Israel compara ataques em Gaza com derrota da seleção brasileira  

Em São Paulo, as vezes é possível acordar com o barulho de um helicóptero. É chato, mas o inconveniente logo passa. Agora imagine barulho semelhante, incessante, que indica, porém, o voo de uma aeronave não tripulada – conhecido como Drone – pronto para destruir vidas, estruturas e esperanças num disparo medido “justificado” no “direito de defesa”. É assim que tem sido em Gaza nas duas semanas de ataques israelenses. 

Comissário-geral da UNRWA classificou as “cenas de carnificina e sofrimento humano” em escola atingida por ataques como “terríveis e intoleráveis” e disse que emitiu 12 comunicados ao governo de Israel sobre as coordenadas da escola.
Comissário-geral da UNRWA, Pierre Krähenbühl, classificou como “cenas de carnificina e sofrimento humano” o ataque israelense em escola-abrigo.

Vídeos na internet, reportagens dos maiores veículos de comunicação, relatos das agências da ONU – Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) e Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA) – narram o estado de calamidade e violência na Faixa de Gaza – sob os ataques israelenses por ar, terra e água. Segundo atualização do Ministério da Saúde de Gaza, nesta sexta-feira (25), já somam 826 palestinos assassinados e 5.273 feridos na Faixa de Gaza. Cerca de 200 dos mortos são crianças. 

Na quinta-feira (24), uma escola da UNRWA foi bombardeada matando pelo menos 17 pessoas, entre homens, mulheres, crianças e funcionários da ONU. Cerca de 141 mil palestinos desalojados estão abrigados em 83 escolas da UNRWA e nas últimas 24 horas, 3 instalações foram atingidas.

Exército israelense atirou uma escola-abrigo como esta registrada pela agência UNRWA. Foto: Shareef Sarhan/UNRWA Archives
Exército israelense atirou uma escola-abrigo como esta registrada pela agência UNRWA. Foto: Shareef Sarhan/UNRWA Archives

Na quarta-feira (23), em nota oficial, o governo brasileiro classificou de “inaceitável” a escalada da violência na Faixa de Gaza e informou que chamou o embaixador em Tel Aviv “para consulta”. A medida diplomática de convocar um embaixador é tomada quando o governo quer demonstrar o descontentamento e avalia que a situação no outro país é de extrema gravidade. 

A nota ressalta: “Condenamos energicamente o uso desproporcional da força por Israel na Faixa de Gaza, do qual resultou elevado número de vítimas civis, incluindo mulheres e crianças. O Governo brasileiro reitera seu chamado a um imediato cessar-fogo entre as partes”.

Na noite de quinta-feira (24), o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel, Yigal Palmor, rebateu as críticas feitas pelo governo brasileiro, durante entrevista ao Jornal Nacional, da Rede Globo. Palmor ironizou a declaração do Brasil e fez referência à derrota da seleção brasileira por 7 a 1 em partida contra a Alemanha na semifinal da Copa. “A resposta de Israel é perfeitamente proporcional de acordo com a lei internacional. Isso não é futebol. No futebol, quando um jogo termina em empate, você acha proporcional e quando é 7 a 1 é desproporcional”, disse Palmor. Foi o embaixador quem afirmou para o jornal “The Jerusalem Post” que o Brasil de “anão diplomático”.

Embaixador que chamou o Brasil de "anão diplomático" ironiza a morte de mais de 800 pessoas e compara feito com o placar de uma partida de futebol. Reprodução TV Globo.
Em dois tempos. No primeiro frame, o embaixador de Israel, que chamou o Brasil de “anão diplomático”, ironiza a morte de mais de 800 pessoas e compara feito com o placar de uma partida de futebol.  No segundo Frame, o Ministro das Relações Exteriores responde. Reprodução TV Globo.

Questionado pela mesma reportagem, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Luiz Alberto Figueiredo, afirmou: “O governo brasileiro não usa termos que desqualifiquem governos de amigos amigos, por tanto eu não tenho como comentar isso, eu só posso dizer que o Brasil é um dos 11 países do mundo que tem relações diplomáticas com todos os membros das nações unidas, e quando falamos nas Nações Unidas nós somos ouvidos”.

Notícias e imagens

O astronauta alemão Alexander Gerst postou uma foto da Faixa de Gaza vista da Estação Espacial Internacional (EEI), nesta sexta-feira (25). Na imagem, a luminosidade liberada pelas explosões se mistura com as luzes da região. “Minha foto mais triste até agora. Da EEI nós conseguimos enxergar explosões e foguetes sobreviando #Gaza e #Israel”, disse.

