Minha primeira viagem como jornalista à Antártica foi em março de 1997, acompanhando uma visita dos então Ministro da Marinha, Mauro Cesar Pereira, e das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia. Era a primeira vez que um chanceler brasileiro visitava o continente gelado e a base brasileira, a Estação Antártica Comandante Ferraz.
Foi uma permanência rápida, de uma tarde, mas que, segundo o chanceler brasileiro, marcaria todos para sempre. “Aqui se vê que quem manda é a natureza”, afirmou impressionado com a paisagem antártica e, especialmente, com as súbitas mudanças do clima. Viradas de tempo que quase forçam o pequeno grupo formado pelos ministros, alguns almirantes, o fotografo André Dusek e eu (ambos da Istoé na época) a ficarmos ilhados na então pequena estação.
Mas os dois helicópteros Esquilo da Marinha e um Messerchmidt da Armada do Chile, graças à ousadia e perícia dos pilotos, conseguiram percorrer em segurança a distância que separa Ferraz da base chilena Eduardo Frei, mesmo em condições extremamente precárias de tempo. Lampreia e Mauro Cesar não voltaram à Antártica. Mas, por acasos profissionais e da sorte, retornei mais três vezes à Antártica, em 1999, 2007 e 2011, o que me coloca como um dos poucos jornalistas a terem direito de usar quatro pequenos pingüins dourados (um para cada viagem) no gorro de lã obrigatório da vestimenta antártica.
Na segunda viagem, embora baseado no Ary Rongel, então o único navio polar brasileiro, junto com o falecido fotografo João Primo, dormi uma noite em Ferraz e pude verificar ao vivo como viviam e trabalhavam o pessoal do grupo base da Marinha, pesquisadores e alpinistas. No navio, foram 22 dias de mar, navegando em campos de gelo, atracando em icebergs e desembarcando em lugares inóspitos como as ilhas Deception e Elefante.
Ferraz, já estão na fase final de uma ampla reforma, ampliação e modernização, foi minha “casa” durante 11 dias em novembro de 2007. O objetivo central da reportagem para Brasileiros era acompanhar a experiência das duas primeiras mulheres oficiais de Marinha – a sub-chefe da EACF, comandante Janaina Silvestre, e a médica, comandante Cristina Heuseler – a permanecerem durante um ano inteiro na Antártica.
A estação agora era espaçosa e muito mais confortável, equipada com laboratórios sofisticados, com capacidade total de 60 pessoas no verão. Finalmente, em março do ano passado, voltei à Antártica e a Ferraz pela quarta vez, para, além de passar por Ferraz, embarcar no novo navio polar da Marinha, o Alte. Maximiano. Na velha Ferraz, onde a novidade era uma ampliação interna com novos camarotes e um pequeno auditório, tudo funcionava “na marca”, como diz o pessoal da Marinha.
O novo grupo base, que ficaria na estação até março deste ano, tinha sido companheiro de viagem no Hercules desde o Rio de Janeiro. E todos estavam entusiasmados com a missão, aceitando ficar um ano lá embaixo como tarefas destinadas a predestinados escolhidos. Minhas últimas visões de Ferraz são áreas, fotos tiradas de um helicóptero, mostrando os dois navios polares brasileiros e a estação. O tempo fechado, cinza, pode ter sido um sinal, um ano antes do que iria acontecer com a EACF.
Saber que a Ferraz iniciada no começo de 1984 quando oito contêineres de aço foram instalados em terra em uma praia da Enseada Martell – feliz escolha do então capitão de corveta Edison Martins, um fuzileiro naval afeito a desafios fora do padrão e que se tornou o primeiro chefe da inédita estação polar brasileira – está hoje com pelo menos 70% de suas instalações destruídas causa espanto.
As fotos do incêndio, tiradas por um integrante da Armada do Chile que participou das primeiras operações de resgate, não deixam dúvidas sobre o fim da velha amiga. Mas as primeiras boas notícias começam a chegar. O ministro da Defesa Celso Amorim, que esteve pouco tempo atrás em Ferraz, já anunciou que, como fênix nascendo das cinzas, uma nova estação será construída, moderna, orgânica, ainda mais eficiente do que sua predecessora. E que deverá ficar pronta em dois anos.
O que não voltam são as vidas do suboficial Carlos Alberto Vieira Figueiredo e do 1º Sargento Roberto Lopes dos Santos. Heróis, como destacou a presidenta Dilma Roussef, que morreram exatamente porque estavam cumprindo sua missão, na linha de frente do combate ao fogo. Certamente a Marinha saberá homenageá-los de alguma forma na nova Estação Antártica Comandante Ferraz.
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