‘‘Impeachment tirou a credibilidade do país’’

Apreensão. Amorim em seu apartamento, em frente a uma tela de Carlos Bracher. Foto: Marco Pinto/Brasileiros
Apreensão. Amorim em seu apartamento, em frente a uma tela de Carlos Bracher. Foto: Marco Pinto/Brasileiros


Para o chanceler
mais longevo da história do Itamaraty, o impeachment da presidenta Dilma Rousseff tira a credibilidade do Brasil como ator internacional. Eleito na última quinta-feira (23) diretor-geral da Unitaid, órgão mundial para o combate a doenças como tuberculose, malária e Aids, Celso Amorim, que é ex-ministro das Relações Exteriores de Luiz Inácio Lula da Silva, ex-ministro da Defesa de Dilma, há fortes elementos de que houve uma conspiração para afastar a petista e enterrar as investigações da Operação Lava Jato – o que já é percebido País afora. Para ele, também é notório que, por trás dos ataques a Lula, a Dilma e ao PT, existe o ódio contra um ope­rário, uma presidente mulher e os pobres que subiram de vida na última década. Sobre o governo interino de Michel Temer e a ida de José Serra ao Itamaraty, Amorim demonstra apreensão com uma mudança de política externa. O trabalho que conduziu ao longo de nove anos e meio agora estaria em xeque. Construir é difícil, des­truir nem tanto, diz ele. Amorim se preocupa com a flexibilização do Mercosul, o enfraquecimento da política com a África e acordos bilaterais que poderiam, segundo ele, enterrar a política industrial brasileira.

Brasileiros – A seu ver o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff é golpe?

Celso Amorim – Há várias definições para golpe no dicionário. Uma delas diz que golpe é uma mudança súbita. No nosso caso não foi súbito, mas tudo o que a gente está vendo agora nos faz acreditar que há elementos de golpe, inclusive a conspiração prévia. Outra coisa que chama a atenção é a mudança de projeto político. É como se mudasse da Cristina Kirchner para o Macri sem uma eleição. O Temer fazia parte da chapa da Dilma, mas ele fez uma aliança para o lado oposto. Isso tira a legitimidade do movimento, independentemente do fato de que as acusações contra ela, as pedaladas fiscais, são coisas menores, praticadas por outros governos, e que o TCU aceitava. Como nada apareceu com relação a ilícitos que levasse ao impedimento, pegaram isso. Os parlamentares que deram as justificativas para votar “sim” na Câmara falaram da conjuntura da obra e ninguém pode ser impedido pela conjuntura da obra. Tem que esperar a eleição. Os fatos que apareceram agora levam a crer que de fato havia um desejo de tirar Dilma, o PT e uma coligação de centro-esquerda, mas também de amortecer a pressão das investigações da Lava Jato. Se você quiser se apegar à ideia de que golpe é súbito, não dá para chamar de golpe, mas se for olhar para a substância, se não for golpe, é algo muito parecido com isso.

E como o senhor avalia a reação da comunidade internacional?

O impeachment tirou o soft power, tirou a credibilidade do Brasil como ator internacional. Quando vejo, por exemplo, o que se falou nesse encontro do Serra na Argentina, de intermediar uma crise na Venezuela… O Brasil não tem credibilidade para intermediar crise nenhuma. Estamos de um lado. É muito diferente do que aconteceu na época do presidente Lula. O jornal O Estado de S. Paulo fala que éramos totalmente bolivarianos. Isso não é verdade. Tivemos compreensão com esses países, assim como tivemos atitudes de proximidade com o Peru, a Colômbia, que têm governos de centro e direita. Nossa intermediação era vista como positiva porque havia confiança no Brasil. Hoje não temos mais essa confiança. É um movimento claramente de direita que está acontecendo. É uma mudança muito grande de espectro político e sem voto. É muito grave.

O que esperar da gestão de José Serra à frente do Itamaraty?

O problema não é o Serra, não tenho nada pessoal contra ele. Pelo contrário, sempre tive boa relação com ele. Uma das coisas mais importantes que eu consegui fazer foi a negociação de propriedade intelectual e saúde, quando ele era ministro da Saúde e eu era embaixador em Genebra. Eu não teria conseguido fazer se não fosse ele, e ele não teria feito sem mim. O problema é que o Brasil perdeu a credibilidade. Havia uma simpatia universal pelo Lula, pelo PT e pela Dilma, em menor nível. Existe uma percepção de que os ataques contra eles têm um componente de ser contra o pobre, contra a mulher, de preconceito contra operário. Isso afeta a credibilidade do País. As manchetes dos jornais internacionais falam em suspeita de conspiração, outros já cravam que é. Assim como quando as pessoas veem o Lula ser objeto de uma condução coercitiva sem justificativa legal. Aquilo foi feito com o objetivo de humilhar. Tudo isso cria uma dúvida. Pelo que eu li nos jornais, ninguém ligou para o presidente interino Temer. O Obama não ligou, o presidente de Portugal não ligou, a Costa Rica, que não pode ser acusada de bolivariana, manifestou sérias preocupações. O secretário-geral da OEA, um organismo cujo maior contribuinte são os EUA, também manifestou preocupação. O Brasil vai ter muita dificuldade, mas também é um país grande, ninguém vai nos ignorar ou romper relações comerciais. Mas a nossa capacidade de influência foi afetada por algum tempo.

