Intolerância gera mais intolerância

Os três assuntos mais comentados na última semana pelos leitores do Balaio, da Folha e da Veja:

Balaio

Intolerância/Barbara Gancia: 415

Baladas espantosas: 150

Carnaval tranquilo/Músicos: 103

Folha (Os mais comentados pelos leitores na semana – Página A3)

Ditadura: 116

Governo Lula: 37

Crise Econômica: 31

Veja (Assuntos mais comentados – Página 35)

Política e corrupção: 152

Roberto Pompeu de Toledo: 10

Diogo Mainardi: 9

Um balanço do tom e do teor dos comentários enviados pelos leitores sobre os mais variados assuntos publicados esta semana no Balaio, na Folha e na Veja indica uma escalada de intolerância e preconceito, que se pode observar por vários ângulos:

* Um sentimento anti-paulista manifestado por irados leitores de outros Estados e um crescente preconceito dos paulistanos contra os moradores das demais regiões do país, em especial do Nordeste.

* O sectarismo dos que defendem e atacam o governo Lula, partindo para a agressão contra os que pensam diferente, como se duas torcidas organizadas já estivessem campo, faltando ainda um ano e sete meses para as próximas eleições presidenciais.

* O descrédito generalizado, aliado à revolta contra as instituições, incluindo aí os três poderes e a mídia, tendo como pano de fundo a corrupção e a impunidade.

* A volta de defensores da ditadura militar, com um raivoso e embolorado discurso anti-comunista, depois daquele infeliz editorial da Folha, que qualificou este trágico período da vida brasileira de “ditabranda”.

Um sinal do preconceito latente que agora aflora, foi constatado também pelo sempre brilhante colega Elio Gaspari, na sua coluna dominical na Folha, em que publicou hoje a nota “Demofobia”:

“Depois que Paula Oliveira admitiu para a polícia suiça que não foi atacada por xenófobos aconteceu algo estranho com sua qualificação. Quando sua história teve crédito era “brasileira”. Quando o relato trincou ela passou a ser chamada, com alguma frequência, de “pernambucana”. Há suiços que gostam de contar histórias de preconceito de brasileiros contra brasileiros”.

No caso do Balaio, isto ficou mais evidente nos 415 comentários enviados para a matéria mais comentada da semana – “O legado de Gancia: arrogância e preconceito” – em que critico um artigo publicado pela colunista Barbara Gancia na Folha de S. Paulo – “O legado de Marisa Letícia”.

Como ombudsman de mim mesmo, reconheço que escrevi este texto um tom acima do normal, levado pela minha indignação com o que tinha acabado de ler no jornal. Com isso, talvez tenha colaborado involuntariamente para as demonstrações de intolerância de parte a parte.

Incomodado com os absurdos carregados de preconceito e arrogância que leio e ouço diariamente sobre o presidente Lula e sua família, reagi mesmo mais como amigo do que como jornalista, e não me arrependo disso.

Jornalista, ao contrário do que a hipocrisia de muitos quer negar, também tem lado, time, partido, igreja, amigos, alma e coração. Não somos robôs da notícia. Nunca escondi o que penso e sinto. O leitor tem o direito de saber com quem está falando.

Ao contrário do que ocorre em outros espaços impressos e na internet, publiquei tanto os comentários de leitores que concordavam como o meu texto, como o dos que me atacavam e defendiam Barbara Gancia, exceto a dos cachorros loucos que chegaram babando.

Cheguei a incluir Barbara Gancia na tradicional família paulistana, o que é uma bobagem, sendo ela apenas mais uma porta-voz na imprensa daquilo que o ex-governador Cláudio Lembo chamou de elite branca _ esta gente bacana que simplesmente não se conforma com o fato de termos um presidente pau-de-arara, torneiro mecânico, com diploma apenas do Senai.

São os mesmos que me criticam por ser ao mesmo tempo jornalista independente, são-paulino, eleitor do PT, defensor dos movimentos sociais e morador dos Jardins, como se fossem coisas inconciliáveis e contraditórias.

Se a colega Barbara Gancia se ofendeu com o que escrevi, não tenho nenhum problema em lhe pedir desculpas, publicamente como faço aqui, já que não se trata de nada pessoal, mas de formas diferentes de encarar a vida e o país em que vivemos.

Não gosto de polêmicas, ainda mais com colegas de profissão, e tenho evitado ao máximo comentar aqui o que os outros jornalistas escrevem. Cada um que sabe da sua vida e dos seus princípios. Mas, como dizia o grande filósofo corinthiano Vicente Matheus, quem está na chuva é para se queimar.

Prefiro mil vezes contar histórias como a dos dois jovens músicos de uma orquestra que tocavam violencelo na calçada da Oscar Freire para ganhar uns trocados, em plena segunda-feira de Carnaval, outro assunto bastante comentado na última semana.

Ou chamar a atenção para o drama que o grande Tinoco, sobrevivente da eterna dupla Tonico e Tinoco, que, aos 88 anos, procura trabalho para sobreviver, tema de reportagens que escrevi aqui mesmo e na revista Brasileiros, bem lembrado pelo ombudsman Carlos Eduardo Lins da Silva em sua coluna de hoje na Folha.

Por isso, tive uma alegria muito grande este fim de semana, ao encontrar o auditório Vladimir Herzog, do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, lotado por jovens até a tampa, como há muito tempo não via, em pleno sábado de manhã, para me ouvir falar sobre o que mais gosto de fazer na vida: reportagem.


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