Em 1966, aos 15 anos, João Bittar foi à porta da Editora Abril, em São Paulo, pleitear uma vaga de jornalista. Recebeu um belo não, mas garantiu uma ocupação de office-boy no departamento de fotografia da empresa. Era louco por reportagens e, desde os 10 anos, estava convencido de que escrever seria seu destino. Mas o acaso tiraria as palavras do caminho e Bittar escreveria uma trajetória singular no fotojornalismo brasileiro.
Transformação que teve início com a descoberta de um universo fascinante e de outras possibilidades narrativas ao manipular imagens de profissionais da Abril e de agências de notícia estrangeiras, como assistente do laboratório fotográfico da editora.
Aos 17 anos, Bittar já empunhava a primeira câmera profissional. Influenciado pelas lições de mestres, como Eugène Atget e Henri Cartier-Bresson, flanava pela cidade em busca de imagens. Foi quando vieram as primeiras pautas profissionais nos jornais Diário de S.Paulo e Última Hora, nas revistas Placar, Quatro Rodas e Veja, onde teve sua primeira ocupação fixa. Nos anos 1970, ele integrou a equipe da revista Exame, colaborou com publicações da Costa Rica e do México, países onde morou, e viveu também um período em Recife, onde trabalhou para as editoras Bloch, Abril, o jornal O Estado de S.Paulo, e também clicou para veículos da imprensa nanica, como os jornais Movimento e Opinião, que faziam oposição ao regime militar.
Em 1977, Bittar integrou, ao lado do também fotógrafo Hélio Campos Mello, a equipe inaugural da revista IstoÉ, fundada pelo jornalista Mino Carta. Bittar e Campos Mello cobriram para a IstoÉ as greves do ABC paulista, pólvora na fogueira que exigia a reabertura política no País. Dois anos mais tarde, na Convenção Nacional dos Metalúrgicos, em Poços de Caldas (MG), Bittar flagrou o então líder sindical e ex-presidente Lula de barriga despida, apontando o indicador direito para o umbigo.
A foto permaneceu inédita por quase 30 anos e tornou-se uma das mais emblemáticas imagens de Lula. Sobre ela e o ofício de fotojornalista, Bittar depôs no documentário João Bittar – Fotojornalismo com Caráter, uma homenagem do amigo Egberto Nogueira (fundador da Imã Foto Galeria, vitrine de dezenas de fotógrafos e uma importante escola de São Paulo, onde Bittar foi um dos mais disputados professores): “Para se fotografar bem, fazer bom fotojornalismo, é preciso ter perspectiva histórica, intenção de documentação, conhecer a si mesmo e saber bem o que você quer. Ver algumas fotos, depois de tanto tempo, é muito bom, torna tudo mais real. Existem fotos, como essa do Lula – certamente, a mais importante que fiz – que precisam de 30 anos ou até mais para serem divulgadas”.
Nos anos 1980, inspirado na mítica Magnum, de Robert Capa, Cartier-Bresson, George Rodger e David Seymour, Bittar fundou a Agência Angular, um marco na produção autoral de conteúdo fotojornalístico no País. Na década seguinte, em 1994, convidado para ser editor de fotografia da Folha de S.Paulo, implementou processos digitais para a produção fotográfica do jornal, antecipando uma revolução no fazer e publicar fotografia. Caminhos perseguidos com pioneirismo por ele e que se tornaram irremediáveis para todos os veículos de imprensa, na virada do século.
Bittar, que recentemente teve uma exposição em sua homenagem no Espaço Cultural Conjunto Nacional, em São Paulo (onde foi exibido pela primeira vez o documentário de Nogueira, disponível no YouTube), deixou mulher, a também fotógrafa Heloisa Ballarini, e três filhos, Marina, 30 anos, André, 23, e Thays, 21.
Sobre a importância de João Bittar – um obcecado por rock’n’roll e pela arte de documentar a história –, Campos Mello, hoje diretor de redação da Brasileiros, sintetizou: “No final dos anos 1970, João, com caráter, lente grande angular e Rolling Stones, ajudou a empurrar o fotojornalismo brasileiro para fora do porão, para longe do mal humor e da burrice da subserviência. Fez e registrou história, mas foi embora cedo, muito cedo”.
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