Meus caros, há muito tempo não falo de teatro aqui, mas vou compensar indicando duas peças, ambas imperdíveis. Ontem de noite eu assisti ao espetáculo Doido, que na verdade é uma coletânea de trechos de várias peças de teatro, de autores como Dante Alighieri, Shakespeare, e outros mais modernos, além de poemas, crônicas, e sabe-se lá mais o que, todos reunidos, representados e recitados por Elias Andreato. A medida em que ele vai lendo, vai jogando para trás papéis que parecem ser as páginas do texto, e você identifica, aqui e ali, passagens que conhece. Ele não hesita em interpretar o dilema de Hamlet, este sempre inconfundível pelo “Ser ou não ser…”, mas que está lá inteiro, numa bela tradução. Também recita Dante em italiano, que, mesmo sem tradução alguma, fica lindo.
Poderia ser chatíssimo ou incompreensível, não fosse Andreato um excelente ator, capaz de tornar Shakespeare e Dante leves, fáceis, e muito bem conectados com os textos lidos antes e depois. Vinicius de Moraes também está lá, com seu poema “que não seja imortal posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure”, também Fernando Pessoa, e outros, que dá uma vontade enorme de saber de quem são. Na verdade, nós vamos sendo levados pelo ator fantástico que ele é, que emociona, faz rir, muda de rosto e postura num estalo. A receita é arriscadíssima, poderia resultar em um caleidoscópio absurdo, mas Andreato faz com que, ao final, tudo forme um só texto, belíssimo. Você percebe, então, como o teatro é fundamental, mesmo nos dias de hoje, pois emociona como a melhor televisão, ou a mais sofisticada internet. A emoção é a mesma, de séculos, décadas atrás, ou agora.
E tem outra peça, um monólogo lido e representado maravilhosamente pela atriz Clarice Niskier, chamada A Alma Imoral. O texto é baseado no livro homônimo, do rabino Nilton Bonder, homem incrível, expoente do judaísmo no Brasil. Eu amaria que todos aqueles que adoram vir ao meu blog para me surrar, gaguejando os termos “moral “ e “imoral” para cima e para baixo, lessem o livro, ou assistissem a peça. Bonder é rabino, portanto, conhece profundamente o Velho Testamento, e também o Novo, estejam certos. Não sei quem escreveu a orelha, o pequeno texto que apresenta o livro, mas dela transcrevo os seguintes dizeres: “Para Nilton Bonder, a alma e suas propostas são ‘imorais’. A evolução humana depende fundamentalmente de atos que são percebidos pela ótica dos costumes e da tradição como traições. Sem estas, a transmissão de valores éticos e espirituais do passado – a tradição – deixa de ser um importante instrumento para preservação da espécie humana, transformando-se em obstáculo”.E segue: “Tomando por exemplo o que denomina de a traição judaico-cristã, Bonder revela que traído e traidor são uma mesma pessoa, em que residem duas naturezas conflitantes, mas ao mesmo tempo interdependentes: o corpo (da conformidade e da adaptação) e a alma (da rebeldia e da mutação). Da união desses elementos nascerá um novo homem, que fará da transgressão um passo fundamental para o total conhecimento de si e dos outros.” Ambos, livro e peça, são incríveis.
Essas duas peças ficam como lição de casa para todos os meus leitores. Se perderem as duas, ambas montadas no teatro Eva Herz, por favor sumam deste blog! As peças estão montadas em São Paulo, mas o site deve mostrar se irão excursionar por outras cidades. De qualquer forma, ao menos o livro, que traz a segunda, está disponível para todos, em todo o Brasil.
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