Lula abusa do seu anjo da guarda e da popularidade?

Caros leitores,

antes de mais nada, devo fazer um agradecimento a todos vocês pela audiência que dão a este Balaio e à crescente qualidade dos comentários nos debates aqui travados.

Só posso atribuir a isso a mensagem que recebi no final da noite desta segunda-feira do Rodrigo Azevedo, presidente do site Comunique-se:

“Caro Ricardo Kotscho,

Parabéns! Você está entre os indicados do Prêmio Comunique-se 2009 e já pode se sentir um vencedor.

Como você sabe, o Prêmio Comunique-se é o único em que os jornalistas são indicados pelo voto dos próprios colegas, ou seja, aqueles que mais entendem de jornalismo”.

Fiquei ao mesmo tempo surpreso e feliz com esta notícia porque, entre os 10 indicados na categoria, acho que sou o mais velho em atividade e o Balaio é o blog mais jovem (só vai completar um ano no ar no próximo mês).

Valeu, pessoal.

***

Vamos aos fatos do dia. Ao ler esta manhã o noticiário em destaque nos jornais e na internet sobre o depoimento de Lina Vieira, ex-secretária da Receita Federal na CCJ do Senado, voltei a me fazer a pergunta que está no título deste post.

Na véspera, durante solenidade ao lado do presidente mexicano Felipe Calderón, no Itamaraty, ao ser interpelado por jornalistas sobre a questão Dilma-Lina, o presidente Lula não se fez de rogado e lançou um desafio à ex-funcionária:

“Qual a razão que essa secretária tinha para dizer que conversou com a Dilma e não mostrar a agenda? Só tem um jeito: abrir a mala em que ela levou a agenda e mostrar a agenda para todo mundo”.

É mais um caso de bola dividida em que Lula entrou sem precisar, dando de bandeja munição aos adversários, como já havia acontecido ao longo da novela Sarney, quando exagerou na defesa do aliado e depois teve que recuar.

Não faz sentido o presidente da República bater boca com uma funcionária de segundo escalão, ainda mais num episódio tão nebuloso, que vem sendo alimentado pela mídia com a ajuda do próprio governo dia após dia.

Bastaria responder que não iria tratar de questões de política interna ao lado de um visitante estrangeiro, como já fez em tantas outras ocasiões aqui dentro e no exterior.

Fica difícil imaginar, convenhamos, que toda esta história tenha sido simplesmente inventada por Lina Vieira em entrevista à Folha, ela que até outro dia ocupava um cargo de confiança no governo, responsável pela arrecadação dos impostos federais.

A nova crise política em que o governo se desgasta nem teria começado, se a ministra Dilma Roussef simplesmente houvesse desmentido o teor da conversa que teria mantido com Lina Vieira sobre a investigação feita pela Receita nos negócios da família Sarney.

Ficaria uma versão contra a outra numa conversa de que apenas duas pessoas teriam participado.

A própria Lina afirmou agora há pouco no começo do seu depoimento na CCJ: “Não me senti pressionada. Interpretei como um pedido para resolver o caso”.

Ora, qual o problema? Interpretar por interpretar, cada um pode interpretar o que quiser do que o outro falou numa conversa reservada. Ao negar o encontro, a ministra Dilma corre agora o risco de que mais dia, menos dia apareça alguma prova e a desminta, colocando em xeque a palavra do presidente.

“Não preciso de agenda para falar a verdade”, respondeu Lina ao desafio do presidente. Lula poderia ter passado sem essa.

Da mesma forma, poderia ter costurado internamente o apoio a José Sarney e à sua base aliada comandada pelo PMDB, sem se expor em tantas entrevistas e discursos, quando chegou a afirmar que o presidente do Senado não poderia ser tratado como um homem comum.

O fato de ligar sua imagem a figuras como Sarney, Collor e Renan para manter unida a base aliada e o apoio a Dilma em 2010, ao contrário do que todo mundo previa, inclusive eu, não abalou a popularidade do presidente, que permanece próxima dos 70%, algo inédito na reta final de um governo.

Ao mesmo tempo, seria recomendável ao presidente levar em conta os 74% da população que condenaram Sarney e defenderam a sua saída da presidência do Senado, segundo a mesma pesquisa Datafolha publicada no último domingo.

Em texto publicado hoje no seu blog “Observações Políticas”, Alon Feuerwerker, que foi meu colega no governo Lula e agora é vizinho aqui no iG , faz uma análise a meu ver bastante correta sobre o quadro político revelado pelo Datafolha diante destes números aparentemente contraditórios.

“Constata-se novamente que a consciência do cidadão não tem outro dono a não ser o próprio. Se o brasileiro comum não vai ficar contra Lula só porque há pessoas bem nascidas e bem postas falando mal do presidente, tampouco vai ficar a favor de Sarney só porque isso convém aos propósitos políticos de Lula e do PT. O cidadão-eleitor é cada vez mais dono do nariz. Até porque tem cada vez mais acesso a informação. Alguns só se lembram disso quando é a seu favor. Acabam quebrando a cara”.

Como não quero que o presidente quebre a cara, penso que está na hora dele se preservar mais e entrar em menos bolas divididas, algumas delas absolutamente desnecessárias.

Por enquanto, os números das pesquisas mostram que a população separa a crise política da realidade econômica em que vive, com a retomada do crescimento, dos investimentos e dos empregos, e é nisto que o presidente bota fé, como me disse durante uma breve conversa que tivemos no último domingo.

Tranquilo e confiante como sempre, Lula acredita que os próximos números dos indicadores econômicos vão melhorar ainda mais e teremos boas notícias até o final do ano, o que o leva a não dar maior importância à interminável crise política que se arrasta desde o começo de 2009.

Certa vez, em entrevista que fiz com ele no final de 2007 para a Brasileiros, perguntei-lhe quem era seu anjo da guarda, que deve ser bem poderoso, já que sua popularidade só fazia aumentar, apesar de todas as crises enfrentadas pelo seu governo desde o primeiro mandato.

Não me lembro mais da resposta, mas certamente Lula continua confiando muito neste anjo da guarda. As pesquisas mostram que até aqui ele tem tido boas razões para não se preocupar com o que a imprensa fala dele.

Claro que contribui para isso, e deve ser até determinante, o fato de que a maioria da população vive hoje melhor do que em 2003.

Temos menos gente passando fome e mais brasileiros comprando carros, mais classe média e menos miseráveis, mas acho muito arriscado jogar todo este patrimônio de aprovação popular para manter a base aliada a qualquer custo e fazer o sucessor em 2010.

Até porque, a esta altura do campeonato, com o descrédito generalizado que atinge partidos e políticos, fica difícil saber quais aliados vão dar ou tirar votos na próxima eleição.


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