A Câmara dos Deputados retoma hoje (29) os trabalhos com o Marco Civil da Internet como principal ponto da pauta do plenário. O projeto, que tramita em regime de urgência, passou a trancar a votação de outras propostas desde ontem (28).
O presidente da Casa, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), apelou por um esforço das lideranças partidárias e espera votar até quarta-feira (30) a matéria que define direitos e deveres dos usuários e dos provedores de internet.
Ainda que tenha sido marcada uma sessão extraordinária para as 11h, a discussão deve levar mais de um dia para ser concluída. Deputados não conseguiram chegar a um acordo sobre o projeto que tramita há quase quatro anos no Congresso. Alguns parlamentares mantêm resistência, motivados principalmente pelas críticas de empresas de telefonia e provedores de internet ao princípio da neutralidade da rede previsto no texto. Veja alguns pontos em discussão acalorada.
Tipos de acesso x Neutralidade de rede
O ponto que representa o maior impasse em torno da proposta impede que as operadoras definam quais os tipos de acesso por parte do usuário teriam maior ou menor velocidade dentro dos pacotes oferecidos. Pelo texto, a garantia da neutralidade de rede seria regulamentada depois da aprovação do projeto, fazendo com que o provedor de conexão fique obrigado a tratar da mesma forma qualquer tipo de acesso a dados, respeitando os limites do pacote, mas sem diferenciação por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicativo.
O relator da matéria, deputado Alessandro Molon (PT-RJ), disse que essas empresas rejeitam o dispositivo por temer a limitação dos lucros pelos serviços prestados.
Segurança dos dados
A proposta que será analisada em plenário também proíbe as empresas que atuam no setor de repassar os registros de acesso dos internautas para outras empresas, como ocorre hoje no caso de empresas de telemarketing. A inviolabilidade e o sigilo das comunicações só podem ser quebrados por ordem judicial ou investigação criminal.
O relator ainda vai tentar manter, durante a votação em plenário, os itens que proíbem qualquer gravação e armazenamento dos dados de navegação do usuário. A proposta é impedir qualquer monitoramento, análise ou fiscalização do conteúdo dos pacotes de dados.
Qualidade no serviço
O marco civil ainda determina que a conexão não pode ser suspensa a não ser que haja débito, e a empresa responsável pela conexão é obrigada a manter a qualidade do serviço nos mesmos termos em que foi contratado.
A urgência do projeto foi solicitada pela presidenta Dilma Rousseff no início de setembro, quando foram divulgadas denúncias de espionagem praticadas pela Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos (NSA, na sigla em inglês) que tiveram como alvos empresas e autoridades brasileiras, entre elas a própria presidenta.
Outros pontos
A guarda de registros (logs) – se refere à conservação de dados sobre data, horário e duração de acesso à internet e serviços – é outro ponto polêmico no Marco Regulatório brasileiro. Além da questão de responsabilidade de conteúdo – a matéria responsabilizaria os provedores de serviço no descumprimento de uma ordem judicial que exigisse remoção do mesmo.
Os lados interessados da questão
Com a previsão de ser apreciado e votado a partir de hoje (29) pela Câmara dos Deputados, o Marco Civil da Internet será acompanhado de perto pela autoridade responsável pela coordenação mundial da rede – a Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números (Icann, na sigla em inglês), que acredita que a experiência interna brasileira, em termos de legislação e de modelos de representatividade, poderá ajudar a entidade no desafio de democratizar a internet e de retomar a credibilidade perdida com as recentes denúncias de espionagem.
Segundo o vice-presidente da Icann para a América Latina e o Caribe, Rodrigo de la Parra, a importância brasileira no novo modelo de gestão mundial da internet ficou ainda maior após o discurso feito pela presidenta Dilma Rousseff na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas.
A tendência, segundo ele, é que nessa nova forma de gestão haja a participação de “muitos stakeholder” [partes interessadas]. “Dessa forma, o Brasil tem muito a colaborar, até por ter um modelo similar interno: o CGI [Comitê Gestor da Internet], que é um modelo com multiatores, prática que é boa e pode ajudar o resto do mundo”, acrescentou. O comitê é o órgão responsável por coordenar e integrar todas as iniciativas de serviços de internet no Brasil. Formado por representantes da sociedade civil e por membros do governo, o grupo participa de debates e deliberações sobre implantação, administração e uso da rede.
Segundo De la Parra, as denúncias de espionagens feitas pelo governo norte-americano em diversos países prejudicaram a confiança que as pessoas depositavam na internet. “O momento agora é de juntarmos a sociedade civil e buscar mecanismos para solucionar esses problemas por meio de um novo modelo de segurança, que envolva mais democracia e participação na gestão. A solução não virá pela blindagem da internet [como foi já foi sugerido por alguns países]”, argumentou o representante da Icann na América Latina e no Caribe.
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