Se alguém parar você na porta de um teatro, cinema, bar ou restaurante de São Paulo ou do Rio de Janeiro para oferecer por R$4 o exemplar de uma revista de cultura chamada “Ocas”, pare para dar uma olhada. Vale a pena, sempre. Não porque se trata de uma publicação vendida por moradores de rua – ou “em situação de risco social”, na linguagem do politicamente correto –, que fazem parte de um programa de inclusão, mas porque seu conteúdo traz jornalismo de primeira linha, escrito por profissionais competentes, sempre voluntários. Não é apenas por isso, também. O personagem da capa, sempre alguém de grande relevância cultural, pode ser um daqueles que não se encontra facilmente em qualquer jornal ou revista. Ou diz coisas que não costuma falar normalmente. Esse artista ou personalidade topou falar para Ocas porque é solidário ao projeto, geralmente. Assim aconteceu com Chico Buarque, por exemplo.
Em quase cem edições, lançadas uma por mês, “Ocas” formou um amplo painel da vida cultural brasileira, com seus nomes mais importantes de várias tendências, correntes ou faixas de público – por idade ou faixa social. Estão lá, entre tantos nomes relevantes, Walter Salles, Marcelo D2, Fernanda Young, Lenine, Lázaro Ramos, Marco Nanini, João Miguel, Marcelo Tas etc. No momento, no número que circula, o convidado é Milton Hatoun, que conversou com a jornalista Josélia Aguiar. Agora, essa história acaba de virar livro. Ecos da Ocas – A história da revista que promove transformação social – com organização de Márcio Seidenberg, Ricardo Senra, Roberto Guimarães e Rosi Rico (que fez a edição) – traz a epopeia da publicação, lançada em julho de 2002, e que circula sem interrupção graças ao voluntariado de profissionais de diversas áreas.
O volume inclui uma seleção de dez grandes entrevistas. Além de Chico Buarque, foram escolhidos Ferrez, Jamelão, Rita Cadilac, Seu Jorge, Zé do Caixão, Mirian Chnaiderman, Drauzio Varella, Criolo, Ariano Suassuna e Wagner Moura. Outro destaque é material produzido pelos vendedores do projeto, em geral, durante as oficinas de criação de textos. “A trajetória da revista é, acima de tudo, fruto da criação coletiva. Com este livro, não poderia ser diferente”, observa o editor Roberto Guimarães. Segundo ele, ao contrário do que acontece com a maioria dos livros, Ecos da Ocas não teve só um editor, mas um colegiado de organizadores editores.
A Ocas circula pelas ruas de São Paulo e Rio de Janeiro como um instrumento de geração de renda aos seus vendedores, ao mesmo tempo em que procura recuperar sua auto-estima e dignidade. Em cerca de onze anos, mais de duas mil pessoas sem emprego e na idade adulta foram beneficiadas pelo projeto. Pelo seu conceito, o projeto sempre buscou “construir instrumentos de transformação com pessoas em situação de extremo risco social, para que conquistem uma vida mais digna e, assim, tenham condições de contribuir para uma sociedade democrática, justa e participativa”. A Organização Civil de Ação Social (OCAS) é uma instituição sem vínculos partidários ou religiosos e sem fins lucrativos. “Toda a receita obtida com as atividades da OCAS é reinvestida na melhoria da qualidade dos serviços prestados pela organização”. Toda a história desse projeto contagiante e dignificante agora é contada em livro, numa bela edição.
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