Rezadeiras, curandeiras, benzedeiras. Os nomes variam, mas a importância é a mesma para as pessoas que as procuram em busca de uma oração para a cura de algum mal. Em comum, além da humildade e do olhar doce, as rezadeiras têm alguns modos de orar, benzendo os pacientes com as mãos ou com plantas, em uma linguagem própria, uma espécie de cochicho ininteligível que mantêm com Deus ou com os(as) santos(as) que são devotas.
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As rezadeiras são líderes naturais nas comunidades onde vivem. São respeitadas, principalmente pelas mães que, na maioria das vezes, optam por suas rezas para curar os filhos das doenças. Na Paraíba, desde a época dos cangaceiros e beatos era comum recorrer à flora da caatinga para fazer lambedores, purgantes, emplastros, pomadas e garrafadas, acompanhadas de gestos e orações, rezas, benditos, novenas, ofícios, terços, rosários, entre outros recursos de cunho religioso.
Nessa época, os rituais das rezadeiras eram muito próximos do que os padres entendiam como doutrina espírita. Por isso, as benzedeiras foram, por muito tempo, isoladas do convívio com a Igreja Católica devido a interpretação de fenômenos de mediunidade. Com o passar do tempo, foram adquirindo espaço na sociedade e hoje não há município ou comunidade paraibana que não tenha uma rezadeira.
Essas mulheres fazem questão de declarar que não utilizam seus dons para realização de “pedidos malignos”. No máximo, elas pressentem os “enguiços”, que seriam um mal desejado a alguém, mais conhecido por todos como “mau olhado”.
Sempre lembradas por pessoas de classes sociais diversificadas, que em pleno século XXI, apesar de todo avanço da medicina, ainda acreditam primeiramente nesses “anjos de Deus”, as rezadeiras não acreditam que o ofício acabe um dia. A estudante universitária Sayonara Kelly Pontes, de 19 anos, revela que recorre a uma rezadeira sempre que acredita estar com mau olhado, apesar de ter plano de saúde.
“Enquanto a medicina e a alopatia curam as doenças do corpo, as rezas curam as doenças da alma”, diz. “Como curar uma espinhela caída, um mau olhado, com paracetamol e ácidos acetilsalicílicos? Qual o médico que, em seu consultório, teria uma medicação para estes males?”, interroga Sayonara.
No município de Boa Vista, no Cariri paraibano, ainda é possível encontrar mulheres conhecidas por livrar muita gente de males que às vezes a medicina desconhece. O que mais elas rezam é “espinhela caída”. Segundo as rezadeiras, trata-se de uma dor provocada pelo deslocamento de uma cartilagem localizada na “boca do estômago” (saída do esôfago para o estômago).
Outros males mais comuns curados pelas rezadeiras são o mau olhado, cobreiro, íngua, quebranto e erisipela. Em alguns casos, o “paciente” tem de voltar mais vezes para que a reza fique completa. Os chás e banhos de ervas medicinais também são receitados.
Maria Rocha, Antônia, Nair, Chiquinha, Baíca, Áurea Rita e Lilita (nenhuma declara a idade, mas a maioria diz ser “setentona”) são algumas das rezadeiras mais procuradas de Boa Vista. Apesar de a atividade ser tradicionalmente feminina, “Seu Ageu” tem uma clientela grande e se destaca entre “as meninas” da cidade. A atividade apareceu na vida de todas por acaso. Dona Chiquinha disse que aos 12 anos passou embaixo de uma ponte e viu uns folhetos com rezas. Aprendeu e “hoje quem chega à minha casa não sai sem uma reza”, garante.
Dona Rita disse que aprendeu a usar o ramo (galho retirado de uma árvore para a reza) quando um dia estava na porta de sua casa e uma mulher com um bebê de nove meses apareceu. A mulher pediu para que Rita rezasse o bebê, que não curava de um sarampo. “Mesmo dizendo que não era rezadeira, ela insistiu. Então, eu peguei o ramo e apenas conversei com Deus. O ramo logo murchou e eu disse que era olhado. Dois dias depois, o bebê estava melhor, e foi então que as pessoas começaram a me procurar”, relembra.
A senhora de fala mansa e andar compassado adora uma boa conversa e isso fez com que ela fosse uma das escolhidas para protagonizar o documentário O Ramo do jornalista Flávio Alex Farias. Preocupado com o desaparecimento das rezadeiras do Cariri, Farias resolveu produzir um documentário que mostra, além das rezas, toda uma cultura e religiosidade que permeia a vida do habitante do semi-árido. “Não se pode descartar que, devido ao êxodo rural, muitas pessoas que tem esses dons estão hoje habitando cidades muitas vezes distantes do município de origem. O documentário vai servir para que familiares e estudantes possam continuar a ver as rezadeiras”, explicou.
A preocupação de Farias é compartilhada pelas rezadeiras boavistenses. “Infelizmente, no mundo de hoje existe muita descrença, muita falta de união entre a humanidade, o povo está perdendo a fé na reza”, diz Rita. Mesmo assim, emocionada ela declara: “Mas, para aqueles que acreditam no poder da cura através da oração, em algum canto, em todo canto deste Brasil, mesmo passando as gerações, haverá sempre alguém que vai rezar pelo seu bem”.
E Dona Rita tem razão. Está nas nossas raízes, no nosso sangue, na nossa cultura: na dificuldade, sempre recorremos às orações. E se nessa hora não tivermos condições e tranquilidade para orar, sempre haverá uma rezadeira que vai faze o elo de ligação entre nós e Deus.
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