Luz, câmera e inspiração

Quanto mais Marilyn melhor
Se viva, Marilyn Monroe (1926-1962) completaria em junho deste ano 86 anos. Meio século após sua morte, a diva será homenageada no Festival de Cannes, que começa neste mês de maio. Para quem achava que a reverência à atriz partiria do cinema hollywoodiano, onde ela se criou, é do cinema inglês que vem Sete Dias com Marilyn.
O
filme acompanha um período dramático da vida de Marilyn – sua primeira viagem à Inglaterra, onde ela rodou entre inúmeros contratempos, O Príncipe Encantado (1957). Cercada de medalhões, como Laurence Olivier, Vivien Leigh e Sybil Thorndike, a loira não aguentou a pressão: enfrentou dificuldades para completar as filmagens e, depois de discutir com o dramaturgo Arthur Miller, com quem era recém-casada, afastou-se da produção durante uma semana sem dar explicações.

São nesses sete dias que a atriz se aproxima do jovem Colin Clark, terceiro assistente de direção de Olivier. A semana que passou ao lado de Marilyn, viajando pelos arredores de Londres, foi suficiente para que ele se apaixonasse por ela. Tudo foi registrado em um diário transformado em livro, Minha Semana com Marilyn (Editora Seoman, 160 páginas), cuja publicação no Brasil coincide com a estreia do filme.

Preciso, o filme conta com atuações excepcionais de Kenneth Branagh, Judi Dench e Toby Jones, além de um delicioso roteiro recheado de piadas com típico humor inglês. Michelle Williams (em sua terceira indicação ao Oscar) revisita o mito de Marilyn com maestria. Assim como acontecia com sua personagem, quando a câmera focaliza Michelle, o espectador não tem olhos para mais ninguém.

Poe é pop
Não raro, o cinema adapta grandes obras literárias. O sombrio Edgar Allan Poe (1809-1849), um dos fundadores da literatura fantástica, não poderia ser exceção. Seu célebre poema O Corvo ganhou uma adaptação de nome homônimo e tons cômicos em 1963, com Vincent Price. Quase meio século depois, é a vez de John Cusack encarnar o atormentado literato.

No filme que chega aos cinemas neste mês, o corvo do poema de Poe é a alcunha de um assassino que se inspira nas obras do autor para cometer os mais escrupulosos e cruéis assassinatos. Não faltam referências a clássicos da literatura policial e do horror como Os Crimes da Rua Morgue, O Poço e o Pêndulo, A Queda da Casa de Usher e outras – recentemente republicadas em Contos de Imaginação e Mistério (Editora Tordesilhas, 420 páginas).

Dirigido por James McTeigue (V de Vingança), o filme acerta ao transpor, de forma criativa, as linhas de Poe para a mente de um perverso assassino, na forma de cadáveres degolados, emparedados e desfigurados. Também é eficiente ao situar a história durante os últimos dias de vida do escritor, um período de poucas informações: sabe-se apenas que ele perambulava pelas ruas de Baltimore, balbuciando palavras sem sentido. Contudo, o filme peca na composição do personagem, meio caricata. Poe é transformado em uma figura pop, um tipo heroico, que nem mesmo o talento de Cusack consegue colocar de pé.

Amor e outras drogas
Se a literatura de Poe inspirou O Corvo, Charles Baudelaire fez o mesmo por Paraísos Artificiais, mas a referência é puramente textual. Assim como a obra do poeta francês, a estreia de Marcos Prado (do documentário Estamira) na ficção aborda o uso de drogas como válvula de escape para as amarguras e questionamentos impostos pela vida.

No longa, a DJ Érika (Nathalia Dill, em atuação madura e corajosa), encontra Nando (Luca Bianchi) em uma festa de música eletrônica em Amsterdã. Os dois iniciam um breve relacionamento e têm a sensação de já se conhecerem. A história, então, retrocede para narrar o primeiro encontro do casal, em uma rave realizada no nordeste brasileiro. Lá, eles unem-se a Lara (Lívia de Bueno) e vivem uma noitada de sexo regada a álcool e drogas, cujo final é desastroso.

Caleidoscópico, o roteiro avança e retrocede, adentra lembranças dos personagens e acaba confundindo o espectador. Ao final, o filme não diz muito a que veio. Montado como um videoclipe, o resultado é irregular, mas tem seus trunfos: não apresenta uma visão moralista ou glamourosa sobre o consumo de drogas e com direção de arte e locações deslumbrantes.

Bandido corazón
O Bandido da Luz Vermelha foi lançado em 1968 e projetou o nome de Rogério Sganzerla (1946-2004). Filme-manifesto da estética da boca do lixo, o longa foi um marco do cinema nacional e até hoje é uma das produções brasileiras mais premiadas e queridas do público.

Quatro décadas depois, Luz nas Trevas – A Volta do Bandido da Luz Vermelha marca o fim da saga sganzerliana – nas palavras de Helena Ignez, codiretora e viúva do cineasta. A história se passa 35 anos após o filme original e situa Luz Vermelha – Ney Matogrosso, em atuação surpreendente – na prisão, onde ele passa em revista sua carreira criminosa entre leituras de Nietzsche e Kant. Paralelamente, o divertido roteiro apresenta ao espectador Tudo ou Nada (André Guerreiro Lopes), filho de Luz Vermelha que segue os passos do pai.

Em um jogo metalinguístico, Luz nas Trevas nada deve ao filme original. Homenageia a fita de Sganzerla, seja na linguagem fragmentária, de tons pop e diálogos sugestivos, seja na releitura de personagens, como Janete Jane no papel de Helena, agora reinterpretado por sua filha, Djin Sganzerla.

Visão alternativa do personagem criado por Sganzerla, Helena realiza um filme quase feminino. Zorro latino-americano, cangaceiro urbano no passado, Luz Vermelha agora almeja autoconhecimento e redenção.


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