Steve Jobs (1955-2011) certamente odiaria a sua primeira cinebiografia, Jobs, em cartaz no Brasil este mês. A história do guru da era digital está longe de ser uma aventura heroica, como se costuma ver em filmes sobre desbravadores americanos, a exemplo de A Rede Social, sobre a criação do Facebook. Ao final do longa, não há qualquer menção à morte de Jobs, em 5 de outubro de 2011, ou a seu martírio por causa de um câncer. A intenção parece clara: fazer uma (dramática) continuação. A trama termina no momento em que ele reassume o poder da Apple, em 1996, e convida os diretores que sobraram da sua vingança a se juntarem a ele para mudar o mundo. E isso de fato aconteceria, quando seu iPod praticamente sepultou a bilionária indústria do disco, ao permitir que milhares de músicas fossem compactadas em um aparelho que, inicialmente, era do tamanho de um celular de hoje. Em seguida, ele viraria pelo avesso os segmentos de computadores pessoais, filmes de animação, telefones, tablets e publicação digital.
A produção, feita de modo independente, tem a boa surpresa de ser interpretada de modo competente por Ashton Kutcher, na pele de Jobs. Escrito por Matt Whiteley e dirigido por Joshua Michael Stern, o longa dividiu opiniões ao mostrar as facetas pouco agradáveis de Jobs. Tanto que a produtora de cinema Sony anunciou que prepara outra versão, com o roteirista de A Rede Social, Aaron Sorkin. O filme foi apresentado no Festival de Sundance em janeiro passado, onde teve morna recepção. Mas vale a pena ser visto. Conta 20 anos da vida de Jobs, desde a criação da Apple em uma garagem na casa do seu pai até seu retorno ao comando da companhia, depois de amargar o ostracismo, provocado pelo seu difícil temperamento e um jogo de disputa pelo poder.
No início, se vê o excêntrico Jobs bem jovem a blefar sobre sua dificuldade em receber ordens no trabalho – seu destino seria comandar pessoas. Desafiado, dá um golpe em um amigo, que monta para ele um videogame colorido e recebe como pagamento apenas uma pequena parte da bonificação de Jobs, que ainda levou o crédito pela novidade. Com o êxito da trapaça, o cabeludo que gostava de andar descalço pela faculdade se descobre um jogador ousado, capaz de desbravar o incipiente mundo da tecnologia com boas ideias e muito risco. Com um jeito difícil de relacionar com as pessoas, totalmente imprevisível, Jobs se cerca de jovens talentos e funda a Apple, cujo nome tem o sentido bíblico literal de morder a maçã. A partir do sucesso de seu primeiro computador e da entrada de um investidor no negócio, ele faz da pressão sobre seus funcionários o caminho para a glória. Significava tirar do caminho até mesmo os parceiros que o ajudaram nos tempos difíceis. Egoísta e autocentrado, Jobs escurraça a namorada grávida, com quem passaria anos brigando nos tribunais, por se recusar a assumir a paternidade da filha.
Um aspecto interessante de Jobs que não aparece na trama – e não era o caso – dizia respeito a uma guerra tecnológica entre Estados Unidos e Japão na década de 1970 que ele ajudou a vencer. Os japoneses, recuperados do esfacelamento de seu território durante a Segunda Guerra Mundial, viviam o esplendor de uma das cinco maiores economias do mundo, graças em especial à sua produção tecnológica de eletroeletrônicos como televisores, aparelhos de som e outras geringonças em formato portátil. Até que gênios como Steve Jobs e Bill Gates simplesmente passaram por cima dos concorrentes orientais como um rolo compressor.
Jobs, com Apple, criou os melhores computadores, enquanto Gates mudou a história com a Microsoft e o Windows, programa que teria sido roubado da Apple, como afirma o longa. Jobs está longe de ser um filme politicamente correto. E esse é o seu maior mérito.
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