Imbróglio na Bienal de São Paulo

pavilhão

A Fundação Bienal de São Paulo rompeu, no final da tarde de hoje, o silêncio que manteve sobre a carta aberta assinada por 55 dos cem artistas participantes da 31ª Bienal de Arte Internacional de São Paulo, divulgada ontem (leia a íntegra abaixo). Na carta, eles pedem que a instituição recuse o patrocínio e remova o logotipo do Consulado de Israel do catálogo e do site da mostra.

Por meio da assessoria de imprensa, a Fundação Bienal se manifestou por meio da seguinte nota: “A Fundação Bienal, após tomar conhecimento da carta dos artistas ontem, 28 de agosto, recebeu um representante dos signatários. A instituição se compromete a levar ao Conselho a discussão sobre os modelos de participação e captação de recursos internacionais para a realização das mostras futuras”. 

O grupo de sete curadores desta Bienal, liderado pelo escocês Charles Esche, também se manifestou por meio de nota oficial, informando que “esse é um tema maior que a 31ª. Bienal”. No documento, eles pedem que a Fundação “revise suas regras atuais de patrocínio e se certifique de que artistas e curadores concordem com qualquer apoio a seu trabalho que possa ter um impacto em seu conteúdo e recepção”.

O texto do grupo curatorial afirma ainda que “nós, os curadores desta Bienal, apoiamos e compreendemos” a posição dos artistas que se manifestaram. “Acreditamos que a declaração e a demanda dos artistas também devem ser um gatilho para pensar sobre as fontes de financiamento de grandes eventos culturais. Na 31ª. Bienal, grande parte dos trabalhos procura mostrar a luta por justiça no Brasil, na América Latina e em outras partes do mundo. A ideia de viver em tempos de transformação é fundamental para esta bienal, momentos em que velhos padrões de comportamento estão exaustos e crenças de longa data são questionadas. Essa transformação também afeta a relação entre curadores e organizadores de grandes eventos culturais, como esta Bienal.”

Até o momento, os signatários não voltaram a comentar o assunto. A discussão entre diretores da fundação, curadores e artistas acontece a uma semana da abertura da 31ª Bienal Internacional de Arte de São Paulo, prevista para ser inaugurada no próximo dia 6, no Parque Ibirapuera. Com o tema Como Falar de Coisas que Não Existem, o evento reúne 81 projetos de cem artistas.

Os artistas que assinam a carta, de diversas nacionalidades, exigem, além da devolução do patrocínio, que o logotipo do Consulado de Israel, que está no catálogo e no site da exposição, seja removido. Isso porque, ao clicar no link, o internauta é direcionado à página do consulado, em que há um texto que afirma que Israel agiu na Faixa de Gaza por hostilidades cometidas pelo Hamas e o grupo é uma organização terrorista. À rádio CBN, o cônsul de Israel em São Paulo, Yonel Barnea, lamentou pela manhã de hoje o episódio, afirmando que é preciso separar política de cultura. “Isso não se trata de política. Esperamos que se encontre uma solução para a participação de todos.”

Pessoas ligadas ao universo das artes, como pensadores, galeristas, colecionadores e artistas evitam comentar publicamente o episódio. Há quem diga que a movimentação não é uma ameaça ao governo de Israel, e “sim ao povo brasileiro, que corre o risco de perder a exposição”. Outros consideram essa possibilidade um exagero. “Eles vão se acertar”, afirmou um colecionador, que preferiu não se identificar.

A íntegra da carta e a lista dos artistas que já assinaram o manifesto.

Carta aberta à Fundação Bienal de São Paulo,

Nós, os artistas abaixo assinados participantes da 31 Bienal fomos confrontados, às vésperas da abertura da exposição, com o fato de que a Fundação Bienal de São Paulo aceitou dinheiro do Estado de Israel e o logo do Consulado de Israel aparece no pavilhão da Bienal, em suas publicações e em seu website.

Numa época em em que o povo de Gaza volta para os escombros de suas casas, destruídas pelo exército israelense, não sentimos que seja aceitável receber patrocínio cultural israelense. Ao aceitar esse financiamento, o nosso trabalho artístico exibido na exposição é prejudicado e, implicitamente, usado para legitimar agressões e violação do direito internacional e dos direitos humanos em curso em Israel. Rejeitamos a tentativa de Israel de se normalizar dentro do contexto de um grande evento cultural internacional no Brasil.

Com essa declaração, nós apelamos à Fundação Bienal de São Paulo para recusar esse financiamento e agir sobre esse assunto antes da abertura da exposição.

1. Agnieszka Piksa – Polônia

2. Alejandra Riera – Argentina

3. Ana Lira – Brasil

4. Andreas Maria Fohr – França

5. Asier Mendizabal – Espanha

6. Chto Delat collective: Dmitry Vilensky, Tsaplya Olga Egrova, Nikolay Oleynikov – Rússia

7. Danica Dakic – Bósnia

8. Débora Maria da Silva and Movimento Mães de Maio – Brasil

9. Erick Beltran – Argentina

10. Etcetera… / Federico Zukerfeld/Loreto Garin Guzman – Indonésia

11. Farid Rakun – Chile

12. Francisco Casas y Pedro Lemebel (Yeguas del Apocalipsis) – Brasil

13. Gabriel Mascaro – Brasil

14. Graziela Kusch – Brasil

15. Grupo Contrafilé – Brasil

16. Gulsun Karamustafa – Turquia

17. Halil Altindere – Turquia

18. Heidi Abderhalden – Colômbia

19. Imogen Stidworthy – Inglaterra

20. Ines Doujak – Áustria

21. Jakob Jakobsen – Dinamarca

22. John Barker – Inglaterra

23. Jonas Staal – Holanda

24. Lia Perjovschi and Dan Perjovschi – Romênia

25. Liesbeth Bik and Jos van der Pol – Holanda

26. Lilian L’Abbate Kelian – Brasil

27. Loreto Garin – Chile

28. Luis Ernesto Díaz – Venezuela

29. Mapa Teatro-Laboratorio de Artistas – Brasil

30. María Berríos – Colômbia 

31. Maria Galindo & Esther Argollo, Mujeres Creando – Colômbia

32. Mark lewis – Canadá

33. Marta Neves – Brasil

34. Michael Kessus Gedalyovich – Israel

35. Miguel A. López – Peru

36. Nilbar Güres – Turquia

37. Otobong Nkanga – Nigéria

38. Pedro G. Romero Archivo F.X. – Espanha

39. Prabhakar Pachpute – Índia

40. Rolf Abderhalden – Colômbia

41. Romy Pocztaruk – Brasil

42. Ruanne Abou-Rahme Basel Abbas – Estados Unidos

43. Sandi Hilal and Alessandro Petti – Palestina e Itália

44. Santiago Sepúlveda – Colômbia

45. Sergio Zevallos – Peru

46. Sheela Gowda – Índia

47. Tamar Guimarães e Kasper Akhøj – Brasil e Dinamarca

48. Thiago Martins de Melo – Brasil

49. Tiago Borges – Angola

50. Tony Chakar – Líbano

51. Voluspa Jarpa – Chile

52. Walid Raad – Líbano

53. Ximena Vargas – Bolívia

54. Yael Bartana – Israel

55. Yonamine – Angola


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