Levantes e insurreições na praça da concórdia

A Versailles, à Versailles, obra de Sigmar Polke, de 1988
A Versailles, à Versailles, obra de Sigmar Polke, de 1988
 
O museu Jeu de Paume, em Paris, inaugurou a exposição Soulèvement, uma viagem através da história do homem como protagonista de levantes e insurreições. Numa montagem multidisciplinar que inclui pinturas, fotografias, filmes e manuscritos, Georges Didi-Huberman conseguiu pintar um retrato fiel dos tempos atuais. Tempos sombrios, segundo ele.

Professor, filósofo, historiador e crítico de arte, o curador reuniu em cinco capítulos uma proposta para a reflexão sobre aquilo que faz as pessoas se mobilizarem, por que elas se sublevam e contra o que se rebelam. E também por que se acomodam diante das humilhações, por que se paralisam perante as ameaças e agressões. E quando isso acontece, se assim o é por covardia, por cinismo ou por desespero.
Para Didi-Huberman o que nos empurra às rebeliões são as forças mentais, as físicas e as sociais, e é através delas que “transformamos a imobilidade em movimento, a opressão em energia, a submissão em revolta e a renúncia em expansiva alegria”.

Inevitável pensar nas populações hoje deslocadas de suas cidades pelos conflitos, no aumento dos campos de refugiados e, como se já não fossem situações suficientemente dramáticas, nos milhares que morrem na tentativa de levar suas famílias para outras paragens. Também inevitável lembrar de políticos como o presidente da Hungria e o novo presidente dos Estados Unidos e seus discursos fascistas com relação a esta e outras questões.

Parte importante do conjunto de Soulèvement é o catálogo da exposição, uma bela peça gráfica com capa e contracapa do fotógrafo Giles Caron, mostrando uma cena de manifestação anticatólica em 1969, em Londonderry, Irlan­­­­­­da do Norte. Em suas mais de 400 páginas, além de uma profusão de imagens da exposição, há textos do curador, da diretora do Jeu des Paumes, Marta Gili, e cinco ensaios dos filósofos Judith Butler, Antonio Negri, Marie-José Mondzain e Jacques Rancière e da escritora e crítica de cinema Nicole Brenez.

Os cinco capítulos da exposição se­guem uma narrativa. A ordem é: Elementos Desencadeados, Gestos Intensos, Palavras Exclamadas, Conflitos Inflamados e Desejos Indestrutíveis. No primeiro, Didi-Huberman compara os levantes às forças da natureza. São como tempestades em formação, furacões, violentos vagalhões. Um exemplo são os desenhos de 1856 de Victor Hugo, o autor de Os Miseráveis, e foto da obra de Marcel Duchamp, O Grande Vidro, feita pelo fotógrafo surrealista ManRay. Há também o espanhol Francisco de Goya e sua crítica à realeza e ao clero espanhóis, no final do século XVIII, começo do XIX, com três desenhos de suas séries Los Caprichos, Los Disparates e Desastres de la Guerra. A contemporânea primavera árabe é foco da obra de Jasmina Metwaly, Tahir Square, filmada através de faixas na praça no Cairo.

A veemência dos gestos na greve da Citroen, e, 1938
A veemência dos gestos na greve da Citroen, em 1938, na foto de Willy Ronis

No segundo capítulo, a insurreição é vista como gesto e como ela instiga outros gestos. Quando o peso se torna insuportável e se transforma em sublevação. São gestos como braços levantados ou mesmo golpes de martelo, como o de Antonin Artaud, reproduzido na exposição, cuja veemência é expressa através da linguagem do corpo ou da boca e suas exclamações.

Palavras é tema do terceiro capítulo, que tem obras dos brasileiros Cildo Meirelles e Hélio Oiticica, do espanhol Federico Garcia Lorca e do polonês Sigmar Polke com sua À Versailles, à Versailles.
E nos dois últimos capítulos, Os Conflitos e Os Desejos, as anotações sobre greves e como o fato de fazê-las não significa fazer nada (referência a cruzar os braços), mas o oposto, ou seja, fazer muito. Nestes dois últimos capítulos Brecht, Miró, Cartier Bresson, Manet. A exposição junta estética, forma com conteúdo, conteúdo político, e nos leva a concluir que não há derrota na sublevação, mas sim na apatia.

Com vários livros publicados no Brasil, em 2015 Didi-Huberman esteve no País e dividiu com Tadeu Capistrano, professor da Uerj, a organização do seminário internacional Chamar as Chamas: Imagens, Gestos, Lvantes, no MAR, o Museu de Arte do Rio.

As bocas de Gabriela Sacco produzidas entre 1993 e 1994
As bocas de Gabriela Sacco produzidas entre 1993 e 1994

Tudo é muito coerente, mesmo o que não foi proposital. Mesmo o que não tem a mão do curador. O endereço do museu, por exemplo. O Jeu de Paume fica no número 1 da Place de la Concorde, que, no final do século XVIII, se chamava Place Louis XV e logo depois, assim que a estátua do rei que lá havia foi derrubada pela população irada, passou a se chamar Place de la Revolution. Foi ali que se instalou a guilhotina e mais de mil franceses tiveram a cabeça cortada. Entre eles o rei Luis XVI e sua mulher, Maria Antonieta, em 1793, por obra de Maximilien de Robespierre, o artífice do que passou para a história como a Era do Terror. O mesmo Robespierre que, mais tarde, em julho de 1794, também teve sua cabeça cortada pela guilhotina.


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