“Mariana é o maior desastre ambiental do Brasil”

Para o médico patologista Paulo Saldiva, um dos grandes especialistas em poluição ambiental do mundo, a ruptura das barragens da mineradora Samarco, em Mariana (MG), ocorrida no dia 5 de novembro, é a maior tragédia ambiental de toda a  história do País. A Samarco é uma joint-venture da companhia Vale do Rio Doce e da anglo-australiana BHP. 

Paulo Saldiva é especialista em poluição ambiental. Foto: Wikimedia Commons
Dano é imenso, diz Paulo Saldiva, da Universidade de São Paulo. Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado (Arquivo)

Segundo o pesquisador, os rejeitos da Mina de Germano, no município de Mariana (MG), formarão um “tapete mortal” no fundo do Rio Doce e seus afluentes. Além disso, podem penetrar o solo e infiltrar no lençol freático, inviabilizando o plantio e o uso da água de poços.

O pesquisador também diz que a divulgação do tipo e do teor dos resíduos tóxicos contidos na mistura de rejeitos e lama não poderia demorar tanto. “Isso impede a definição de medidas e agrava os riscos para o ambiente e à saúde das pessoas.”
Saldiva, entre outras atividades, dirige o Laboratório de Poluição Atmosférica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, é membro do Comitê de Qualidade do ar da Organização Mundial de Saúde e pesquisador do Departamento de Saúde Ambiental da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Também colunista do canal Saúde!Brasileiros.

Saúde!Brasileiros – Como será o futuro da vida e a saúde humana na região afetada pelos rejeitos da mineradora Samarco?
Paulo Saldiva – Muito complexo. Essa lama não é normal, mas sim um rejeito de mineração. Deve ser rica em ferro, mas há outros elementos. Dependendo do processo de mineração, por exemplo, os rejeitos contêm substâncias que modificam o pH do solo e da água, que pode ser tornar muito básico ou muito ácido (em função do que se usa para extrair o ferro). Isso afeta as espécies, mas a natureza consegue se reequilibrar. O problema é que o tipo e o teor dos resíduos de metais pesados que podem estar nessa lama ainda não é conhecida com precisão. Isso atrasa a adoção de medidas para lidar com o impacto ambiental, que é imenso.

Por que ainda não se sabe o tipo e teor dos metais pesados e outras substâncias presentes nos rejeitos? 
Impressiona que a informação não tenha sido divulgada claramente até agora. Eu não tive acesso a esses dados e acho que ninguém teve. Entre as substâncias tóxicas que podem estar associadas ao ferro nos rejeitos podem estar os metais chumbo, arsênico, cádmio e manganês.

Essas informações já poderiam ter sido divulgadas?
Seria muito importante que os dados já estivessem disponíveis para que os centros de pesquisa do País e internacionais pudessem estudá-los e sugerir ações. Existe tecnologia disponível para identificar com segurança o tipo e a quantidade dos resíduos tóxicos em situações como essa. Há um teste chamado espectroscopia de fluorescência de Raio X que pode ser feito com máquinas portáteis no local. Aí você consegue saber com quais substâncias e em qual quantidade se está lidando. A demora no conhecimento dessas informações multiplica os danos e riscos à saúde das pessoas. 

Sem saber o que há nessa mistura de lama e rejeitos, é possível estimar os riscos para fauna e flora? 

Será possível plantar novamente na área afetada daqui a algum tempo?
Sem os dados do que há nos rejeitos e na lama, não podemos saber. Mas além de reduzir muito a fertilidade do solo da região atingida, os elementos tóxicos podem se acumular e percolar para o lençol freático, lá permanecendo.

O que vai acontecer com as áreas que receberam o banho de lama? 
O distrito da cidade de Mariana, Bento Rodrigues, provavelmente irá se acabar. Será uma área que morreu, assim como pode acontecer com a cidade. Porque, economicamente, é quase impossível remover toda a camada de lama que ficou e fazer os testes necessários para saber se será possível continuar vivendo ali. Você cavaria um poço para tomar água, independentemente da profundidade, sem examinar a qualidade dessa água? Se a população não for alertada sobre isso, é uma loucura. 

