O Lago Mamori fica entre três e seis horas de barco de Manaus, dependendo da maré. A cidade mais próxima com eletricidade é Castanho, distante de meio a um dia de barco. Até pouco tempo, de fora só apareciam por lá rosados e desconfiados pescadores norte-americanos. Hoje o lago vem sendo tomado por jovens do mundo todo, munidos de laptops, sofisticados equipamentos de gravação, modernas máquinas fotográficas e filmadoras de última geração, que também convivem, comem, jogam bola e trabalham com os moradores do lago.
O Mamori Art Lab (Malab) foi criado em 2005 em Barcelona, Espanha, após a compra, pela internet, de uma casinha às margens do Lago Mamori, a 100 quilômetros de Manaus. Os quatro sócios, Asier Gogortza, Jordi Llorella (fotógrafos), Nacho Martí (designer gráfico), que operam na logística e na criação de programas, e Marco Ruiz, sócio investidor, viram ali um lugar adequado para a produção cultural.
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Pretendiam estabelecer contato não com o imaginário coletivo, com o “índio do Amazonas”, mas com as pessoas que simplesmente moram lá. E criar um laboratório de arte e múltiplas linguagens em meio à selva amazônica, que oferecesse oficinas de design, fotografia, cinema, vídeo, som (música) e arquitetura, ministradas por profissionais experimentados, permitindo um intercâmbio entre os participantes e os habitantes da região. E por que os brasileiros não participam?
Pois o arquiteto Marko Brajovic, nascido em Montenegro em 1973, ligado ao projeto desde sua criação e associado a partir de 2006, está encarregado de criar uma base aqui que envolva professores e participantes brasileiros. Marko chegou ao Brasil como diretor convidado da escola de design do Istituto Europeo di Design (IED), com sede na capital paulista. Atualmente trabalha como arquiteto e tem projetos desenvolvidos na Espanha, Itália, Inglaterra, Montenegro, Croácia, Alemanha, Costa Rica, Rússia, Brasil, Tailândia e Japão. A oficina que realizou no Mamori no ano passado – Cinema Flutuante – teve a participação de uma cenógrafa mexicana, um cenógrafo de Palma de Maiorca, um diretor de cinema norte-americano, uma arquiteta portuguesa, outra italiana, uma videomaker croata e uma única brasileira, uma produtora paulista. Com um barco alugado, exibiram filmes para a população local, às vezes de dia mesmo, pois muitos nativos viviam longe e precisavam navegar até quatro horas para chegar a sua casa.
A oficina de Brajovic para este ano – Casas Flutuantes – será realizada a partir de outubro e será antecedida por dois dias de atividades em São Paulo, com visitas à periferia e ao centro para captar como o modus vivendi influencia a arquitetura, originando conceitos pervertidos como, entre outros, o de bairro fechado. A selva urbana antes da selva amazônica.
Segundo Brajovic, Casas Flutuantes é o nome dado à solução encontrada pelos habitantes do Mamori para suas residências. Para eles, que vivem numa região onde o nível da água tem uma variação de 10 a 15 metros ao longo do ano, flutuar é mais cômodo e mais barato.
O terreno, geralmente inclinado, é uma terra de ninguém. As casas são presas por cordas, pois, como não há correnteza, também não há necessidade de âncoras. A proposta da oficina é estudar essa tipologia natural da Amazônia para aplicá-la em zonas críticas, que estão sendo afetadas por marés descontroladas provocadas pelas mudanças climáticas, de Bangladesh ao norte da Europa. A linha de seu workshop reflete a orientação adotada pelo Mamori: think local, act global. Segundo Brajovic, a arquitetura dos habitantes do Mamori se vale de estratégias indígenas e pós-coloniais, assim como da reutilização de lixo plástico para vedamento.
Como ler esses signos e criar uma possível gramática e uma linguagem arquitetônica nova? Como preparar a região para o crescimento demográfico e para a chegada da eletricidade? Vale registrar que eles já têm televisores – que, enquanto a eletricidade não vem, servem de mesinha para as imagens de santos.
Para se tornar professor do projeto, o candidato precisa ter vivência tropical, preocupações ambientais éticas e estéticas, conhecimento do mundo acadêmico e facilidade de se relacionar. Afinal, são dez dias de workshops, todos juntos no mesmo ambiente, 24 horas por dia. Uma experiência intensa em que a convivência é fundamental. Além de reunir essas qualidades, o candidato terá de ser capaz de levar o grupo a criar um formato “confortável” para uma pós-produção, seja ela um vídeo, uma exposição ou um CD, propostas reais para a região, um material de comunicação.
Isso porque o projeto funciona se cria conteúdos. Trabalha-se com produtos locais. Think global, act local. Nesses três anos, dez turmas já passaram pelo lago, deixando e levando idéias, propostas e ações.
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