvia e tio Luiz, descendo no aeroporto com meu terninho marrom, mas já trazendo um mau, um pressentimento horrível. Meu pai, que se recuperava de uma simples operação de hérnia, morto. Tia Sylvia havia sido acordada de madrugada (eu, detalhe, não sabia) com um telefonema de mamãe. Vi seus olhos se encherem de lágrimas na hora da despedida. Quando o DC-3 da Real apagou seus motores, percebi pela janelinha outro tio, meu xará, ali ao pé da escada. Ele fora me buscar em Congonhas. Era apenas uma confirmação.

Nos dias seguintes, na habitual recolha de papéis do falecido, abro uma gaveta do armário de papai. Estavam lá cópias da carteira de motorista, do RG, papeizinhos, anotações e, para minha surpresa, uma carteirinha do Club Athletico Paulistano. De couro marrom. Pequenininha. Preservada como uma joia. Fausto Gomes Pinto, meu pai, sócio número 1144. Dentro dela, o recibo de 250 mil réis, datado de 3 de janeiro de 1927, devidamente estampilhado com um selo de 600 réis. Assinava “o thesoureiro” João B. da Cunha Bueno. Era o recibo da “jóia”, escrito assim mesmo. Uma joia cuidadosamente dobrada em quatro partes, dentro da outra joia.

Meu pai nunca me disse que havia sido sócio do Paulistano. Mas eu percebia, quando conversávamos sobre futebol, que seus ídolos haviam ficado no passado. Pelé ainda não existia. Leonidas da Silva encerrava carreira no nosso time, meu e de papai. Mas ele parecia pouco entusiasmado, inclusive com o célebre Diamante Negro. Em compensação, vibrava a cada vez que mencionava Clodô (Clodoaldo Caldeira) e Bartô (Bartolomeu Vicente Cugani). Dois beques que devem ter sido fora de série. E no ataque, ali… Tinha o Araken Patusca, os dribles do Amphilóquio Guarisi Marques, o Filó.

Ah, sim, também o “thesoureiro” João da Cunha Bueno. Todos jogadores do Paulistano que participaram da memorável excursão à Europa, a primeira de um clube brasileiro, que espantara o mundo então considerado civilizado com seu talento. Foram goleadas em cima de goleadas, que deixavam boquiabertos os jornalistas da França e adjacências. Les petits bresiliéns sont fantastiques. E, acima dos demais jogadores, considerado por unanimidade pela imprensa brasileira e internacional, pairava a figura de Arthur Friedenreich.

Desde garotinho, papai me falava das proezas do rapaz, filho de um alemão com uma negra. Hoje, o futebol mudou muito e seria impossível comparar “Fried” com Pelé, Messi. Mas, enquanto viveu e jogou, El Tigre (era seu apelido, dado por uruguaios e argentinos) devia ser um fenômeno. Quantas e quantas vezes ouvi papai contar sua experiência no Campeonato Sul-Americano de 1919, salvo erro, o primeiro de uma longa história feita de rivalidades e êxitos comemorados com entusiasmo até excessivo.

Papai foi ao Rio de Janeiro, participou da inauguração das Laranjeiras, na época chamado de “Gigante”. Um “gigante” que acomodava 18 mil pessoas, público inferior, muitas vezes, aos atuais desafios do Brasileirão. Fried faria o primeiro gol nas Laranjeiras, mas não foi esse o mais importante da sua vida. Aconteceria na final do campeonato, depois de um empate de 2 a 2 com o Uruguai. Na decisão, empate de 0 a 0. Vem a primeira prorrogação. Nenhum gol. A segunda, nada de gols. Na terceira, depois de mais de três horas de jogo, Fried marca. Papai estava lá. O Clube Paulistano estava lá. A Gazeta, naqueles anos um jornal influente, estampou na primeira página, em tamanho natural, o pé de Fried. No Rio, papai acompanhou o cortejo que levou a chuteira do craque a uma loja do centro, onde ficou exibida por três dias sob forte aparato policial. Em São Paulo, uma carreata de dois mil automóveis acompanhou Fried e seus companheiros da Estação da Luz à sede no Jardim Europa. Dali, voltou para a Praça da Sé, lotada.