O senhor sente que tudo o que  ajudou a construir ao longo desses anos como chanceler agora está em xeque?

Construir é muito difícil, destruir é muito fácil. Bastam duas ou três decisões erradas. Porque as pressões naturais já vão em outro sentido. Os EUA podem errar que depois consertam, são o país mais poderoso do mundo. Aqui não é bem assim. Essa coisa de flexibilizar o Mercosul, por exemplo. Eu sei que parte do empresariado já vinha dizendo isso. Alguns países do Mercosul queriam isso e nós resistíamos porque prevíamos que, se fosse flexibilizar, cada um ia para o seu lado. Uruguai queria um acordo com os EUA, nos custou muito convencê-lo de que não podia. A Argentina também. O Brasil teve que fazer força para manter a tarifa externa comum e manter os países juntos, porque isso nos fortalecia a todos como grupo para negociar. O Brasil criou uma parceria estratégica com a União Europeia, mas isso porque ela via no Brasil também a capacidade de influência na região. Você não precisa dizer que vai mudar a política africana, basta diminuir a ênfase que os projetos não vão para a frente. E se você não vai, os outros vão: antigas potências coloniais e a China também. Serra diz que não devemos ter compaixão. Compaixão faz parte da política.

“A COMPAIXÃO TEM QUE FAZER PARTE DA POLÍTICA.
SENÃO, ELA VIRA UM ASSALTO À MÃO ARMADA”

Senão, ela vira um assalto à mão armada, cada um lutando pelo seu lado. Mesmo que queira ver o seu interesse, tem que ver a longo prazo e isso envolve ter uma atitude solidária com outros países. Eu fico preocupado com esse imediatismo comercial que não percebe as coisas. Qual é o critério para fechar embaixadas? Eu ouço falar que poderiam fechar a Embaixada da Libéria. Será uma pena. É o único país africano governado por uma mulher. Parece até de propósito. Um país que lutou contra o ebola e com o qual o Brasil poderia aprender  para controlar suas próprias epidemias. A flexibilização do Mercosul nunca mais terá volta. Aí você vai pensar: “Puxa vida, não podemos liberar o comércio com a Argentina porque lá entram produtos americanos ou chineses de graça”. Falam também que o Brasil não faz parte de acordos bilaterais. O Brasil e nenhum BRICs, porque esses acordos todos são pensados com objetivos geopolíticos. Esse famoso TPP (Parceria Transpacífico), de que tanto se fala, foi feito para isolar a China. Nem convidaram a China. Independentemente dos objetivos geopolíticos, para os EUA, se puderem organizar o mundo de tal maneira que tenham um acordo com a Ásia do jeito que quiserem, com a América do Sul com algo tipo a Alca e com a Europa também, para eles é ideal. Além disso, tem as cláusulas. Todos esses acordos têm cláusulas que eles chamam de TRIPS plus. Em matéria de rigidez de propriedade intelectual, vão além do que vai o acordo da Organização Mundial do Comércio (OMC). Nós, no OMC, trabalhamos pelo contrário, para dar uma abertura. Se fizer esses acordos, o Brasil vai se desindustrializar mais rápido do que já ocorreu. E vai abandonar mais ainda os bens de capital. As pessoas criticam, mas, graças ao poder de compra da Petrobras, revitalizaram-se os estaleiros e a indústria naval brasileira, que tinha acabado. Isso dá emprego para muita gente, não é uma coisa abstrata. Na indústria química, farmacêutica também. Aceitando esses acordos, você acaba com a política industrial de vez. Fazendo um acordo de compras governamentais do jeito que era previsto na Alca, você não pode usar seu poder de compra para fomentar a sua indústria. Chico Buarque dizia que gostava que a gente falasse fino com a Bolívia e grosso com os Estados Unidos. Acho que agora está acontecendo o contrário. Você ter uma política de compreensão do problema do País mais fraco, tentar resolver o problema a longo prazo, e ao mesmo tempo ter coragem de enfrentar pressões, que são enormes e vêm de todos os lados, é muito importante.

Pensando nesse cenário geopolítico, quem é que ganha com essa mudança de política externa brasileira?

