Jovem, geração família

Nélson Rodrigues nunca teve paciência para jovens e comunistas, exceto talvez para o filho Nelsinho, que nos anos 1970 não só era jovem, como um ativo integrante do MR8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), nome que remete à data da detenção de Che Guevara na Bolívia. Preso pela ditadura, Nelsinho só não foi morto por interferência do pai, empedernido conservador. Mas quem sabe o dramaturgo não tenha imaginado que poderia ter sido pior: no caso, o filho ter nascido Flamengo. Uma das frases mais repetidas de Nélson Rodrigues foi dita numa entrevista ao amigo e escritor Otto Lara Resende, que sugeriu que desse um conselho àqueles jovens brasileiros seduzidos pela transgressão dos anos 70. Nélson, com a voz soturna, sapecou de prima: “Envelheçam depressa antes que seja tarde”.
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e casaco de esquimó. Não dá para conversar com essas pessoas.”

Ecos de Woodstock
Presidente do Instituto da Família (IFA), que se dedica à formação de profissionais responsáveis pelo desenvolvimento da criança, o pediatra Leonardo Posternak fala em “ecos de Woodstock” quando se refere aos filhos de uma geração de pais desbundados dos anos 70, que despejaram seus pendores liberais na criação dos filhos e forjaram pequenos budas, alçados a pedestais. “A idéia de que as crianças não podiam ser traumatizadas gerou pequenos monstrinhos.” Movimentos libertários costumam ter efeitos colaterais na criação de crianças. “Com a liberação feminina, a mulher passou a sair de casa e cresceu sua culpa em relação aos filhos. E a culpa é péssima conselheira na educação dos filhos – os resultados são claros e perigosos, como a prolongação da adolescência”, diz ele.

Já para a psicanalista e analista institucional Maria Ângela Santa Cruz, coordenadora do curso Adolescência e Juventude na Contemporaneidade – suas Instituições e sua Clínica, no Instituto Sedes Sapientiae em São Paulo, a partir da década de 90 a grande preocupação da juventude é sobreviver. “Não existem mais empregos adequados e suficientes; o que existem são oportunidades.” Sobre a família, é categórica: “A referência da família é mais importante que Deus; é a instituição de maior credibilidade. Os espaços públicos ficaram desertificados e as escolas não são mais referência, mas sim a mãe, que dá a comida, dá o tênis”. Segundo ela, adolescentes das classes A e B são protegidos em excesso. “Eles ficam confinados dentro do carro, da casa e do shopping. Os jovens da classe C têm mais mobilidade. A urbanização produz ilhas e há um esvaziamento dos espaços coletivos.” Para Maria Ângela, a marca da rebeldia está modificada. “É nessa idade que eles começam a se preocupar com o mundo adulto, a se perguntar o que querem para si.” A casa das famílias se tornaram para os jovens “estufas protegidas”, mas Ângela deixa uma questão no ar. “A gaiola não é necessariamente boa para o passarinho, mas certamente o protege.”

A psicanalista e escritora Maria Rita Kehl discorre sobre os efeitos da educação dos pais da geração “68” nos filhos e atesta: “Quem faturou com essa revolução foi o mercado”.
Você acredita que jovens de hoje, na maioria filhos de uma geração de pais mais liberais, receberam uma educação com menos limites?
Esta é uma impressão generalizada, e gostaria de refletir um pouco sobre ela. Acho que os pais da geração “68” sentem uma enorme dívida em relação à felicidade dos filhos. Essa geração, na qual me incluo, acreditou que a felicidade era uma conquista revolucionária. Na época parecia mesmo que era assim. No entanto, quem faturou com essa revolução foi o chamado mercado. Hoje, a felicidade é um “valor agregado” às mercadorias. Confusamente, os pais liberais dos adolescentes e jovens contemporâneos tendem a facilitar ao máximo a vida material dos filhos, e resistem a lhes impor restrições, em termos de liberdade e dinheiro. Temem que seus filhos fiquem fora de uma grande onda imaginária, uma espécie de fantasia publicitária onipresente, segundo a qual o valor de um jovem se mede pelo seu valor de gozo. Os pais temem que seus filhos os acusem de não terem feito o máximo para incluí-los, não nas condições reais de um eventual sucesso na vida – o qual depende de estudo, esforço e trabalho -, mas na turma virtual dos bem-sucedidos.
A isto se alia um discurso conformista a respeito da falta de perspectivas para as novas gerações. Digo conformista porque, apesar de haver uma crise no mercado de trabalho, nas condições ferozes da competição nos países capitalistas, nas perspectivas de transformação política, os arautos desta crise têm um ponto de vista mais cínico do que crítico, do tipo, parafraseando Sérgio Porto: “Se não acredito na restauração da Lei, por que não me locupletar desde já?”. Os pais têm pena da “falta de futuro” de seus filhos e com isso colaboram para alongar ao máximo sua adolescência, seu período de irresponsabilidade, sua dependência, sua mesada. Você sugeriu que os jovens das classes C e D não seriam tão mimados, mas tenho dúvidas. Que os pais mais pobres não possam dar a seus filhos o mesmo conforto e os mesmos signos de
sucesso não significa que eles não alimentem a mesma perspectiva de felicidade para eles, e não se sintam em dívida por não poderem obtê-la para os filhos. É claro que a cada brecha que se abre no mercado de trabalho para os jovens, legiões destes “mimados”, ricos e pobres, tentam ingressar na vida adulta. O problema é que se você se imagina como alguém que “merece”, como diz a publicidade, distinções especiais, é muito fácil se decepcionar com a condição medíocre de um começo de vida num trabalho qualquer.
Você considera que os jovens de hoje têm um perfil mais individualista do que os da geração de seus pais?
Já li pesquisas que dizem que sim, que a maioria dos jovens de hoje não têm ideais, que só pensam em diversão e consumo. Pode ser. Mas vamos destrinchar essa idéia. Primeiro: a geração “flower power” também queria se divertir, queria levar a vida na base do amor livre, música, pouco trabalho e paraísos artificiais. A diferença é que o discurso ideológico que sustentava esse projeto estava mais na contramão da moral da época (mas pouco depois foi 100% aproveitado pela indústria cultural), e o de hoje já vem prêt-à-porter pela televisão. Segundo: os jovens não são os únicos responsáveis pela ausência de grandes discursos revolucionários que caracteriza o século 21. Talvez seja até bom que já não se invista tanto em grandes projetos utópicos, porque os do século 20 foram meio desastrosos. Por outro lado, vejo grande engajamento de jovens em projetos mais modestos de melhorar a vida coletiva, grande interesse na preservação do meio ambiente, por exemplo. Os Fóruns Mundiais de que eu participei em Porto Alegre, três anos seguidos, estavam lotados de jovens. Eram minoria em relação à grande massa, mas a esquerda estudantil dos anos 1970, os hippies dos 1960 também eram. Só que naquele tempo, em meio à caretice geral, eles tinham tanta visibilidade que parecia que “todos” os jovens eram como eles. A maioria, se você pensar bem, era composta de meninos acomodados que queriam emprego, carro, família e, se possível, um dia receber a herança dos pais…

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