Improviso no paraíso

Em charge do cartunista Paulo Caruso, o clarinetista italiano Gabriele Mirabassi

Realizado por iniciativa de Antonio Ivan Santos da Silva, o Capucho, produtor cultural gaúcho, o Festival Choro Jazz reuniu um seleto grupo de músicos e compositores brasileiros e estrangeiros. O evento aconteceu no final do ano passado em Fortaleza e Jericoacoara, praia célebre pelos ventos constantes e cortantes, que transformaram a vila de pescadores do município de Jijoca de Jericoacoara, a 300 km da capital cearense, em uma Meca para praticantes do windsurf e do kitesurf – esporte derivado do surfe em que o atleta é deslocado por uma vela hasteada por cabos a mais de dez metros de altura.

Entre os destaques da 4a edição do Festival Choro Jazz, Raul de Souza, trombonista mundialmente reverenciado, Arismar do Espírito Santo, multi-instrumentista, e Mônica Salmaso, cantora que se apresentou com o pianista Nelson Ayres e o saxofonista e flautista Teco Cardoso. Também estiveram por lá os violonistas e irmãos Sérgio e Odair, do Duo Assad, o Quinteto Vento e Madeira, liderado pela flautista Léa Freire, o violeiro mato-grossense Almir Sater e o compositor Guinga, que se apresentou com o clarinetista italiano Gabriele Mirabassi.

O conceito do festival – reunir músicos de choro e jazz – foi idealizado por Capucho em 1999, cinco anos após sua primeira visita a Jericoacoara, quando a cidade nem sequer dispunha de energia elétrica, iluminada apenas por dois geradores. Em 2002, Capucho empreendeu a primeira tentativa de produzir o evento. Inscreveu um projeto, aprovado pela Lei Rouanet, que pretendia levar o Choro Jazz à cidade histórica de Tiradentes, em Minas Gerais, mas, apesar da carta branca do Ministério da Cultura, não houve êxito em conseguir apoiadores e o projeto foi parar na gaveta.

Cinco anos mais tarde, Capucho conseguiu emplacar um festival semelhante, por três edições anuais, o Guarulhos Instrumental, realizado na cidade da Grande São Paulo entre 2007 e 2009. Meses após o encerramento do festival paulistano, o produtor, enfim, realizou em Jericoacoara o tão sonhado Choro Jazz, com o apoio da Eletrobras, do Governo do Estado do Ceará e de parceiros locais, que auxiliaram na infraestrutura – pousadas, bares e restaurantes.

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Fechando balanço positivo da 4a edição, Capucho enfatiza aspectos ascendentes no evento e fala com orgulho da principal característica que é oferecer atrações gratuitas de qualidade para um público que pouco acesso tem à cultura ou que desconhece a produção dos artistas envolvidos e, mesmo assim, acolhe a nova experiência com entusiasmo. “O mais gratificante, para mim, é evidenciar a necessidade das pessoas de ouvir boa música e saber que estou contribuindo para isso. O brasileiro é muito musical, mas consome goela abaixo um monte de porcarias inventadas pelas gravadoras. Propus fazer um festival em um lugar bonito, com boa música e acesso livre. O melhor da nossa cultura precisa ser compartilhado”, defende.

Elencadas por Capucho desde a primeira edição, as atrações da edição do ano passado ainda incluíram um caloroso e ritmado show do grupo Lindigo, da Ilha da Reunião (território ultramarino da França, próximo de Madagascar). Outro destaque foi a apresentação da big band Bandão Choro Jazz, que abriu o primeiro dia de shows em Jericoacoara e cativou o público. O grupo é composto por mais de uma dezena de integrantes formados pelas oficinas musicais ministradas pelo festival desde sua estreia. Como de costume, encontros de aspirantes a músicos e amadores com profissionais gabaritados – como o compositor Filó Machado, o percussionista Oscar Bolão e o violonista Alessandro Penezzi – aconteceram em oficinas. Os diálogos musicais também foram frequentes nas madrugadas de Jericoacoara, em uma série de jam sessions.

Outra novidade do evento, apresentado pela atriz Adriana Lessa, foi a presença do cartunista Paulo Caruso, convidado para fazer a cobertura “chargística” do festival. Apaixonado por jazz, Caruso, que faz papel similar no programa Roda Viva, da TV Cultura, é também apresentador do programa A Cara do Jazz, veiculado às quartas-feiras, às 21 horas, na rádio Eldorado. Os cinco dias em Jericoacoara propiciaram a ele um deslocamento espacial e sensorial: “Enfrentei três horas de avião, cinco de carro, mas cheguei a esse lugar maravilhoso, sem asfalto, sem trânsito, sem jornal diário e televisão. Horas depois, no primeiro dia de shows, com a apresentação do Duo Assad, me dei conta que eu tinha chegado ao ‘Planeta Música’, com a performance fantástica e emocionada dos dois. O festival é realizado em uma vila desprovida de recursos culturais e Jericoacoara também está sendo contemplada com outros dois importantes legados: a formação de público e de músicos locais pelas oficinas. Há um ganho nisso que ninguém tira”.

Se depender de Capucho, Jericoacoara e os vilarejos vizinhos serão em breve o principal polo musical do Ceará. O produtor anunciou em primeira mão que comprou um terreno na vila de Sambaíba – nome musicalmente sugestivo, assim como o pé de Jamelão encontrado no terreno, enfatizou ele – onde será inaugurada neste ano uma nova oficina musical destinada às crianças e jovens que moram na vila, 40 km distante de Jericoacoara. Capucho mora em São Paulo, mas procura fazer visitas regulares a Jericoacoara para garantir a continuidade dos cursos e a frequência dos alunos. Tarefa árdua, mas feita com determinação: “Fico brigando com as armas que tenho, telefone, e-mail, Facebook, intimando a criançada para não desistir das oficinas. É uma luta muito desigual com a mídia e tudo que os cercam. A televisão e o rádio ainda são muito fortes no País e oferecem muito lixo para o povo. Mas não meço esforços e somo todas as minhas forças. Não podemos perder essa guerra, pois a vitória que virá dela não é só minha”.


Comentários

Uma resposta para “Improviso no paraíso”

  1. Esse festival é quase perfeito, na programação musical, no local na organização e na ação social. So não é perfeito porque é uma vez por ano.

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