Sempre passei o carnaval em Petrópolis, no Quitandinha. A minha família, todos os anos, se hospedava lá. Adorava quando saltávamos do carro (depois de eu e minha irmã termos parado em todos os postos de gasolina para vomitar por causa do calor provocado pelos bancos forrados de lã do Buick do meu pai – uma época sem ar refrigerado) e abríamos correndo a porta de vidro do hotel, de onde saía um cheiro forte de lança-perfume. Aquilo, para mim, era quase uma entrada no céu.
Havia os artistas de Hollywood no bar (Broderick Crawford, Lana Turner e outros que já saíram da minha memória), uma gaiola imensa no meio do hall cheia de araras, a sala de refeições das crianças com as paredes pintadas de bichos, a sala de pingue-pongue onde eu via os dançarinos de balé, destacando-se Márcia Haydée, e onde, já adolescente, me apaixonei por um bailarino chamado Yellê Bittencourt. Onde andará Yellê? No teatro, víamos shows de Emilinha Borba, Marlene e outros. Quando voltava ao Rio, tinha de contar os pormenores do show para a minha cozinheira, que era apaixonada por rádio. Os programas de auditório eram iguaizinhos aos da TV de hoje, só que sem ver a nudez das pessoas.
As poucas vezes que fiquei no Rio, papai nos levava para ver os préstitos, na Avenida Rio Branco. De dentro de carros trôpegos e abertos, mulheres feinhas, coitadas, ficavam em pé jogando beijos que saíam tremidos por causa da fragilidade do carro. Eu e minha irmã morríamos de rir e as imitávamos, saudando o público tremendo as mãos, como Parkinson.
À noite, pegávamos a caixa de lança-perfume Rodouro e a levávamos escondida para o quarto. Um dia, resolvemos experimentar cheirar um pouquinho, contrariando o que papai nos dizia: “Vocês podem fazer de tudo com elas, matar formigas, jogar uma na outra, nos cachorros, só não podem cheirar”. E, claro, quando ele saía a primeira coisa que fazíamos era justamente testar a proibição. Tínhamos acesso de riso, de não parar um segundo, até virarmos para o lado e dormir. A experiência foi mais ou menos parecido com um ácido que uma amiga e eu tomamos nos anos 1960, ela dirigindo o carro e eu ao lado. De repente, apareceu um guarda e, vendo o carro parado no sinal verde, perguntou para a minha amiga: “Por que a senhora parou se o sinal está aberto?”. Seriíssima, ela respondeu: “Por que estou esperando passarem os cordeirinhos primeiro”.
Depois, foram os blocos do Jardim Botânico, Suvaco do Cristo, Banda de Ipanema, a turma do Pasquim, Hugo Carvana e outros. Hoje em dia, a graça, acho, ainda é ir para Petrópolis, ver meus amigos e ficar com meu neto, filho de Guilherme Vergueiro, que é pianista e ligou para o meu celular, convidando-me para um show que ele ia fazer no Rio. Desculpei-me, dizendo que estava em Petrópolis e terminei o telefonema desejando-lhe “merda”. Meu neto, que na época tinha 5 anos, perguntou: “Por que você mandou meu pai à merda?”. Expliquei-lhe que não era o que estava pensando, mas uma saudação que se faz aos artistas antes do show, para que tudo dê certo, o equivalente à sorte. Meu neto olhou para mim, pensou e pediu: “Vó, liga de novo pro meu pai?”. Repliquei: “Mas você já não falou com ele?”. Ele insistiu: “Queria tanto mandá-lo à PQP…”.
*É atriz, atuou em mais de 50 filmes, 15 telenovelas e minisséries, além de peças de teatro. Também é cronista do Jornal do Brasil e autora do livro O Quebra-Cabeças (Imprensa Oficial, 2005), uma compilação de crônicas publicadas pelo jornal.
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