Aconteceu ali algo de proporções semelhantes a um acidente nuclear? Seria mais grave do que o acidente com césio 137, em Goiânia, em 1987?  
Por sua extensão e pela magnitude do impacto sobre a economia e os ecossistemas afetados, o acidente em Minas Gerais têm maiores proporções do que o ocorrido pela contaminação por Césio em Goiânia.

O que precisa ser feito?
Como eu disse, é urgente determinar quanto de metais pesados e outras substâncias tóxicas há no solo e se ele poderá ser propício à agricultura. Isso não diz respeito apenas à fertilidade. Vou dar um exemplo típico do que pode acontecer para mostrar a extensão do problema. A cidade de Boston, nos Estados Unidos, começou a estimular as hortas comunitárias. Como é uma cidade antiga e os seus encanamentos eram de chumbo, era de se imaginar que houvesse algum teor de chumbo no solo de Boston. Mas as hortas nos quintais das casas mais antigas começaram a ser feitas sem que essa informação merecesse maior preocupação. Como o solo estava contaminado de fato, os problemas começaram a aparecer na década de 2000. Um estudo revelou, por exemplo, que as raízes de algumas verduras e legumes chegavam até a profundidade em que havia acúmulo do metal, que não é eliminado pelo organismo. As pessoas pensavam estar comendo algo saudável, mas na verdade era comida contaminada por metais pesados. Nas áreas afetadas em Minas, pode acontecer o mesmo.    

O que pode acontecer com a qualidade da água na cidade?
Se o encanamento for ruim ou diminuir a pressão no cano (como ocorre no racionamento) há uma pressão ao contrário, de fora para dentro. Com isso, dependendo de onde passa o cano, se tiver um vazamento do esgoto ao lado, ou se o solo estiver encharcado e com poluentes, a água se contamina ao longo do trajeto. 

E com a água de poços artesianos, mais profundos?
É necessário examinar essa água e o solo. Um exemplo será mais eloquente do que eu para dar um panorama da situação: lembro-me do que ocorreu em Bangladesh, na Índia, quando as pessoas estavam morrendo de fome e sede por causa desertificação. Isso motivou a Unicef e o Banco Mundial de Saúde a furar milhares de poços para obter água nos anos 1960 e 1970. O que ninguém sabia é que o solo de Bangladesh continha muito arsênico. A consequência foi que logo surgiram milhões de casos de arsenismo, insuficiência renal e câncer de pele. Quero dizer que é absolutamente imprescindível conhecer o teor dos metais pesados do solo antes de tomar medidas como abrir poços ou plantar alimentos na região.

É possível recuperar o solo dessa região?
Para limpar essa camada de lama, você teria de retirar fisicamente o solo, o que é impossível. O que pode ser pensado é um projeto de bioremediação. Dependendo da profundidade em que esses resíduos estão, é escolhido um tipo específico de planta. Algumas espécies vegetais, como a mamona, conseguem retirar do solo os metais pesados, sugando-os. Evidentemente, essas plantas não podem ser comidas. Isso nunca foi feito sistematicamente aqui no Brasil, mas talvez seja uma chance.

Como se calcula a compensação a ser feita em um desastre ambiental desse porte?
Uma empresa do porte da Samarco é muito importante para a economia da região. Para onde irão os moradores dessas cidades? Trabalhar em que? Com quais recursos, se muitos perderam tudo? O que vai acontecer agora é que provavelmente o Ministério Público federal ou estadual irá contratar peritos e exigir um diagnóstico que a empresa deve pagar. A Samarco, que pertence ao Grupo Vale do Rio Doce e à anglo-australiana BHP Billiton, deverá gastar um bom dinheiro com o diagnóstico e as indenizações.
A verdade é que faltam algumas peças importantes para fazer essa avaliação. Mas há técnicas de valoração bem estabelecidas para valorar essa contaminação do solo. Por exemplo, se a empresa não quiser examinar o solo e for pagar o valor real da perda, o cálculo pode ser feito pegando-se o preço do metro quadrado de 500 quilômetros lineares por três quilômetros de largura, que é o curso do rio de lama, e pagar o que isso custaria a cada proprietário. Mas muitos deles envelhecerão antes de ver a cor da indenização.


