Marilyn Monroe finalmente está em paz. Depois das fotos de sua magnífica nudez terem sido retidas na alfândega do Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, sob a suposta alegação de que “não eram obra de arte”, foram exibidas no Rio de Janeiro e estarão em São Paulo neste 25 de janeiro de 2008 na exposição batizada de Marilyn – O Mito. A nudez de Marilyn, pouco antes de sua morte, talvez desperte mais fantasias estéticas e anatômicas que uma pincelada de Michelangelo no teto da Capela Sistina. Afinal, a lenda está lá, sublime, numa despedida gloriosa. São curvas, dentes, músculos e aquela inefável pinta na face que ainda nos faz sonhar acordados e pensar que nunca houve uma mulher como aquela. Dá para entender por que seu ex-marido, o astro do beisebol Joe DiMaggio, se consumia de ciúme.
A Marilyn tão deslumbrante não vem a São Paulo sozinha. Surge na companhia porreta da estrela do Crato, Telma e seus auto-retratos na exposição Telma Saraiva – À Procura do Mito. De acordo com a definição de Diógenes Moura, curador convidado das duas mostras que se integram tão sutilmente, “trata-se de um raro encontro entre duas estrelas que vai unir o mundo real ao mundo imaginário”. Telma fez de seu fascínio por Hollywood uma matéria-prima única. Aconselhada pelo pai, nos anos 40, foi ao cinema para aprender a ler com mais rapidez – por causa da velocidade das legendas. Isso bastou para se apaixonar pelo glamour das grandes atrizes do cinema. O Crato ganhou sua diva mutante, transformada ora em Rita Hayworth, ora em Elizabeth Taylor e, claro, Marilyn Monroe, o que justifica o “diálogo” entre as duas mostras, exibidas no mesmo lugar, a Galeria Estação, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo, especializada em arte popular brasileira. As duas exposições realizam uma conexão eficiente, ainda que inusitada, e unem em sua organização o Instituto do Imaginário do Povo Brasileiro e do Instituto Rio.
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Mas vamos a Marilyn. A deusa está nua como nunca naquela que seria sua última sessão de fotos, pelo menos publicada. Imperfeita, rugas ao redor dos olhos, sardas, maquiagem quase ausente e até uma grande cicatriz no lado direito do abdome, fruto de uma operação na vesícula, aos 36 anos, em julho de 1962, Marilyn Monroe já não era mais a garota que queria conquistar a América e tirou a roupa na edição inaugural da Playboy em 1950.
Ela era a mulher-mito da América, a suposta amante dos irmãos John e Bob Kennedy, o furacão de Camelot, como era conhecido o governo americano da época, numa referência ao legendário rei Arthur. No ano anterior, ela fizera seu último filme completo: Os Desajustados, assinado pelo grande John Huston. Um melancólico epitáfio do cowboy americano, que laçava mustangs para serem enlatados como ração para cachorros. Marilyn interpretou uma divorciada ingênua, triste, que convive com três losers, entre eles Clark “Rhett Butler” Gable, que também faria ali sua despedida do cinema. A sessão de fotos foi convertida num livro lançado pela Editora Sextante, comandada por Geraldo Jordão Pereira. Marilyn está na suíte 261 do luxuoso Hotel Bel Air, de Los Angeles, sozinha com o fotógrafo norte-americano Bert Stern.
Marilyn está nua e desinibida, coberta apenas por um véu transparente e algumas jóias. E cansada depois de mais de 3 mil cliques que seriam selecionados para compor um deslumbrante ensaio para a revista Vogue publicado logo após sua morte, em que ela aparece com vestidos e jóias. A cumplicidade entre a atriz e Stern é latente, traduzida não só pela nudez despojada, mas por uma camaradagem que caminha para a sedução mútua. Stern, timidamente, não sucumbiu à tentação de beijá-la. Outra versão dá conta que ele teria tentado e Marilyn, delicadamente, dito não.
Seja o que for, ambos estão à vontade. Há uma imagem feita de cima, muito próxima do rosto em que Marilyn está adormecida com os olhos fechados. “Senti-a respirar. Pelo menos estava viva, pensei. Olhei-a tranqüilamente deitada perto de mim, pálpebras fechadas”, descreveu Stern, com paixão, depois de ter guardado aqueles negativos até o início dos anos 80, quando publicou um livro. Stern e sua câmera ficaram embevecidos diante daquela mulher magnífica que sorria em quase todas as imagens ao sabor de várias taças de Dom Pérignon e que semanas depois se suicidaria numa overdose de barbitúricos, de acordo com a versão oficial de sua morte.
Mas naqueles três dias e noites da sessão de fotos no Hotel Bel Air ela estava aparentemente feliz. Marilyn e Stern, como bons amigos, se fotografaram juntos, refletidos num espelho. Brincando com a atriz, Stern fotografou os dois numa cama. Além dela, enquadrou uma garrafa de Château Lafitte Rothschild em vias de extinção e os sapatos de Marilyn jogados ao lado da cama. “Ela tinha uma vivacidade tão fugaz quanto o pensamento, tão intensa quanto a luz que brincava em seu corpo”, descreveu o fotógrafo.
A imagem é uma das 62 fotos, boa parte também mostradas no Museu Maillol, de Paris, e que compõe esta Marilyn – O Mito, que estará em São Paulo no aniversário da cidade. “Marilyn vai cantar happy birthday para a cidade”, brinca
Diógenes Moura, numa alusão ao famoso Happy Birthday Mr. President, entoado por Marilyn no aniversário de John Kennedy e no fato da cidade fazer 454 anos. O bolo da festa já tem sua cereja.
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