Mas o futebol já desandava. Brigas políticas entre entidades, o dilema do profissionalismo marrom (Antônio Prado “contratara” Arthur Friedenreich como funcionário da Antarctica, onde anos depois ele se aposentou), a violência inevitável em um esporte de muito contato físico, tudo isso fez com que Antônio Prado, que mandava no clube como se fosse sua casa, pusesse abaixo as arquibancadas do campo de futebol e mandasse instalar quadras de tênis no local.

Creio que foi nessa época que o sócio Fausto Gomes Pinto decidiu guardar para sempre o seu passado de torcedor. Ele era um apaixonado pelo futebol do Paulistano.

Ah… Se meu pai pudesse ver o Clube Paulistano de hoje, sentar-se, como eu, naquela magnífica ilha verde em meio à massa de edifícios que sobe em direção à Avenida Paulista. Claro, a hipótese é absolutamente improvável. Mas ele iria se divertir com as histórias dos frequentadores mais antigos. E, se pudesse estar ali, aos 73 anos, ouvindo como se fosse ainda um garoto, as aventuras (ou desventuras) de alguns “veteranos” do bom e velho CAP.

Interrompo… Ao longe, vejo Roberto Gusmão caminhando perto da quadra de frontão, a única que restou das três que existiram em São Paulo e, por isso, foi tombada pelo clube e ganhou o nome de Marcelo Fernandes, o Marcelão. Mas Gusmão não me viu. Ele foi o primeiro a me mostrar que a política pode ser jogada com cartas na manga, mas sem excessos, enfim um jogo com um mínimo de decência, quando fui secretário de Imprensa do governador Franco Montoro, depois dele, o ministro Roberto Gusmão.

Como, quem? Tony Bennett no Paulistano? Ouvi direito? Quem está falando debaixo do ombrelone é Armando Ferla, aparentando menos idade do que deve ter (foi professor de tênis nos EUA), e acrescenta: “É Tony Bennett, sim. Ele estava hospedado aqui no Emiliano e a assessoria perguntou se poderíamos deixá-lo usar o clube. Claro. E até conseguir alguém para jogar com ele”. Ferla, um conquistador nato de simpatias, logo estava assim com Tony. Por precaução, os dois sentaram-se de costas para a piscina. O que Tony menos desejava era ser importunado pela habitual histeria dos pedintes de autógrafos e assemelhados.

Jogaram o suficiente para fazer Tony suar um pouco. Aí, ele deu uma olhada em volta, observou os equipamentos que o clube tinha a oferecer, sentiu o clima, relaxou e perguntou: “Ferla, how much do you pay for this”. Ferla fez o câmbio: “I pay almost US$ 120 or US$ 130”, referindo-se aos valores das mensalidades atuais. Tony deu outra geral na paisagem e balançou a cabeça: “You know, in Hollywood it would cost something about US$ 5.000”. Esse episódio entre Armando Ferla e Tony Bennett – aqui um parênteses: encontrar no clube stars, de Juca de Oliveira a Janet Leigh (então no apogeu da glória, tinha acabado de fazer Psicose), não deve surpreender ninguém – abriu uma pendência até hoje não resolvida.

Clovis Toledo Piza, mais conhecido como Clovito, é o responsável pelos talentos musicais do CAP. Durante essa primeira visita de Tony Bennett (ele já esteve lá duas vezes), Clovito, excelente cantor, especialmente de tangos, foi um tanto marginalizado. Afinal, ele, como chefe dos talentos musicais e tendo estudado canto lírico, deveria ter maior presença, tratando-se da visita de um cantor de fama internacional. Na revista do clube, no entanto, aquela visita de Tony Bennett foi registrada com uma foto em que ele aparece ao lado de Sergio Bonadio, simples frequentador dos “talentos”. Clovito até hoje insiste em dizer que a foto com Bonadio foi uma montagem feita especialmente para provocá-lo. Conversando com fontes, estamos em condições de confirmar a autenticidade da foto. É claro que nosso depoimento não vai mudar a posição de Clovito. Para ele, foi um truque e ponto final.

