Na loucura das bolsas, das eleições aqui e ali, das pequenas e grandes tragédias cotidianas, muitas vezes a gente não fica sabendo do que realmente é importante saber entre a vida e a morte, o céu e a terra.
Destes fatos, muitas vezes costumo ser informado mais pelos amigos no outlook do que nas navegações internéticas. Conto para isso com uma rede de correspondentes voluntários do Balaio, que aumenta a cada dia.
Agora mesmo, por exemplo, recebo do repórter Chico Pinheiro, benemérito colega do Grupo de Oração e apresentador da TV Globo nas horas vagas, a notícia da morte do compositor Luiz Carlos da Vila, o grande poeta do samba.
Chico, ele próprio um poeta do jornalismo, tem um jeito muito dele de encarar as coisas da vida e da morte, sempre com muita paixão, um menino que ficou grande sem ficar bobo, mas sem nunca deixar de ser menino.
Segue a mensagem que ele mandou aos amigos, com direito à letra de três composições de Luiz Carlos da Vila (ainda preciso aprender como é que faz para colocar som no blog):
Queridos e queridas,
o Brasil perdeu hoje um grande poeta negro, um grande sambista, uma grande ave mansa.
Aos 59 anos, vai Luiz Carlos da Vila viver para sempre o seu Dia de Graça, na eterna manhã feliz, “do jeito que o Mestre sonhava ”
Quem não ouviu suas músicas não sabe das belezas que estão escondidas ali.
“Por um dia de Graça”, um dos hinos das “Diretas Já”, é uma profunda manifestação de Esperança, oração que poderíamos proferir todos os dias neste Brasil.
“Kizomba”, samba-enredo que ele compôs para a Unidos de Vila Isabel (e venceu !) é a profissão de fé em Zumbi dos Palmares e na força transformadora da luta pela Libertação.
“Nas veias do Brasil” (gravada também por Beth Carvalho) é canto de amor-doação do preto velho que cura de graça, da mãe negra que amamenta amorosa os filhos do senhor da casa grande, na esperança de que o alimento dê a cada pequeno um coração para sempre sensível.
Vai Luiz Carlos da Vila, vai brilhar com a luz de Candeia, vai para refletir sobre todos nós a beleza do sonho do Mestre, que agora podes contemplar, face a face.
Pede a todos o santos e orixás que nos ensinem a descobrir a riqueza da Graça derramada sempre sobre todos e cada um de nós a cada dia. Axé !!!
Com fraternura, Chico Pinheiro, repórter
Por um dia de Graça
Composição: Luiz Carlos da Vila
Um dia, meus olhos ainda hão de ver
Na luz do olhar do amanhecer
Sorrir o dia de graça
Poesias, brindando essa manhã feliz
Do mal cortado na raiz
Do jeito que o Mestre sonhava
O não chorar
E o não sofrer se alastrando
No céu da vida, o amor brilhando
A paz reinando em santa paz
Em cada palma de mão, cada palmo de chão
Semente de felicidade
O fim de toda a opressão, o cantar com emoção
Raiou a liberdade
Chegou o áureo tempo de justiça
Do esplendor, do preservar a natureza,
Respeito a todos os artistas!
A porta aberta ao irmão
De qualquer chão, de qualquer raça
O povo todo em louvação
Por esse dia de graça!
Kizomba, A Festa Da Raça
Composição: Luiz Carlos da Vila
Valeu, Zumbi
O grito forte dos Palmares
Que correu terra, céus e mares
Influenciando a abolição
Zumbi, valeu
Hoje a Vila é Kizomba
É batuque, canto e dança
Jongo e Maracatu
Vem, menininha
Pra dançar o Caxambu
Ô,ô, Ô,ô
Nega mina
Anastácia não se deixou escravizar
Ô,ô
Ô,ô,ô,ô
Clementina, o pagode é o partido popular
Sacerdote ergue a taça
Convocando toda a massa
Neste evento que congraça
Gente de todas as raças
Numa mesma emoção
Esta Kizomba é nossa constituição
Esta Kizomba é nossa constituição
Que magia
Reza, ajeum e Orixá
Tem a força da cultura
Tem a arte e a bravura
E o bom jogo de cintura
Faz valer seus ideais
E a beleza pura dos seus rituais
Vem a Lua de Luanda
Para iluminar a rua
Nossa sede e nossa sede
De que o aparthaid se destrua
Nas Veias Do Brasil
Composição: Luiz Carlos da Vila
Os negros
Trazidos lá do além-mar
Vieram para espalhar
Suas coisas transcendentais
Respeito
Ao céu, a terra e ao mar
Ao índio veio juntar
O amor, à liberdade
A força de um baobá
Tanta luz no pensar
Veio de lá
A criatividade
Tantos o preto velho já curou
E a mãe preta amamentou
Tem alma negra o povo
Os sonhos tirados do fogão
A magia da canção
O carnaval é fogo
O samba corre
Nas veias dessa pátria – mãe gentil
É preciso altitude
De assumir a negritude
Pra ser muito mais Brasil.
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