E se os ataques podem ser vistos de longe, beeeem distante, por um astronauta, para quem está perto é mais chocante. Ao conversar com um amigo que foi voluntário em Gaza após o massacre em 2009, foi possível pensar em outro aspecto doloroso. Ele me disse: “O mundo não sabe o que é Gaza. A morte tem som, tem cheiro. Os que não morrem ou se ferem fisicamente, ficam marcados para o resto da vida. Estamos falando de um lugar onde quase metade da população de entre 0 e 14 anos”.

No hospital al-Shifa, o Dr. Mads Gilbert é um dos profissionais da saúde que atende as vítimas palestinas. Na imagem, ele atende uma criança no dia 20. (Mohammed Asad / APA images)
No hospital al-Shifa, o Dr. Mads Gilbert é um dos profissionais da saúde que atende as vítimas palestinas. Na imagem, ele atende uma criança no dia 20. (Mohammed Asad / APA images)

Enquanto isso, o maior hospital em funcionamento na Faixa de Gaza – al-Shifa – está sobrecarregado, e tem se fiado em geradores à diesel para o fornecimento de energia elétrica, por conta dos apagões mais frequentes e duradouros causados pelos ataques à única central elétrica da Faixa. As informações são da Medical Aid for Palestinians. O médico Mads Gilbert, que atua no hospital al-Shifa, deu relato doloroso sobre o estado das vítimas que chegam para serem atendidos. Ouça a entrevista neste link

Debate e conduções 

Na noite de quinta-feira (24), a Biblioteca Mario de Andrade, espaço ligado à prefeitura de São Paulo, e o Instituto de Cultura Árabe realizaram o encontro “Um chamado por Gaza, o legado de Edward Said”. Said é um escritor palestino, autor do livro “Orientalismo”, considerado um dos textos fundadores dos estudos pós-coloniais.

Em prefácio para a obra escrito em 2003, Said afirma que as "...sociedades contemporâneas de árabes e muçulmanos sofreram um ataque tão maciço, tão calculadamente agressivo em razão de seu atraso, de sua falta de democracia e de sua supressão dos direitos das mulheres que simplesmente esquecemos que noções como modernidade, iluminismo e democracia não são, de modo algum, conceitos simples e consensuais que se encontram ou não, como ovos de Páscoa, na sala de casa."
Em prefácio para a obra escrito em 2003, Said afirmou que as “…sociedades contemporâneas de árabes e muçulmanos sofreram um ataque tão maciço, tão calculadamente agressivo em razão de seu atraso, de sua falta de democracia e de sua supressão dos direitos das mulheres que simplesmente esquecemos que noções como modernidade, iluminismo e democracia não são, de modo algum, conceitos simples e consensuais que se encontram ou não, como ovos de Páscoa, na sala de casa.”

Esteve presente Mariam Said, Presidente da Fundação Baremboim-Said, mulher de Edward Said, falecido em 2003. Ela falou sobre a West-Eastern Divan Orchestra, projeto de Edward Said e Daniel Barenboim: “A orquestra é um experimento de coexistência. Israelenses, palestinos e outros árabes juntos fazendo música, que era a linguagem comum entre esses dois “inimigos”, isso tá relacionado com o que Said escreveu em seu livro – a busca de encontrar soluções. A resistência cultural tem sido uma das maneiras mais fortes de fazer existir a palestina”. 

José Arbex, jornalista e professor de jornalismo da PUC, questionou a cobertura feita pela mídia brasileira: “Há poucos dias 2 mil soldados americanos passaram para o lado dos militares israelenses, fato que não foi mencionado”. Arbex reafirmou a importância da narrativa de Said: “Ele desvenda a forma de narrar a história que nos tornam cegos e incapazes de enxergar o que está a nossa frente. É por isso que nós não enxergamos o massacre cotidiano das ‘minorias’ e é por isso que o mundo não enxerga o massacre na Palestina”.

Saad Chedid, Diretor da Cátedra de Estudos Palestinos da Universidade de Buenos Aires destacou que a importância de Said é que “ele teve a virtude de ser um intelectual militante, cujo conhecimento se converteu em pensamento do povo. Não se reduziu a um âmbito acadêmico. Said dizia, que só o povo salva o povo. Não há nenhuma possibilidade que haja uma sociedade separada. O essencial que existe é que somos seres humanos e nada mais”.

No encontro, João Brant, representando a Secretaria de Cultura de São Paulo, reafirmou o compromisso de diálogo com a cultura árabe e ressaltou a realização da Mostra Mundo Árabe de Cinema neste ano: “Afirmamos a nossa solidariedade ao povo palestino, principalmente neste momento de ataque”, disse. Luiz Bagolin, diretor da Biblioteca Mario de Andrade, afirmou que a instituição terá a iluminação com as cores da bandeira palestina em solidariedade ao povo.


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