Nas épocas eleitorais para o conselho e, em seguida, para a presidência do clube, essas “tiradas de sarro” inocentes viram polêmicas levadas às ultimas consequências. Certa vez, o sócio conselheiro Flávio Trivella, delegado da Polícia Federal, o homem que comandou a segurança do papa na visita ao Brasil, convidou seu amigo Ronaldo “Fenômeno” para conhecer o clube. Avisou o presidente Antonio Carlos Salem, que autorizou na hora. E mais. Disse que fazia questão de recebê-lo em sua sala, que fica no terceiro andar.

Ronaldo foi até lá, tomou cafezinho com o presidente, bateram um longo papo. Nunca poderia avaliar o tumulto que a visita provocaria. A “oposição” esbravejou, fez minicomícios. Ronaldo subiu até lá de tênis, o que era proibido pelo estatuto do clube. Alguém lembrou que a regra nunca tinha sido quebrada em cem anos de existência. Houve quem citasse o rigor de Antônio Prado Junior, o fundador, que exigia terno e gravata.
Enfim, tratou-se de explorar o episódio ao máximo. Hoje, o estatuto está um pouco atenuado. Mas na boate, onde acontece a Sunset Hour, ainda se exige terno e gravata.

Meu pai adoraria ouvir essas histórias. Ou só olhar figuras anônimas como ele (provavelmente, é o que faria, dado seu temperamento), solitários, gente que chega, pratica um esporte, assiste a um
filme (as sessões de cinema são bastante procuradas, a violência empurra as pessoas para dentro do clube). Daria, claro, uma passada na área cultural. Afinal, anos após sua morte, minha mãe, a artista Wega Nery, expôs ali a convite de Eduardo Telles Pereira, que dinamizou o departamento, trazendo conferencistas
de primeira linha (a palestra de Washington Olivetto foi assistida por mais de 500 pessoas). Como diz o livro comemorativo do centenário do clube, o Paulistano é hoje um conjunto de individualidades, excentricidades, personalidades díspares. Cada vez mais, deixa de ser um clube de “exclusivos”. Nisso, segue o ritmo da cidade da qual emprestou o nome.

O automóvel, por exemplo, que hoje congestiona São Paulo a ponto de transformar a questão da mobilidade urbana em um dos principais temas da última campanha eleitoral, receberia tratamento especial. A adaptação a essas realidades de São Paulo levou o clube a construir um estacionamento subterrâneo de dois andares, idêntico a um desses em shopping center, obra iniciada pelo ex-presidente Cesar Ciampolini e terminada na gestão de José Manuel Castro Santos, que já foi presidente por duas vezes e voltará ao cargo em 2013.

Democraticamente eleito pela terceira vez, diga-se, embora alguns amigos, outros nem tanto, comentem brincando que o futuro presidente, apesar da aparência jovial, mais a quadra de frontão, e o conselheiro Luis Edmur de Albuquerque sejam os únicos monumentos “tombados” pelo patrimônio histórico muito peculiar desse clube. E foi lá, no bate-papo que, em alguns casos resvalou para certa intimidade, que eu descobri, surpreso, que a famosa anedota do cidadão que já meio bamboleante entra no táxi, o motorista pergunta “Pra onde, doutor?”; o doutor responde “Jamais saberás”, aconteceu na vida real. Mais exatamente aconteceu na porta do Clube Paulistano! E só não revelo o nome do “doutor” porque um segundo episódio poderia comprometê-lo.

Um dia, esse mesmo senhor, deixou a antiga boate Vagão, famoso pela beleza de suas damas e já trocando as pernas, viu um táxi estacionado, abriu a porta e afundou-se no banco traseiro. O motorista não teve sequer tempo de pedir que pegasse o carro de trás. Um pneu do táxi estava murcho. Tentou avisar o passageiro, cutucou-o, mas ele já estava mergulhado em um sono profundo. Acordou meia hora depois, meio assustado. Olhou para fora, reconheceu o Vagão, virou-se para o motorista que cochilava na direção e disse: “Ah… Ótimo, já chegamos. Quanto lhe devo?”.


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