O perigo dos metais pesados

Saúde!Brasileiros

A exposição prolongada aos metais pesados é perigosa porque eles são facilmente absorvidos pelos organismos vivos. Entre os mais usados pela indústria, estão o mercúrio, arsênio, cádmio, manganês e chumbo. De modo geral, seu acúmulo no organismo prejudica as funções neurológicas, o sistema imune e o funcionamento dos pulmões, rins e fígado.

Estudos apontam danos específicos conforme o tipo de metal

O mercúrio, por exemplo, atinge mais fortemente o cérebro, o coração, os rins e pulmões e o sistema imune. O excesso de cádmio está associado às disfunções renais, doença pulmonar obstrutiva, câncer de pulmão e comprometimento ósseo (osteomalacia e osteoporose).

Chumbo atinge diretamente o funcionamento dos rins, o trato gastrointestinal, o sistema reprodutivo e faz lesões agudas ou crônicas do sistema nervoso, além de danos ao sangue.

O excesso de manganês decorrente de exposições prolongadas pode causar rigidez muscular, tremores das mãos e fraqueza, problemas de memória, alucinações, doença de Parkinson, embolia pulmonar e bronquite.

O arsênio está ligado ao aparecimento de lesões e câncer de pele, bexiga e pulmão e doenças vasculares.

 


Comentários

9 respostas para ““Mariana é o maior desastre ambiental do Brasil””

  1. quais medidas podem ser tomadas para evitar ou resolver problemas com esse?

  2. futuramente, esse problema pode continuar prejudicando nosso pais?

  3. Eu duvido muito que o Governo Federal tome medidas energicas contra a VALE porque esta empresa e’ uma,se nao a maior,financiadora do PT e dos partidos da esquerda,aliados ao Governo.
    O que veremos e’ uma sucessao de “envio” de dinheiro ao Governo de Minas Gerais,que serao desviados e o POVO brasileiro e’ quem vai pagar a conta,enquanto a populacao de Mariana e regiao CONTINUARAO NA MISERIA.

  4. Não veremos indenizações corretas porque surgirão inúmeras vozes dizendo que “quebrar a Vale não interessa ao Brasil” e outras canalhices semelhantes.

  5. Avatar de JERONINO GOMES
    JERONINO GOMES

    PAREM DE SE PREOCUPAREM COM A FRANÇA E COM O ISLÃ O POVO MINEIRO E CAPIXABA PRECISAM DA ATENÇAO DE TODO O PAIS

  6. Avatar de JERONINO GOMES
    JERONINO GOMES

    O ESTADO DE MINAS GERAIS ENFRENTA ESSA QE E A MAIOR TRAGÉDIA AMBIENTAL DO BRASIL E OS GOVERNANTES ESTAO PREOCULPADOS COM A FRANÇA ,DEIXEM ELES RESOLVEREM SEUS PROBLEMAS E OLHEM PARA NOSSO POVO AQUI ELES ESTAO RECEBENDO O QE PLANTARAM EM BRINCAR COM A RELIGIAO DOS OUTROS A POPULAÇAO MINEIRA DE MARIANA BENTO GONSALVEIS PARACATU E OUTAS CIDADES DO ESPIRITO SANTO PRECISAM DA AJUDA DO PAIS

  7. Avatar de Cleverton Silva
    Cleverton Silva

    Perguntas bastante pertinentes e respostas muito esclarecedoras. Muito bom, prof. É necessária a disseminação destas informações. Irei contribuir com a divulgação.

  8. Avatar de Ângela lima
    Ângela lima

    Meu Deus livrai-nos do mal. Professor muito pertinente estas informações estarei divulgando .

  9. Oi Monica! Grande entrevista amiga! bjos Rosa

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