Peço licença aos leitores para hoje dar uma de colunista social. A vida, afinal, não é só feita de trabalho, política, más notícias nas bolsas e desgraças em geral, a matéria prima dos jornalistas.
Segunda-feira, nove da noite, caía uma chuva fina no Rio. O táxi me leva até a avenida Mem de Sá, 69, perto dos Arcos e quase em frente ao Nova Capela, onde se come o melhor cabrito com brócolis da cidade. Um luminoso azul indica que aqui é o Estrela da Lapa.
Senhoras e senhores chegam discretamente e entram na fila para dar o nome, pegar a sua ficha de consumação e encontrar alguma cadeira vaga, de preferência na mesa dos amigos.
O sistema é aquele de antigamente: cada um paga a sua. Carregando Carol, a neta de três anos nos ombros, saracoteando para lá e para cá como se já tivesse tomado todas, o abstêmio e agora sexagenário Ancelmo Góis vem recepcionar os convidados junto à porta e faz uma festa para cada um.
Num casarão antigo de pé direito duplo com os janelões cobertos por cortinas de veludo cor de vinho, o Brasil está dividido ao meio.
No andar de cima, estão os amigos de Frei Paulo, a pequena cidade sergipana onde Ancelmo nasceu e depois colocou no mapa, os velhos companheiros da sua juventude no falecido Partidão, o primeiro chefe no jornalismo
no térreo, o resto do Brasil, jornalistas de várias gerações das redações cariocas por onde o homenageado desta noite passou: Jornal do Brasil, Veja, O Globo.
Em pouco tempo, todos se misturam numa algazarra bem comportada quando o mestre de cerimônias João Máximo, lendário editor de esportes, autor de belos livros sobre futebol e música popular brasileira, chama ao palco as primeiras atrações da noite.
Não estão aqui celebridades da música, mas amigos de Ancelmo que gostam de tocar e cantar, como Luiz Paulo Horta, seu colega de jornal, o mais novo membro da Academia Brasileira de Letras.
Em pé junto ao balcão, o governador de Sergipe Marcelo Déda, do PT, o ex-governador Albano Franco, do PSDB, o presidente da ABI, Maurício Azedo e sua mulher, Marilka, a boa mistura dos cabelos brancos e dos sem cabelo da geração de Ancelmo com a dos os jovens da geração de seu filho, Antonio, também jornalista dos bons.
Reencontro muitos amigos e amigas queridas, como Ana Tavares, que por 20 anos cuidou do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e foi minha antecessora na Secretaria de Imprensa do governo, e Dorrit Harazim, chefe meiga no trato e implacável no trabalho nos meus tempos de correspondente do Jornal do Brasil na Alemanha.
A velha guarda da imprensa carioca está bem representada por Sergio Cabral, hoje mais conhecido como o pai do governador, e o indestrutível Jaguar, que faz a alegria de Chico Caruso numa mesa de respeito.
Como Ancelmo é uma figura ecumênica, aparece no salão até o seu desafeto de estimação, o coleguinha Jorge Bastos Moreno, vindo diretamente de Brasília, sempre cercado de moças bonitas.
Ao som de sanfona, triângulo, viola e cavaquinho, alguns dançam em frente ao palco, outros regam a chope velhas histórias das redações da vida, a festa está boa, mas para mim ficou tarde.
Não sei o que aconteceu depois da meia noite, mas no caminho de volta para o Copacabana Palace, onde fui obrigado a me hospedar porque os outros hotéis estavam lotados (ver post de ontem, segunda-feira) fiquei pensando como, apesar de tudo, o Rio resiste na Lapa e é bonito.
Uma cidade que sobrevive a três admistrações de Cesar Maia e não se entrega merece nosso respeito.
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