Se fosse começar a escrever um romance policial, você começaria com essa pergunta para chegar ao ator por trás de tudo. Vamos pegar os EUA, que são a potência mais próxima. Em termos tradicionais do interesse do Estado americano, da influência e da presença, o fato de o Brasil ter subido no cenário internacional incomoda. Mas por outro lado, essa presença às vezes ajuda a resolver certos problemas. Há setores dos EUA que devem estar muito contentes por não sermos mais uma ameaça à hegemonia deles na região. Mas foram os EUA que nos pediram, por exemplo, para negociar o acordo nuclear com o Irã. A frase de Obama era: preciso de amigos que falem com quem eu não posso falar. Então há setores ligados ao governo que acham que é melhor ter um mundo no qual os EUA são o sócio mais forte, mas não totalmente dominante. Para contrabalançar a presença da China na África, por exemplo, é bom para os EUA que tenha um Brasil, que é mais amistoso, ou uma Índia. Para quem tem essa visão mais longe, o que aconteceu no Brasil foi ruim. É difícil dizer quem ganha. Eu posso dizer quem perde: a integração sul-americana, a solução pacífica de controvérsias na América do Sul, a possibilidade de uma melhor relação entre a América do Sul e a África, um melhor balanço do poder mundial.

“NINGUÉM VAI ROMPER RELAÇÕES COMERCIAIS, MAS A NOSSA CAPACIDADE DE INFLUÊNCIA ESTÁ AFETADA”

Serra é autor de um projeto de lei que altera as regras de exploração do pré-sal, retirando a participação obrigatória da Petrobras. O senhor acha que a política a ser implementada sob sua gestão oferece riscos à autonomia do País?

Não tenho a menor dúvida disso. E não é só nessa área. O Millôr Fernandes tinha uma frase: o fato de eu ser paranoico não quer dizer que eu não esteja sendo perseguido. O fato de não acreditar em teorias conspiratórias não quer dizer que algumas delas não sejam verdadeiras. As coincidências são espantosas. O pré-sal faz do Brasil uma grande potência do petróleo, dando predominância à Petrobras. Tem também a energia nuclear, o Brasil seria o sexto país do mundo a ter submarino de propulsão nuclear. Ao mesmo tempo caem em cima do BNDES, que é o principal instrumento para presença de empresas brasileiras no exterior. E ainda tem essa destruição em massa das empresas nacionais envolvidas na Lava Jato, o capitalismo nacional praticamente está acabando.

Serra anunciou que a política externa não vai mais se orientar pelos “valores de um partido”. Essa declaração faz sentido para o senhor?

A política externa, quando é de direita, é de Estado. Quando é de esquerda, é de partido. Essa é a visão. Partido não são só os partidos políticos, é uma certa ideologia. Quando o Brasil resolve fazer uma abertura e privatizar toda a sua economia, isso não é partidário? O que é do outro é ideológico, o que é seu é de interesse público. Os princípios que estão na Constituição, independência, autodeterminação dos povos, direitos humanos, tudo isso é política de Estado. Agora, a maneira de você implementar isso varia de partido para partido.

Há muitas críticas com relação ao esvaziamento do Itamaraty durante o governo Dilma. O senhor acredita que o Itamaraty vá se fortalecer a partir de agora?

Se você tem um Itamaraty forte, mas agindo no sentido errado, é pior para o País. Os governos militares no início não enfraqueceram o Itamaraty. No entanto, ficou muitos anos a serviço da política intervencionista, favorecendo o colonialismo português na África, com o Salazar, apoiando a invasão da República Dominicana. Se você usar o poder do Itamaraty para chegar a um acordo tipo TPP com os EUA, enfraquecer o Mercosul, para o País não resolve nada. O Lula tinha uma sensibilidade especial para o Itamaraty que poucos tiveram. Foi a primeira vez na história que todos os embaixadores eram diplomatas de carreira, no segundo mandato. Precisou de um operário para fazer isso.


Comentários

4 respostas para “‘‘Impeachment tirou a credibilidade do país’’”

  1. Avatar de Monteiro Lobato
    Monteiro Lobato

    Gente, que brasileiros essa publicação representa? Só os que tem cocô de passarinho (da esquerda populista) na cabeça? Populismo, não! Não somos bobos, temos senso crítico, sabemos o que é melhor para nós.

    1. Avatar de Rodrigo Ferreira Alves
      Rodrigo Ferreira Alves

      COM CERTEZA NÃO SÃO OS NAZI-VERDE-AMARELO

      1. Avatar de Monteiro Lobato
        Monteiro Lobato

        Ah! entendi…. Como não pertenço aos nazi sei la o que como você afirma, sou apenas da maioria independente, não tenho cabresto, não é para minha informação mesmo….Fui!

        1. Avatar de Rodrigo Ferreira Alves
          Rodrigo Ferreira Alves

          TCHAU

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