OutubroSe estivesse vivo, John Lennon completaria 70 anos em outubro. O ídolo, o ícone, o músico, esses serão sempre eternos nos corações e mentes dos fãs no mundo todo. A data foi lembrada ao redor de todo o planeta. Certamente, John viu tudo, de algum lugar. A nossa singela homenagem, no belo texto de Marcelo Pinheiro.


John Lennon completaria 70 anos neste 9 de outubro de 2010. Este ano também marca a passagem de três décadas de sua morte. Em ano de efemérides especiais, a gravadora EMI relança versões remasterizadas de todos os álbuns de sua carreira solo, com materiais inéditos, em diversos formatos, no ambicioso projeto intitulado Gimme Some Truth, que chegou às lojas do mundo todo a partir de 4 de outubro. Na ocasião da passagem de seu septuagésimo aniversário, o The Rock and Roll Hall of Fame & Museum, de Londres, irá receber três “cápsulas do tempo” contendo objetos enviados por fãs do mundo todo e gravações de Lennon, que somente serão abertas no centenário de seu nascimento, em 2040. Uma ação coletiva, que pretende “levar o legado de paz e amor de Lennon para as futuras gerações”. Algo teoricamente desnecessário, visto que o culto aos Beatles e seu líder parece fadado à eternidade.Lennon foi uma figura singular. Revolucionou o comportamento jovem e ditou regras. Protagonizou uma vida intensa, repleta de aventuras, desventuras e um crescente fascínio despertado por sua personalidade impetuosa e insolente. Nunca teve papas na língua. Afirmou em entrevista à revista Rolling Stone, em 1970, se reconhecer como “gênio”, desde a mais tenra idade. Evidentemente, era um. Lennon sabia das coisas.Abandono, genialidade e famaFilho de Alf Lennon, um oficial da marinha mercante britânica, o menino John lidou com uma amarga percepção de abandono, por toda a infância. O pai ajudava financeiramente, mas as viagens frequentes e os longos períodos de ausência culminaram no envolvimento de sua mãe, Julia, com outro homem e, consequentemente, na condenação de toda a família. Nesse período de grande instabilidade, Lennon acostumou-se às idas e vindas à casa da tia Mimi, e passou a viver definitivamente com ela, em 1946, ocasião em que o pai pretendia imigrar para Nova Zelândia e levar o filho consigo, mas abandonaria o menino de vez, indo atrás dele somente após o fenômeno dos Beatles.Não bastasse a constante turbulência, a frágil relação entre mãe e filho ainda teria um trágico desfecho, com a morte de Julia, atropelada por um policial embriagado. John tinha apenas 17 anos. Um adolescente fanático por Elvis Presley, Chuck Berry e Jerry Lee Lewis. Meses antes, ganhara da mãe o presente que mudaria seu futuro e os rumos de toda uma geração: sua primeira guitarra elétrica. Em pouco tempo, liderava a banda The Quarrymen, embrião dos Beatles, cujo nome prestava homenagem ao colégio Quarry Bank Grammar School, onde conheceu os amigos Paul McCartney e George Harrison. Seguiram-se os anos em Hamburgo, as noites no Cavern Club e o resto, como todos sabemos, é história.O fim dos Beatles e a mudança para território americano culminaram em um novo Lennon. Do intenso desbunde lisérgico do biênio em que criou as obras-primas Revolver e Sargent Peppers, viveu dias conturbados do outro lado do Atlântico. Em 1970, ele chegou a experimentar uma breve fase de consumo de heroína. Em entrevistas da época, admitiu nunca ter injetado, mas que inalava a droga com a esposa. Uma saída niilista para a opressão dos Beatles sobre seu relacionamento com Yoko, as intrigas financeiras do espólio milionário da banda e a amarga ciência de que as aventuras perniciosas dos anos 1960 haviam mesmo acabado. Não bastasse, Lennon ainda lidava com a enorme frustração das experiências transcendentais que esperava ter ao se envolver com gente como o guru indiano Maharishi Mahesh Yogi e o psicoterapeuta Arthur Janov, que durante um breve período o fez acreditar que poderia – por meio de sua terapia do Grito Primal, baseada em regressão, choro e gritos – exorcizar os fantasmas de sua infância traumática.O fim do sonho e o confronto com a realidadeEngana-se quem pensa que a união de Lennon e Yoko era uma comunhão de excessos e alienação. Ao fundirem ideias e agirem como um, criaram uma imagem pública de forte apelo. No Natal de 1969, levaram às ruas de 11 das principais capitais do mundo cartazes e outdoors com a frase “A guerra acabou (se você quiser). Feliz Natal de John e Yoko”. Em março do mesmo ano, se casaram em Gibraltar. A