Um Carnegie Hall lotado esperou apenas cinco minutos pelo mítico inventor da bossa nova. Eram 20h05, horário de Nova York, quando João Gilberto entrou no palco – um pouco mais careca, um pouco mais curvado, um pouco mais tímido. Violão na mão, o banquinho, ou melhor, a cadeira, ficou à sua espera uns bons dez minutos. A platéia de brasileiros expatriados, bossa-novistas extasiados e gringos em geral não parava de aplaudir. E o show nem havia começado.
A estréia da bossa nova no venerando Carnegie Hall foi em novembro de 1962. Naquele show histórico, estavam João Gilberto, Bola Sete, Agostinho dos Santos, Luis Bonfá, Carlos Lira, Sérgio Mendes, Antonio Carlos Jobim, Milton Banana e Roberto Menescal para mostrar aos gringos o que era aquela “nova música do Brasil”. A primeira-dama mais charmosa da história aprovou: música “simplesmente maravilhosa”, “nunca houve coisa igual por aqui”, disse Jacqueline Kennedy, mais tarde em Washington.
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Desta vez, 46 anos depois do show pioneiro e 50 anos depois da invenção da bossa nova, João Gilberto veio sozinho. Ou melhor, João Gilberto veio acompanhado de sua mística.
Qualquer show de João Gilberto dá um frio na barriga. Não apenas por estarmos diante de um mito, mas também porque qualquer show de João Gilberto tem sempre uma boa dose de suspense: será que ele vai embora no meio do show? Será que ele vai se irritar com alguém e dar uma bronca? Será que ele vai brigar com os organizadores?
Olhando para baixo e marcando o ritmo com o pé, João Gilberto abriu o show com “Doralice”, de Dorival Caymmi, seguida dos clássicos “Chega de Saudade” e “Corcovado”.
Os bossa-novistas estavam extasiados, mas havia uma expectativa no ar. Estava faltando alguma coisa.
“Vou te contar
Os olhos já não podem ver
Coisas que só o coração pode entender
Fundamental é mesmo o amor
É impossível ser feliz sozinho”
“Wave” foi a deixa.
“Desculpe, tem um ventinho aqui na minha cabeça que está me deixando afônico…”
Ufa, suspiros aliviados. Ele reclamou. Ele foi João Gilberto.
Voltou a emoção. Cada música poderia ser a última. A cada celular insolente que tocava, eu pensava: agora ele vai embora. A platéia sentia o perigo iminente. Estavam todos tensos, silenciosos. Uma tosse aqui e um espirro ali, devidamente contidos.
Ele começou a tocar “O Pato”. Palmas e mais palmas. Ele só olhou para a frente e ergueu a sobrancelha. Todo mundo entendeu e ficou quieto na hora.
“Ai, esse ventinho”, voltou a reclamar.
A qualquer momento ele poderia ter um “cinco minutos” e ir embora. Então, aproveitávamos cada música como a derradeira.
“Olha o meu ventinho outra vez…”
Meu coração bateu mais forte. É agora…
Mas o Carnegie Hall se rendeu ao mito. Contrariando todas as regras de uma casa de shows que abriga 2 mil pessoas no verão de Nova York, desligaram o ar-condicionado.
João Gilberto terminou triunfalmente com “Desafinado”. No bis, cantou a indefectível “Garota de Ipanema” e fez uma graciosa homenagem aos anfitriões, com uma versão de Braguinha em português para “God Bless America”, de Irving Berlin.
O show foi maravilhoso. João Gilberto reclamou, cantou e não foi embora. Todo mundo saiu feliz. Suado, mas feliz!
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