Nos anos 1960, o automobilismo no Brasil estava em franco desenvolvimento. Vivia-se um novo ciclo com a indústria brasileira e as montadoras, com suas equipes oficiais de corrida, abriam espaço para uma nova geração de pilotos. A grande maioria vinda do kart.
Pouco antes, todos os amantes das pistas assistiram o piloto Juan Manoel Fangio ser pentacampeão mundial, quase aos 50 anos. O slogan da época era: “Estes homens maravilhosos e suas máquinas voadoras”. E foi nessa efervescência de velocidade que surgiu a carioca Graziela Fernandes, uma das primeiras brasileiras a disputar provas no Brasil.
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Filha de italianos e apaixonada por automóveis, ela estreou nas pistas em 1964, em uma corrida feminina no Rio de Janeiro, com o GT esportivo Willys Interlagos. A prova era uma preliminar das 100 Milhas da Guanabara. Com o motor quebrado, ela não completou a prova e foi pedir apoio na fábrica Willys. No primeiro contato foi convidada a fazer um teste, sendo aprovada como piloto de provas. Com isso, mudou-se para São Paulo. Teve a chance de atuar ao lado de Wilsinho Fittipaldi, Bird Clemente e outras feras que integravam a equipe oficial da Willys, mas foi no piloto Luiz Pereira Bueno que encontrou um grande mestre.
Trabalhando na Willys, ela recebeu um Renault 1093 emprestado pela fábrica para que pudesse participar de corridas. “Ele foi todo preparado por baixo dos panos”, diverte-se Graziela. Com esse modelo, participou de uma prova em Interlagos e uma nas ruas de Piracicaba (SP) como única representante feminina. Sem se intimidar com aqueles pilotos renomados e experientes, terminou em segundo lugar na categoria. Em 1966, correu nos 1.000 km de Brasília com um Willys Interlagos, onde fez dupla com o Luis Carlos “Tigrão” Fagundes, mas o carro quebrou faltando duas horas para o final da prova.
Um belo dia, visitando a fábrica de volantes de direção dos irmãos Emerson e Wilson Fittipaldi, deparou-se com um pequeno kart e ficou tão entusiasmada pelo “brinquedinho” que acabou sendo convidada para correr em Ribeirão Preto (SP). De capacete em punho, Graziela lembra que no início ficou um pouco assustada com aquele estridente barulho dos dois motores (200 cc) sem suspensão, bem diferente dos carros de turismo que estava acostumava a pilotar. Pensou em desistir, mas quando se deu conta da quantidade de repórteres presentes, todos ávidos por conhecer a “boneca” que participaria da corrida, mudou de ideia. “Havia até TV, algo raro em corrida de kart. Então, fui à luta”, lembra a piloto, que não fez feio: subiu ao pódio em terceiro lugar entre os estreantes.
O sucesso de Graziela Fernandes como representante feminino no automobilismo fez com que a Ford (ex-Willys) a convidasse para pilotar o carro-madrinha do recém-lançado modelo Galaxie, em Piracicaba. Sua participação encantou o público presente. Paralelamente às corridas, Graziela deu um curso de mecânica na Chrysler exclusivamente para mulheres e, dois anos depois, fez o mesmo para a Ford do Brasil. Ao todo, 500 alunas saíram diplomadas de seu curso. Graziela sempre teve muitos amigos, entre eles, o casal Piero e Lula Gancia, proprietários da equipe Jolly-Gancia. Graças a essa amizade, e à sua competência nas pistas, passou a correr pela equipe. “A marca Alfa Romeo era um sonho de criança. Além disso, me deixava mais perto de participar das Mil Milhas, a corrida mais badalada no Brasil”, lembra. Ela estreou na Jolly-Gancia na inauguração da Rodovia Presidente Kennedy, em Porto Alegre, e terminou em quarto lugar. Foi a única mulher entre os 63 participantes. Logo depois, em 1970, com a reabertura do Autódromo de Interlagos, Graziela fez dupla com Carlos Alberto Sgarbi na tão sonhada Mil Milhas, com um Alfa GTA. Terminaram em sétimo lugar.
Em 1971, Graziela Fernandes foi presença constante nas pistas, tornando-se uma atração à parte na equipe Jolly. Onde quer que competisse, a curiosidade sobre ela era enorme.
Naquela temporada participou da Copa Brasil, das preliminares da Fórmula 3 Internacional, das 12 Horas de Interlagos, das 6 Horas de Interlagos (em dupla com Ciro Cayres) e dos 300 km de Tarumã, em Porto Alegre. Suas duas últimas corridas com o Alfa GTA foram os 500 km de Interlagos e a primeira etapa na Copa Brasil. “Parei porque proibiram os carros de turismo importados”, diz. Quando a Jolly parou, o seu patrocinador, Valvoline, a convidou para testar um Opala, mas ela não se adaptou: “Foi um horror trocar o Alfa GTA pelo Opala Stock Car”. Depois disso, Graziela voltou a correr em 1982 e 1983, junto com seu marido Carlos Alberto Santos (atleta que foi da equipe olímpica brasileira de hipismo), nas Mil Milhas de Interlagos com um Opala Stock Car, de Zeca Giaffone, preparado por Jayme Silva.
Seu próximo passo foi reaproximar-se das motos – ainda adolescente pilotava uma pequena motocicleta de 50 cilindradas -, comprando uma Kawasaki Ninja 900 cc para as suas horas de lazer. Depois, o casou comprou uma fazenda e, para facilitar o transporte entre o campo e a cidade, Graziela uniu o útil ao agradável, concretizando outro sonho de juventude: tirou brevê e passou a pilotar aviões. Primeiro foi um monomotor e depois um Seneca de dois motores. Em 1979, tornou-se a primeira mulher a conseguir a licença de piloto de linha aérea, a mais graduada do Brasil. Em 1990 voou em um jatinho Learjet, que chegava a atingir 900 km/h. Em 31 anos como piloto dos ares, ela acumulou mais de sete mil horas de voo. No mesmo ano, Graziela aceitou o convite de uma equipe de lanchas offshore e foi correr, dessa vez, na água. Para uma iniciante, saiu-se muito bem, vencendo a última etapa na Baía de Guanabara. Em 1995, voltou para as águas da Represa de Guarapiranga, em São Paulo, e na categoria F-1 dos barcos, obtendo o terceiro lugar. Atualmente participa de provas de tiro ao prato e adora mergulhar nas águas do litoral norte de São Paulo. “Estou em plena forma para participar de ralis e provas de subida de montanha”, garante. Ninguém duvida.
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