Embora alguns teimem em chamá-lo de Chiquinho, não há espaço para diminutivos na carreira deste habilidoso e versátil piloto. A rima com campeão nunca foi tão verdadeira como para o paulistano Francisco Lameirão, nascido em 1o de julho de 1943, que pisou fundo em praticamente todas as categorias do automobilismo durante as décadas de 1960 e 1970 e conquistou vitórias memoráveis, como o título brasileiro de Fórmula Super V, em 1975. Em 15 anos de carreira, Chico enfrentou competidores de altíssimo nível, pertencentes a três gerações diferentes de pilotos, como Luiz Pereira Bueno e Bird Clemente, seus primeiros inspiradores, os irmãos Fittipaldi (Wilson e Emerson) e José Carlos Pace, rivais no fim dos anos 1960, Nelson Piquet, Ingo Hoffmann e Alex Dias Ribeiro, que faziam parte da então promissora geração de 1970.
Antes de consagrar-se no automobilismo, Lameirão gostava mesmo era de esportes náuticos e praticava esqui com a turma do Clube de Campo de São Paulo, nas imediações de Interlagos. O ronco dos motores que se ouvia de fora do autódromo, porém, o atraiu literalmente para dentro das pistas, quando, em 1962, aceitou um convite do amigo Geraldo Meireilles para participar de uma corrida de estreantes. O terceiro lugar conquistado a bordo de um Fusca 1.200, com pneu recauchutado e escapamento aberto, bastou para que Chico fosse atacado pelo “vírus da velocidade”. “Subi ao pódio ao lado de meu amigo, que venceu a corrida, e gostei da brincadeira – Interlagos passou a ser meu point preferido“, conta o piloto.
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A brincadeira, porém, durou pouco. Um ano depois do seu batismo nas pistas, Lameirão estava de volta a Interlagos, dessa vez para participar de uma corrida séria – um dos escolhidos para dividir a direção durante a prova era ninguém menos que o brilhante Luiz Pereira Bueno. O encontro com Bueno, que já pertencia à equipe Willys e lhe deu as primeiras e preciosas dicas de pilotagem, foi o ponto de partida de uma histórica carreira profissional.
Logo em seguida, Lameirão já fazia parte da temida Escudeira Willys, tendo como primeira prova oficial os 1.000 km de Brasília, em que voltou a fazer dupla com Luiz Pereira Bueno, pilotando um Gordini. “Estávamos tão bem classificados nessa prova, que o chefe e principal piloto da equipe Willys, Christian ‘Bino’ Heins, resolveu dividir a pilotagem conosco e terminamos a prova em terceiro lugar na classificação geral”, recorda Lameirão. A lembrança desse dia, entretanto, vem acompanhada por uma história triste: a corrida em Brasília foi a última do chefe da Willys no Brasil – logo depois Christian sofreria um acidente fatal durante as 24 Horas de Le Mans, na França.
A partir daí, o comando da Willys passou a ser de Luis Antonio Greco, que formou uma equipe de peso – além de Luiz Pereira Bueno, José Carlos Pace, Bird Clemente, Carol Figueredo, entre outros. Garoto, Emerson Fittipaldi era o primeiro reserva dessa turma de velozes. Lameirão passou a formar dupla com Pace, com um Gordini. “Andávamos mais de lado do que para frente. Era uma delícia as saídas de traseira”, relembra o piloto. Após acumular vitórias e quebrar recordes com os pequenos Gordinis, Lameirão foi promovido na equipe ao ganhar o direito de pilotar as “Berlinetas Willys Interlagos”, os bichos-papões da época, que dominaram as temporadas de 1963 e 1964.
Cada vez melhor, o piloto paulistano decide deixar a Willys para integrar a equipe Vemag, assumindo o volante de um DKW-Malzoni motor 1 litro. Com o carro, consegue mais um feito histórico: faz o melhor tempo para uma volta em Interlagos ao rodar a 3min49s, quebrando o recorde de seis anos antes do fantástico piloto argentino Juan Manuel Fangio, que havia virado em 3min50s com o seu Maserati 2,5 litros.
Em 1967, Lameirão é convidado para fazer parte da Jolly-Gancia, outra equipe que marcou época no automobilismo brasileiro, dos empresários italianos Emilio Zambello e Piero Gancia. Ao volante de uma Giulia e, depois, com as fabulosas Alfa Romeo GTA, Chico e sua turma voltaram a dominar as corridas no fim da década de 1960. Decepcionado por não ser o escolhido dentro da equipe para guiar a Alfa P33, um sonho do piloto na época, Lameirão deixou a Jolly-Gancia em 1969 para correr algumas etapas com o novo protótipo brasileiro de Anisio Campos, batizado de AC. No final daquele ano, participou, a bordo de um Merlyn, do torneio Internacional de Fórmula Ford, em Interlagos, e conseguiu um destacado 5o lugar.
Animado com os excelentes resultados alcançados ao longo da carreira, Lameirão decide, em 1970, vender tudo que tinha no Brasil para tentar a sorte na Europa, onde pretendia participar da Fórmula Ford inglesa. O pouco patrocínio e alguns contratempos em Londres – como o roubo de sua perua Ford Cortina utilizada para o transporte de ferramentas e equipamentos do seu carro de corrida – fizeram, porém, o piloto desistir de sua carreira internacional.
De volta ao Brasil, porém, Lameirão brilha novamente ao entrar para equipe Hollywood. Com um Merlyn, venceu o primeiro campeonato brasileiro da Fórmula Ford, em 1971, batendo pilotos de ponta como Alex Dias Ribeiro, Clovis de Moraes e Pedro Victor de Lamare.
Embalado com o surgimento das equipes profissionais de automobilismo, como a Hollywood e a Brahma, o piloto monta, em 1972, sua própria equipe, a Motoradio, que tinha como aliado o competente mecânico Miguel Crispim Ladeira. Na mesma época, passa ser o representante em São Paulo da fabricante de carros Polar, baseada no Rio de Janeiro e comandada pelos amigos Ricardo Aschar e Ronald Rossi. A parceria permite que Lameirão comece a fazer experiências até então nunca vistas no automobilismo – foi o primeiro piloto a usar calotas nas rodas para melhorar o arrasto aerodinâmico. “Éramos um verdadeiro laboratório da Polar”. Dirigir a Motoradio, porém, não bastava. Lameirão queria mesmo era estar nas pistas e colocar os seus carros para rodar. Foi nesse período que o piloto consegue conquistar o título mais importante de sua carreira, o de campeão da Super V, em 1975, torneio organizado pela Volkswagen que serviu de trampolim para outros futuros campeões, como Nelson Piquet e Ingo Hoffmann. Em 1978, Lameirão faz a sua última corrida de monoposto da carreira, pilotando um Kaimann no Rio de Janeiro.
Ainda um apaixonado pelo automobilismo, Chico Lameirão, hoje com 66 anos, diz não perder nenhuma corrida em Interlagos. Em parceria com um amigo, trabalha em uma oficina em São Paulo, próxima à represa de Guarapiranga, onde produz réplicas de veículos antigos e elabora um novo carro de corrida: “Específico para recorde em linha reta, com motor de 1 litro aspirado”. Coisas de Lameirão.
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