lua de mel, em Amsterdã, foi marcada pelo inusitado protesto que intitularam de Bed Peace – tresloucada coletiva de imprensa em que, durante duas semanas, prostrados na cama do hotel, pediam o fim da guerra do Vietnã e faziam apelos à paz mundial. Com mudança para Nova York planejada para acontecer ainda em 1969, pretendiam repetir o Bed Peace na Big Apple. Foram impedidos de entrar nos EUA, sob a cínica justificativa de que o ex-Beatle tinha sido flagrado pela polícia portando maconha na Inglaterra, em 1968. Com a negativa, o novo Bed Peace foi transferido para Bahamas e, após a primeira noite de calor insuportável, o casal decidiu hospedar-se em um hotel em Montreal, no Canadá. Para a fúria de Nixon, o país vizinho o acolheu e a imprensa mundial deu cobertura maciça ao novo Bed Peace.Se os protestos na cama sugeriam uma incipiente provocação de um tolo casal de hippies, John, de fato, envolveu-se com inimigos públicos da América. Bobby Seale, o líder dos Panteras Negras foi um deles. John Sinclair, Jerry Rubin e Abbie Hoffman, três dos mais radicais ativistas políticos, também cooptaram Lennon para a defesa de suas causas. Insolente, Lennon fazia aparições públicas ao lado deles, e apresentava os novos amigos e suas ideias em prosaicos programas de televisão para os quais era convidado.O cerco fechou-se contra ele em 1972. O casal chegou a sofrer ameaça de deportação, com o FBI insistindo no argumento do porte de maconha em Londres. Uma justificativa patética, se pensarmos que Lennon foi introduzido à erva proibida no primeiro encontro com o ídolo americano Bob Dylan, em 1964, e que aquela mesma geração começava a migrar do consumo de drogas lisérgicas e recreativas para a paranoia de outras drogas químicas pesadas e letais, como a cocaína e a heroína.O escândalo Watergate tirou Nixon de cena e, em 1975, depois de enfrentarem uma separação de 18 meses, motivada por uma traição e os excessos do marido, Lennon e Yoko, enfim, obtiveram o green card. Essa história e outras facetas políticas de Lennon foram registradas no documentário Os EUA contra John Lennon, de 2006, dirigido por David Leaf e John Scheinfeld.A permanência definitiva nos EUA coincidiu com a chegada do primeiro filho do casal, Sean Taro Ono Lennon, no dia em que John completou 40 anos. Após lançar nove álbuns de estúdio, e um ao vivo, ele interrompeu a carreira e passou a dedicar-se exclusivamente ao filho e à vida doméstica. Nada de surpreendente no fato. Nunca é demais lembrar que Sean foi o segundo filho de Lennon e que essa transição de rock star para o que chamou de house-husband (ou “dono de casa”, em uma tradução livre), tinha um viés de acerto de contas com sua própria postura como pai. Não é exagero dizer que seu primeiro filho, Julian Lennon – fruto da turbulenta união de John com Cinthia Powell, garota que conheceu no Liverpool College of Art -, sofreu as mesmas agruras de isolamento e abandono que John experimentou na infância. Brian Epstein, empresário dos Beatles, chegou ao cúmulo de omitir por muito tempo a informação de que John era casado e tinha um filho, para evitar uma provável decepção das fãs.A brilhante carreira artística de Lennon foi retomada cinco anos mais tarde, com o lançamento de um novo álbum autoral ao lado de Yoko, mas foi abruptamente interrompida por um gesto esquizofrênico e covarde. Avesso à paranoias com relação a sua segurança pessoal, acessível e solícito, ele foi presa fácil para o transtornado fã Mark Chapman que, naquela tarde de 8 de dezembro de 1980, horas antes de assassiná-lo friamente, pediu um autógrafo na capa de Double Fantasy, lançado dias antes.Nesses tempos niilistas em que o rock e a juventude parecem apáticos, dissociados da realidade e consumidos por uma tremenda fadiga criativa, Lennon é essencial. É como fogo diante de combustível. Suas ideias tem o poder de transformar e trazer o novo. Se estivesse vivo, infelizmente, constataria que sua ambição de alcançar a paz mundial ainda é açoitada por fantasmas nucleares, a estupidez de guerras santas e a banalização da violência urbana. Ele não está aqui, mas seu legado de liberdade, paz e amor ao próximo, continua cada vez mais vivo e necessário. As lições deixadas por ele serão eternas. Lennon é eterno.VEJA TAMBÉM– No YouTube, mensagens de artistas para celebrar os 70 anos de John Lennon- ESPECIAL JOHN LENNON 70 ANOS, no iG

A paz, 40 anos atrás


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