Em mais de uma década pesquisando os brasileiros, sobretudo os que compõem a classe média, pude perceber que estão cada vez mais exigentes. Eles não se contentam com as conquistas que alcançaram até aqui, muito pelo contrário, sempre almejam coisas novas.
Ofereço ao leitor o exemplo de uma família que encontramos no Vidigal, no Rio de Janeiro, provavelmente a favela que mais se transformou nas últimas décadas. Ali, os Silva compõem uma família numerosa, estabelecida no morro. A habitação, originalmente erguida em madeira, papelão e zinco, hoje é feita de alvenaria.
Não faz muito tempo que a dona Maria brigou por uma cesta básica. Seu filho, que venceu um sarampo bravo e o assédio do tráfico, lutou para obter um emprego com carteira assinada. Já o seu neto é o primeiro universitário da família. Mas, apesar de todas as conquistas, em junho de 2013 marchava nas ruas do centro da Cidade Maravilhosa, exigindo zelo com a saúde e a educação.
O velho político declararia que essa gente é ingrata, mas façamos uma reflexão para compreender os motivos dessa revolta. Nos últimos 20 anos, vimos a economia se estabilizar, vivenciamos a ampliação da oferta de empregos formais, o aumento da renda e da escolaridade, a democratização do acesso à internet e vimos o Código de Defesa do Consumidor se tornar realidade.
No entanto, essas conquistas não sossegaram o cidadão. O aumento da renda, além de proporcionar a ampliação do consumo, permitiu ao brasileiro eleger novos padrões de comparação. Ele exige produtos e serviços que valorizem seu dinheiro e compensem o esforço do seu trabalho.
A turma da carteira assinada percebeu o quanto paga de imposto e, por isso, passou a exigir justas contrapartidas do Estado, o cidadão mais escolarizado, com acesso garantido à informação, aprendeu a realizar pesquisas e ampliou seu repertório. Bem informado e ciente de seus direitos, ele passou a comparar serviços, públicos e privados, e a cobrar a universalidade dos serviços públicos, mas com a qualidade dos serviços privados.
Diante de um consumidor mais crítico, crescem os momentos de insatisfação. Acostumados a ter as informações e as respostas que desejam ao alcance das mãos, os brasileiros tendem a demandar esse padrão de transparência das empresas e também do governo. Sendo assim, crescem também as exigências por canais de atendimento e reclamação efetivos. Nos serviços privados, meios como SAC, Procon e sites de reclamação tornam-se cada vez mais conhecidos. Nos serviços públicos, por outro lado, é grande a percepção de que não têm a quem recorrer.
Lembro-me bem do rosto das pessoas com quem conversei quando realizei a pesquisa Radiografia das Favelas Brasileiras em setembro do ano passado. A esforçada Cíntia, da comunidade do Turano, no Rio, previa aprender outro idioma e obter uma graduação universitária. Maria Lúcia, uma batalhadora de Paraisópolis, em São Paulo, anunciava seu plano de obter um bacharelado em Direito. Em Cajazeiras XI, em Salvador, Enderson planejava estudar Inglês e viver um período no exterior.
Vale ressaltar que os sonhos pessoais não tornaram esses brasileiros egoístas. Enderson, por exemplo, pretendia montar tijolos, colar ladrilhos, instalar torneiras e deixar um brinco a casa da mãe. Como empreendedor social convicto, imaginava um futuro mais justo do que o presente, mas não pretendia estar melhor do que seus iguais na comunidade. Sonhava que todos juntos evoluíssem e provassem de uma vida melhor.
*Renato Meirelles é Presidente do Instituto Data Popular
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